sábado, 4 de abril de 2015
"Vocês coam o mosquito e engolem o camelo" Mt 23,24
Cada dia que passa fico achando mais sem sentido várias coisas que vejo online. Com as redes sociais transformadas em um grande power point, os discursos religiosos e ateus fundametalistas encontram uma boa forma de se propagar. Curiosamente vejo mais discursos religiosos de cunho fundamentalistas que discursos ateus fundamentalistas. Como dizia o Rubem Alves, a questão do fundamentalista não é nunca "o que ele fala", mas sim "a forma como ele fala". Ao se colocar como arauto de uma verdade revelada, interpretada unicamente, eterna e imutável, o fundamentalista fecha as portas ao diálogo. Afinal, continua o Rubem Alves, quem está com a verdade não precisa discutir. Em relação a verdade ou se aceita ou não se aceita. Daí podermos colocar no mesmo bojo os diversos fundamentalismos, não apenas os religiosos, mas também os políticos e todos os outros fundamentalismos que vemos todos os dias nas redes sociais.
Obviamente, as redes sociais não dão condições para discutir estas questões que exigem uma argumentação mais elaboradas, no entanto é curioso notar como que os discursos fundamentalistas encontram um bom meio para se propagar.
Os discursos religiosos encontrados no facebook são extremamente curiosos pois insistem em uma dicotomia enorme entre Deus e o diabo, entre o homem e Deus, entre o certo e errado. Tudo muito hermético, encerrado em pólos muito distintos. Percebe-se claramente uma visão de Deus muito condicionada a idéia daquele que "controla" todas as coisas, "está no domínio", um homem que "tem que obedecer". A doutrina da retribuição também é visível em vários post tais como "faça a sua parte que Deus olha por ti", ou ainda um moralismo permeado de metafísica. Outro dia vi um post com a foto do Lucinho que me pareceu extremamente ridículo. a frase era "Se o pecado é o alimento dos demonios, coloque-os para jeujar". Desde quando pecado alimenta demônio? Desde quando isso faz algum sentido?
Mas a questão é toda essa. A coisa não precisa fazer sentido algum para ser compartilhada nas redes sociais. Ela precisa apenas ser dita. Se alguém achar que isso minimamente é passível de algum tipo de compartilhamento, lá está a coisa rondando a sua timeline sem que vc nada possa fazer para mudar a situação.
Se pararmos para observar veremos que os que mais compartilham textos bíblicos não raras vezes são os que menos leem o texto bíblico. Isso fica óbvio porque se lessem não compartilhariam os textos que compartilham no contexto em que compartilham. Resumindo, a ideia de que o facebook é um lugar onde a qualquer momento qualquer pessoa pode postar o que quiser traz consigo uma gama de opiniões e soluções que beiram a loucura.
A imediatez das opiniões, o "ter que opinar" sobre tudo o tempo todo, o fato de ser exigido quase sempre uma postura sobre temas extremamente diversos acaba por exacerbar o que há talvez de mais ridículo nas pessoas.
Tem um menor de idade segurando uma arma? É claro que não se pode defender esses "menores" que não tem idade para serem presos, mas tem idade para matar. E como que por um passe de mágica lógica, o próximo discurso é: "É óbvio que se deve diminuir a maioridade penal". Assim, rápido e rasteiramente, sem nenhuma análise pormenorizada, sem nenhum contexto mais amplo, a partir de um vídeo que se viu no Facebook, é proposta uma alteração na lei do país como forma de "resolver todos os problemas".
Essa tentativa de dicotomizar as coisas me gera muita estranheza, e a meu ver demonstra um caráter extremamente infantil que não aceita o cinza como uma proposta válida para as coisas. É como se tudo tivesse que ser ou bom ou mau, não cabendo nada no meio das duas propostas. Sabemos que o mundo é muito mais complexo do que nos faz crer algumas posturas tomadas no Facebook ou nas outras redes sociais, no entanto parece que quando estamos atrás do computador e diante da rede social essa nossa análise das complexidades dos fatos mais quotidianos se esvai e ficamos como que ávidos por emitir alguma opinião sobre algo. Independente de ser uma opinião ponderada ou uma opinião fanática.
Destila-se o ódio "em nome do amor", destila-se o rigor da lei "em detrimento da vida do outro", e cada vez mais vemos esse tipo de postura aumentando. Não acredito que as redes sociais tenham feito as pessoas mudarem, apenas penso que as redes sociais desinibiu o sujeito de mostrar a sua faceta mais escura. E quando vemos isso vindo de pessoas que supostamente deveriam trazer consigo um discurso pautado no interesse no próximo, pautado no amor (haja visto que essa é a proposta mais fundamental do cristianismo), é extremamente preocupante, pois revela que o cristianismo tem se enveredado por um caminho também extremamente escuro.
E mais de 2000 anos depois cá novamente ecoam as palavras de Jesus. "vocês coam o mosquito e engolem o camelo" Mt 23,24
Filósofo. Especialista em Teologia. Mestre em Filosofia. Doutor em Psicologia. Doutor em Filosofia.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário