quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Neurose (Freud e Jung)


Mapa do Inferno de Dante (Sandro Botticelli)



"Nossas análises demonstram todas que as neuroses transferenciais se originam de recuar-se o ego a aceitar um poderoso impulso instintual do id ou a ajudá-lo a encontrar um escoador ou motor, ou de o ego proibir àquele impulso o objeto a que visa. Em tal caso, o ego se defende contra o impulso instintual mediante o mecanismo da repressão. O material reprimido luta contra esse destino. Cria para si próprio, ao longo de caminhos sobre os quais o ego não tem poder, uma representação substitutiva (que se impõe ao ego mediante uma conciliação) – o sintoma. O ego descobre a sua unidade ameaçada e prejudicada por esse intruso e continua a lutar contra o sintoma, tal como desviou o impulso instintual original. Tudo isso produz o quadro de uma neurose." (FREUD, Sigmund. Obras completas vol.19 (1924 [1923]/2006. Disponível online aqui)



"Não se deveria procurar saber como liquidar uma neurose, mas informar-se sobre o que ela significa, o que ela ensina, qual sua finalidade e sentido. Deveríamos aprender a ser-lhes gratos, caso contrário teremos um desencontro com ela e teremos perdido a oportunidade de conhecer realmente quem somos. Uma neurose estará realmente 'liquidada' quando tiver liquidado a falsa atitude do eu. Não é ela que é curada, mas é ela que nos cura. A pessoa está doente e a doença é uma tentativa da natureza de curá-la" (JUNG, C.G. Obras completas vol.10 parágrafo 361 em tradução livre de Marco Heleno Barreto, ex professor meu e grande conhecedor da obra de Jung.)

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Uma heresia incrivelmente rasa





Uma das grandes tentações sempre dirigidas a nós durante a nossa existência é a tentação de Procusto. Aquela famosa ideia já conhecida por todos nós de querer que o outro aja da mesma forma que agiríamos em determinada situação. A tentação de querer transformar o outro naquilo que achamos que seria o melhor para ele, pelo simples fato de que uma determinada coisa ser o melhor para mim. A tentativa da homogeneização acaba por fazer parte da nossa vida de uma forma extremamente frequente.

Quem nunca se pegou tentando colocar alguém em sua cama de pedra? Não entendendo que o outro em sua singularidade às vezes agirá de forma que não queremos, às vezes fará o que não faríamos, etc? Quem não tiver esse pecado que atire a primeira pedra. 
É como se de alguma forma, talvez inconscientemente, nos sentíssemos como uma espécie de "padrão" a ser seguido por todos os nossos próximos e quando eles não fazem o que gostaríamos nos sentimos como que traídos, ou injustiçados de alguma forma e por isso nos sentimos no direito de questionar, reclamar com esse outro o do porque não agir igual eu agiria.

A tentação de Jesus no deserto descrito em Lc 4 nos lembra um pouco essa mesma dinâmica. Jesus ao ser tentado pelo diabo no deserto recebe algumas ofertas tais como a saciedade (Lc 4,3), o poder (Lc 4,6), e a segurança (Lc 4,9), mas curiosamente os conceitos de "saciedade", "poder" e "segurança" oferecidos pelo diabo tinha muito mais a ver com uma tentativa de homogeneização por parte do diabo do que propriamente com o fato de oferecer algo a Jesus. Ao tratar dessas questões, o diabo na história tem alguns conceitos sobre o que oferece que destoa bastantemente da forma como Jesus lida com tais conceitos. 

A saciedade imediata oferecida se mostra um erro diante do propósito maior de Jesus no momento, da mesma forma a noção de poder (que ao vinculá-lo a um poder meramente territorial perde a noção da transitoriedade do poder, ao mesmo tempo que tenta vincular o propósito de Jesus a de um messias político tentando desvincular Jesus do processo do Reino) e a noção de segurança (que ao se oferecer como um mero aporte diante de uma situação específica perde a dimensão de uma segurança muito mais estrutural do que apenas livramentos em casos de acidentes), ou seja, a tentativa do diabo na narrativa se dá como forma de banalizar os conceitos envolvidos na expectativa que Jesus compreenda as coisas como o próprio diabo compreenderia. 

- "Se fosse eu que estivesse em um jejum de 40 dias, eu transformaria essa pedra em pão" - diria o diabo - e é mais ou menos o mesmo tipo de discurso que geralmente se faz quem quer fazer o outro deitar em sua cama de pedra. Nesse momento nos tornamos uma espécie de padrão a ser seguido, mas sem repararmos que ao nos colocarmos como padrão de algo estamos tentando com isso anular a diferença do outro. Jesus muito sabiamente percebe essa dinâmica e se esquiva propondo uma outra interpretação das ofertas do diabo e com isso acaba com a discussão sem muitas delongas.

Na tentativa de eliminação da diferença do outro há um desejo narcísico de me tornar como um grande padrão de conduta em todas as coisas, e isso soa muito pretensioso da nossa parte sempre. Não que não possamos esperar do outro algumas atitudes, mas é preciso ter em mente que nada nos garante que o outro tomará tal atitude esperada. Nesse grande jogo entre eu e o outro é preciso que haja grande paciência se quisermos que haja relação e isso talvez seja o mais difícil pra qualquer pessoa.

A tentação de Jesus ilustrada em Lc 4 nos aponta diversas coisas e dentre elas podemos encontrar essa espécie de respeito às opiniões diferentes, que longe de nos levar a sucumbir à ideia do outro, nos permite afirmarmos como nós mesmos sem que com isso haja a exigência de nos colocarmos como padrões de alguma coisa. Ao rejeitar as propostas oferecidas pelo Diabo, Jesus está se afirmando como alguém cônscio da sua função no mundo e por isso é capaz de resistir aos 3 saborosos pratos de lentilhas por mais saborosos que eles possam parecer. 

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Reflexões mínimas sobre o Édipo de Sófocles






E quando o que é iminente não nos agrada?
Quando todo projeto pensado se transforma em ruínas?

Várias vezes me lembro de Édipo que na sua tentativa de fugir do destino lhe dito por Tirésias, cumpre o Oráculo que dizia que ele mataria o pai e se deitaria com a mãe. Uma fuga que o leva direto para os braços de sua própria maldição. Neste caso, Tirésias, que era cego, via melhor que o próprio Édipo sobre as coisas que estariam por vir e por saber das coisas lhe advertiu.

Triste foi a decisão de Édipo ao tentar fugir para não cumprir seu destino. Quem sabe se o tivesse enfrentado sem sair de Tebas tal mal não lhe tivesse sobrevindo e ele gozaria de uma vida serena e conseguiria "driblar" o destino?

Claro que Édipo toma a sua decisão pois amava seu pai e sua mãe (que na realidade não eram seus pais verdadeiros e ao  fugir cumpre o Oráculo pois mata seus verdadeiros pais.) e isso lhe deve ser imputado com justiça.

Em nome do amor sobrevém a morte.
Na liberdade da fuga encontra o inexorável destino.


O que acontece quando o edifício desmorona?
Quando a verdade que queremos esconder se revela?
Quando a dor chega?
O que resta para Édipo senão cegar-se e aguardar a morte?