sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010
Considerações "teológicas" sobre assuntos pouco discutidos
"Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas?" 2cor 6:14
" Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado." IJo 4:7
"Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis." Mt 7:17-20
Outro dia conversando sobre questões bíblicas falávamos sobre jugo desigual.
Algo interessante que conversávamos é que geralmente quando se fala em jugo desigual, a primeira coisa que vem à cabeça é a união entre pessoas de religiões diferentes. União essa que pode ser matrimonial, empresarial etc.
Meu colega com quem conversava é testemunha de Jeová. Para ele, o ideal é que ele se case com uma pessoa que também seja testemunha de Jeová. Penso que se formos conversar com evangélicos, a mesma idéia pairará sobre a grande maioria. Vários usarão o versículo de 2coríntios para justificar tal prática.
O argumento básico prefigura que o indivíduo da religião A se encontra na luz, enquanto o indivíduo da religião B se encontra nas trevas, por isso não poderia haver uma união entre ambos.
Algo interessante sobre tal argumento é que "luz e trevas" se coloca no âmbito institucional, e posteriormente se coloca no nível ontológico.
Não se deve unir com o indivíduo de outra instituição religiosa, i.e, que adota um outro discurso sobre o mundo, porque se estará desobedecendo um "princípio sagrado" sob pena da maldição advir sobre quem praticar tal ato.
Por exemplo, ouvimos sempre a idéia de que a união desagrada a Deus, de que o lar não será abençoado, chega-se até a orar para que o relacionamento acabe de forma a levar o indivíduo a andar "no caminho correto". Tal união não pode acontecer. Ela perturba o status do mundo criado pelos indivíduos.
É uma forma de manter a "pureza da instituição privilegiada" face ao mundo de caos que habita tudo fora dela. (Afinal, dentro de toda religião é preciso que haja um discurso legitimador que fará com que o discurso adotado em tal comunidade adquira um estado de ordem e de obviedade. É apenas tal discurso legitimador que permite afirmar que a religião A é luz, e a religião B é trevas, ao passo que o discurso na religião B, dirá exatamente o contrário) Por isso, todo novo discurso que venha abalar o mundo legitimado pelo discurso oficial deve ser barrado.
A união com o indivíduo de outra religião prefigura uma subversão da ordem, uma mistura de discursos que não pode ser aceito e para isso cria-se medidas restritivas para impedir que tal união aconteça.
Uma das práticas mais comuns é usar a Bíblia para legitimar a proibição. Daí o uso do versículo de Paulo. Fala-se então de "jugo desigual", "luz e trevas". O nível institucional transforma-se em ontológico.
O indivíduo não desrespeita apenas a instituição que frequenta, não infrige apenas o "discurso" adotado pela comunidade, mas desrepeita toda a ordem sagrada que, nesse caso é quem impede a união entre A e B. O uso da Bíblia legitima o discurso religioso que impede a união entre o indivíduo da instituição A com o da instituição B.
Essa proibição, sendo legitimada pelo uso da bíblia, se torna inquestionável. Ela não se funda na opinião do líder, mas na "palavra de Deus". O indivíduo discordante, discorda de Deus, discorda do papel que Deus lhe deu, vai contra a ordem divina, e por isso deve ser "advertido" ou "ensinado" sobre qual caminho deverá seguir.
A didática adotada para "ensinar" o fiel geralmente implica em isolamento, afastamento das atividades exercidas na igreja etc. A meu ver, nada muito promissor para o fim desejado.
No entanto, se olharmos o que Jesus aponta quando falava ao povo, veremos que nós não conhecemos luz e trevas pelos discursos que adotam, mas pelas obras que praticam.
Nesse caso, luz e trevas não se coloca no nível institucional, mas no nível da ação. Afinal, não pode uma árvore má produzir frutos bons, pelos frutos conheceremos a árvore. Independente do discurso adotado, se os frutos são bons, então a árvore é boa, e se a árvore é boa, como ela não poderia "estar na luz?", e se está na luz, o que impede a união?
João aponta que se andarmos na luz teremos comunhão um com os outros, logo podemos afirmar que quem tem comunhão um com os outros está andando na luz. João não fala sobre o discurso adotado, mas fala apenas sobre a prática envolvida.
Percebemos que a proposta de Cristo está para além de um discurso. A proposta de Jesus é o de agregação. "Quem não é contra mim é por mim" e não o de desagregação. Podemos notar que o discurso adotado hoje nas instituições evangélicas está longe da proposta do Cristo. Vive-se hoje querendo separar o joio do trigo, função esta que não nos cabe, mas apenas ao dono do terreno.
Como podemos notar, o jugo desigual não se prefigura pela diferença dos discursos adotados sobre o mundo, sobre deus etc. Penso que o jugo desigual se prefigura quando há uma separação substancial entre objetivos, afetos, valores, etc. Coisas muito mais importantes que os terrenos metafísicos habitados por cada um. "Como andarão dois juntos se não houver entre eles acordo?" já nos perguntava o boiadeiro. Penso que quando não compartilhamos estes requisitos, nos colocamos em jugo desigual. Se temos objetivos diferentes, valores diferentes, afeições diferentes um para com o outro, como poderemos andar juntos? Como poderemos dividir o jugo? Com certeza um sobrecarregará mais que o outro e o caminho ficará mais difícil.
Novamente vemos que o problema se revela no campo da prática e não no campo do discurso.
Ajuntamos pela palavra e separamos pela palavra.
Criamos mundos assim como Deus fez, e também o fazemos pela palavra.
Infelizmente nos mundos que criamos dizemos "ajuntem-se os que defendem o mesmo discurso que eu", mas também falamos "faça-se separação entre falantes de discursos diferentes." E assim mundos são criados, cada vez mais restritos, cada vez mais dogmáticos e frios.
Penso que agiríamos melhor se ajuntássemos os discursos diferentes e fizéssemos separação das práticas diferentes.
Talvez assim poderíamos fazer vir a nós o reino de Deus.
Disse Jesus: "Tomai sobre vós o meu jugo."
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