A guerra aparentemente é algo que sempre acompanhou a história humana, de forma que podemos dizer sem sombra de dúvida que ela faz parte da própria humanidade. A não ser que mantenhamos uma espécie de ilusão em uma época em que todos viviam em paz e segurança, temos que aceitar que a guerra sempre se fez presente.
Como toda disputa, a guerra, sendo a pior de todas, deixa extremamente marcada a posição do vencedor e do vencido. Ao primeiro é dado toda a glória, o direito aos despojos, os bens, etc. Ao segundo grupo é dado a vergonha, a humilhação, a morte, a tortura, etc.
Inúmeras guerras poderiam ser lembradas por nós, mas acredito que nenhum de nós gostaríamos de ter vivenciado alguma guerra in loco; isso porque por excelência a guerra é algo que gera dor, desgraça e grande destruição.
Outro dia comentei com a Pri que acho extremamente curioso o fato de hoje haver inúmeros programas televisivos que fazem alusão ao caráter bélico. No Discovery Home & Health são vários programas culinários que trazem esse tom.
"Batalha dos cozinheiros"
"Guerra dos cupcakes"
"Guerra dos Donuts"
"Esquadrão da moda"
"Missão em família"
Apenas para citar alguns.
Fiquei pensando em como talvez essa dinâmica bélica não seria uma forma "soft" de lidar com a constante ameaça de guerra que assola o mundo como um todo, e os Estados Unidos de maneira particular. (Cito os Estados Unidos porque todos esses programas citados acima são produzidos lá.)
Não podemos pensar que o tom bélico em programas culinários não seria uma tentativa de trazer a tona de forma "humorada" um medo que assola o inconsciente ?
E se for assim, a presença massiva da dinâmica da guerra em programas que deveriam ser relaxantes não evidenciaria que há algo de incômodo em toda essa dinâmica que não cessa de ser dito e re-dito, mas apenas pela via do simulacro?
Como se de alguma forma estar constantemente vivenciando a experiência de estar em guerra fosse capaz de mitigar o medo latente de que de fato uma grande guerra ocorra.
O caráter administrado do programa de TV possibilita que, por mais tensa que seja, a simulação não fuja do controle, garantindo assim uma sensação de segurança e provisoriedade que mantém a ideia do programa viva.
A cada novo episódio se estabelece uma nova "missão" que logo terá fim e permitirá que se conheça rapidamente vencedor e derrotado. Mas tanto o vencedor quanto o derrotado não sofrem de fato as consequências da guerra; ela é apenas um simulacro, e por isso pode servir como forma de canalizar o medo latente de que o real da guerra irrompa na realidade.
Se a nossa ideia estiver correta, podemos pensar que o jogo possui uma grande vantagem como forma de nos fazer lidar com aquilo que nos incomoda. Ao transformar em jogo uma determinada dinâmica, ou uma determinada situação, fazemos com que aquilo adquira um sentido provisório que revela a minha limitação em tratar do tema, mas ao mesmo tempo evidencia um caráter defensivo diante do estranho diante de mim.
As constantes batalhas, missões, guerras funcionam como uma tentativa frustrada de esconder nosso incômodo revelando-o sob a forma de jogo. O jogo, como bem nos lembra Huzinga no seu conhecido livro "homo ludens", é uma forma criativa do homem lidar com a natureza, lidar com a própria vida. O jogo faz parte do ato criador de novas realidades, ele mostra que por algum motivo há de se negar o medo e tentar transformá-lo em outra coisa.
Essa via "positiva" do jogo, a meu ver, esconde talvez algo de recalcado no sujeito contemporâneo. O medo constante da guerra de todos contra todos, o medo de que a guerra saia do caráter lúdico e invada a realidade. Mas ao mesmo tempo o constante reviver por meio do simulacro da situação que nos causa horror não evidencia algo que Freud já nos anos 20 do século passado nos apontou e chamou de pulsão de morte?
Não estaria a pulsão de morte por trás da satisfação encontrada no simulacro da guerra transformada em jogo?
Essas foram algumas inquietações que tive assistindo ao Discovery Home & Health outro dia a noite aqui em casa.