Pensando e conversando outro dia sobre as relações afetivas na pós-modernidade, chegamos a afirmar que a própria dinamica afetiva se encontra muito influenciada pelas dinamicas do capital.
Coisas simples que fazemos ou falamos acabam por refletir a "vacuidade" dos nossos relacionamentos que atualmente por qualquer motivo se "desmancham no ar".
Pelo que conversávamos, parece que a própria dinamica do acúmulo é visto nas relações interpessoais.
Várias vezes ouvimos pessoas contando "quantas" ou "quantos" pegaram numa festa ou numa saída. Em uma sociedade regida pelas regras do capitalismo até mesmo os valores e a humanidade do homem são pevertidos pela dinamica do acúmulo. Talvez daí a "descartabilidade" dos nossos relacionamentos tão bem tipificadas na idéia do "pegar alguém". Se a lógica regente é a do acúmulo, quanto mais melhor, logo, quanto mais relacionamentos vazios conseguir durante o ano, melhor, o que não se pode é ficar para trás enquanto todos tem alguém.
A própria idéia do "pegar alguém" já me parece estranha uma vez que a meu ver desumaniza o outro que é transformado apenas em objeto para um prazer imediato, que de vez em quando dura alguns meses, mas não passará disso. A idéia de "pegar alguém" acaba por remeter a ausencia de compromisso, a recusa de laços mais fortes. Prática esta que já deveríamos estar acostumados numa sociedade tão hedonista como a nossa.
Mesmo assim, tal dinamica ainda me parece estranha. Enquanto "se está pegando alguém" a idéia de um compromisso com o outro se insere apenas em um plano estritamente imediato que dura apenas enquanto ambos estão "juntos" (diga-se de passagem, acabo tendendo a acreditar que ambos não estão juntos no sentido strictu da palavra, apenas estão ali no mesmo ambiente, mas falta a cumplicidade, falta o diálogo , falta o acordo que permita que ambos andem e caminhem juntos como bem nos referiu certo boiadeiro nos tempos proféticos). A falta de um interesse em um relacionamento de fato pode ser encarado sob vários aspectos, quer psicológicos, sociais, filosóficos e com certeza este texto não daria conta de transitar por tantas variantes.
Constato um incômodo. Longe de mim querer fazer qualquer apelo a uma sociedade puritana ou retrógrada, não é isto que passa pela cabeça deste que vos fala. Ressalto apenas a vacuidade das relações que várias vezes passa desapercebida pelos participantes.
O "amor sólido" se torna impraticável em uma "sociedade líquida" para usarmos a expressão do Zygmund Bauman que veio a tona enquanto conversávamos. Neste tipo de sociedade não há muito espaço para coisas sólidas, estas são vistas como subversão e não são incentivadas uma vez que acabam se tornando um protesto contra o status quo onde a vacuidade dos relacionamentos prevalece. Nesta sociedade líquida tudo é constantemente reinventado só que sem raízes, sem forma. Nossos quadros de referencia mudam muito rapidamente sem que tenham tempo de solidificar em costumes e hábitos e a mesma dinamica vemos hoje em dia nos relacioamentos que assumem o que o mesmo Bauman chamou de "amor líquido".
Confesso que acho esta vacuidade das relações algo muito estranho, talvez devido a minha criação, talvez ao meu jeito de ver o mundo, não sei, mas acredito que alguma coisa do que disse aqui faz sentido e merece ser pensado com certa urgencia para que não tornemos os humanos tão descartáveis como temos tornado as coisas, e não invertamos a lógica agostiana que já nos dizia que devemos amar as pessoas e usar as coisas e não amar as coisas e usar as pessoas.
Meu querido Biano, vi que estavas inspirado!... Mas permita-me fazer um breve comentário que talvez lhe passe despercebido! Ao ler seu texto, ainda mais da minha perspectiva, percebo que você escreve sem se abster de uma ideologia de vida culcada há anos. De fato, sua educação, nos moldes da 1ª/2ª socializações de Berger, que já mencionei, foi bem feita rs De qq maneira, você deixa de lado questões bastante simples no seu texto, como se as relações afetivas se dessem num não-lugar, atemporal... Ora, mas dentro de cada pessoa há uma história, que me surpreende que tenha sido ignorada em seu texto. Já imaginou uma pessoa que passou por rompimentos dolorosos, independente de isso se dever a uma lógica do capital ou não? Creio que simplificar a uma visão semi-crítica (com isso não quero te ofender, imagine! mas espero contribuir para sua reflexão, para que ela possa ver talvez, outros pontos de vista... e semi-crítica num sentido que é mais amplo do que de uma crítica cultural, por exemplo). Não é melhor agir numa lógica onde ambas as partes sabem que devem ir com mais cuidado, do que agir dentro de uma lógica, que eu chamaria, da responsabilidade - que é assumir mais do que a si mesmo, mas também o outro? Pois é isso que, para mim, significa o relacionamento. É o passar a enlaçar-se com outra pessoa, não apesar com ela, mas com a história que ela traz, seu presente e futuro, sua família! Tem gente que não dá conta nem de si, que fará com outra pessoa em sua vida? É melhor ignorar a lógica que parece tão maquiavélica (desculpe-me, Maquiavel), mas que não deixa de ser mera roupagem que utilizamos para compreender a vida a partir de dada cultura, comunidade ou sociedade, além de nos propiciar um sentimento agradável pois está, naturalmente, dentro de nossa zona de conforto fisíco-espiritual. Para além disso tudo, quero dizer que não estar atado a uma pessoa, não quer dizer necessariamente que não nos preocupemos com ela, mas talvez seja o contrário!... Já pensou desse modo? Acho que não é o que ocorre na maioria das vezes, mas é possível. Não obstante, se pensarmos para além, sua visão me parece de fato por demais paradigmática, sendo obliterada por uma visão educacional-cultural vivida por você dentro de sua esfera de vida, e que por mais enriquecedora que seja, e rica mesmo, é também bastante limitada. Basta pensarmos um pouco que a própria monogamia é algo forjado pelos homens culturalmente. Ora, leiamos o Totem e Tabu juntos. Falei com o Gabriel para lermos junto, e eu acompanho vocês com o original em alemão, que me diz? Acho que também vai ajudar a quebrar algumas dessas ideologias que estão tatuadas nessa escrita.
ResponderExcluirNão apesar com ela = não apenas ;)
ResponderExcluirVisceral seu comentário, lulu. Muitíssimo obrigado pela leitura e ao mesmo tempo por levantar questões que talvez tenham passado desapercebidas. Concordo que sempre quem fala, fala de um lugar, e não tem como colocarmos as coisas sub especie aeternitatis, sempre o falante fala da sua limitação, da sua bolha onde vive. A idéia que ressaltou realmente é interessante e merece ser considerada, cheguei a considerar tal proposta, mas penso que para um texto no blog ficaria muito extenso abordar esta questão a não ser sob o ônus da desistencia do leitor pelo tamanho do texto. Com certeza dentro de cada pessoa há uma história, há um ser-que-relaciona-e-quer-relacionar-se (a la heidegger e seus hífens), o problema que aponto é que várias vezes a relação se dá em apenas um nível muito superficial que é a dinamica mais vista hoje em dia. Concordo que todos os conceitos utilizados acabam sendo frutos de uma criação, de uma cultura e as práticas sociais também se manifestam culturalmente e por isso devem ser entendidas na sua complexidade como você bem apontou. Concordo que o texto fala apenas de um ponto, e como disse lá mesmo, não teria como abordar todas as vias da questão. Acho excelente lermos o totem e tabu juntos, muito me agrada a idéia. Em relação a "ideologias tatuadas nessa escrita", penso que não tem como escapar muito delas, uma vez que como vc disse, sempre falamos de um lugar, o relacionamento sempre está em um lugar, e falamos de acordo com aquela cultura sempre. Talvez a tentativa seria olhar "para além" desse lugar, talvez criando a ilusão de que pudéssemos falar "de fora dela", a mesma ilusão cartesiana que na dúvida de tudo só consegue "duvidar em francês"... Achei excelente seu comentário, seria um excelente tópico para nossas futuras conversas hein...
ResponderExcluirChama Ideologia por um motivo bem específico, né rs... mas talvez essa suposta ilusão e tentativa de ver o outro lado seja bem mais fácil com o contato com a alteridade, aquelas: eu, brinks hahahahhaa Mas agora sério, acho que o Totem e Tabu foi um livro que marcou minha vida. Eu sempre lembro dele nas aulas de antropologia... muito bacana, ver como a gente fica preso em conceitos que são necessariamente nossos e não necessariamente de outras pessoas! Acho que o intercâmbio ajuda bastante nessa quebra de paradigmas também, porque você é obrigado a conviver com a diferença e é extremamente difícil no começo, chega quase a doer mesmo! Mas depois você percebe que, em alguns pontos, você era mesmo tão fechado a certas idéias que passam, de repente, a fluir tão naturalmente... igual o lance de você na Betânia, que a maioria da galera acha que você tá errado em muitas colocações que são, para nós (à la Hegel hahaha), óbvias quase!... Enfim, vale a tentativa! ;D Bjão Biano, adorei sua ligação ontem, seu lindo!
ResponderExcluirhahahahha. Realmente, o se abrir a uma nova experiencia, conviver com outros é uma excelente forma de "sair da bolha" e perceber nossa imensa pequenez diante de tantas outras mentes. Fico imaginando se pudéssemos "sair da terra" e viver em um outro planeta habitável... Talvez até espantaríamos com a possibilidade ou não de um contato, outras formas de organizar as coisas, até mesmo outra espécie de racionalidade (se é que isso existiria por lá). Sempre vale a tentativa. Beijos mil, sua linda.
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