sexta-feira, 30 de maio de 2014

Reflexão sobre uma frase de Freud

Imagem: http://expressionismosidrene.blogspot.com.br/2007/04/o-andarilho-da-noite-14x20.html

"O viajante surpreendido pela noite pode cantar alto no escuro para negar seus próprios temores; mas, apesar de tudo isto, não enxergará mais que um palmo adiante do nariz." (FREUD, Sigmund. in Inibições, Sintomas e Ansiedade. 1926/2006 p. 12)

Freud, como a maioria das pessoas deve saber, era um grande entusiasta com a causa científica. Seu ardor para com a ciência foi em parte o que muito o motivou a empreender as investigações que se propôs sobre o psiquismo humano. Empreendimento esse que culminou na criação da psicanálise.
Desde o início, Freud quis que a psicanálise fosse aceita nos círculos científicos de sua época como uma ciência legítima que possuía métodos bem definidos e não mediu esforços para que isso se tornasse realidade, apesar de toda a crítica que enfrentou desde o início de seu trabalho.

Como para ele, a psicanálise deveria ser entendida como ciência, faria muito pouco sentido pensar que a psicanálise poderia formular uma "visão de mundo" (weltanschauugen) independente ou diferente da cientifica. Por princípio ela deveria adotar para si a visão de mundo científica. Nesse texto, ele até afirma que essa questão de "construir visões de mundo" poderia ser deixada aos filósofos que sempre gostam de fazer este tipo de coisa, mas que isso estava longe de ser o objetivo da psicanálise. Muito pelo contrário, a psicanálise, por se basear na clínica, na experiência dos casos, no "um a um", estaria sempre disposta a rever os seus conceitos se as experiências clínicas assim a exigisse.

Essa noção de uma "infinita construção" que Freud atribui à psicanálise é algo digno de respeito e nota em relação à utilização do método científico. A construção deve se dar seguindo o método científico por excelência. Não adianta queremos subterfúgios que nos levarão para longe do trabalho árduo que a ciência exige. Daí o contexto da frase que abre este texto. Ou seja, o fato de cantarmos para negar os nossos medos durante a noite, não nos ajuda a enxergar melhor. Se não formos pacientes na nossa pesquisa, e estivermos dispostos a rever nossas constatações a todo momento, dificilmente chegaremos a um resultado sólido que trará benefícios à ciência.

Freud, nessa frase está fazendo novamente uma crítica à religião e mais especificamente ao "catecismo da igreja" que para ele, deveria ser substituído pelo método científico. Apenas o método científico poderia tirar este homem da noite em que ele se encontra e levá-lo para outro lugar, mas enquanto isso, ele insiste em "cantar alto no escuro" perpetuando a sua condição. (Para quem não sabe, Freud fazia duras críticas à religião e a via como uma grande ilusão da humanidade na tentativa de lidar com seu desamparo estrutural. Tentativa essa fadada ao fracasso)

O cientificismo de Freud é algo louvável enquanto método de pesquisa, mas a meu ver, Freud deixa de lado nesta metáfora que usa, o fato de que aquele que canta para negar os seus temores, já não se coloca na noite da mesma forma. Ao cantar ele é outro, ele é um homem que não aceita a imposição da noite sobre ele, mas quer fazer com que a sua experiência na noite adquira um sentido. Ele, ao cantar, busca algo que transcende a sua condição. Busca algo que o método científico não é capaz de lhe dar por mais que tente. Com isso, esse novo homem não está "criando uma nova realidade", mas re-significando a sua experiência a partir do seu desejo. É por experienciar a realidade na sua forma mais crua que o homem se recusa a viver da mesma forma e ousa cantar para que a noite possa ser mudada.

A ciência nada pode ajudar este homem que começa a cantar. Mas esse homem também não precisa da ciência para simbolizar e significar a sua experiência na noite. Temos que concordar com Freud que o canto daquele homem em nada o fará enxergar melhor durante a noite, mas temos que afirmar também que, apesar disso, esse homem poderá enfrentar melhor a noite que lhe sobrevém quando começa a cantar.


sexta-feira, 16 de maio de 2014

17/05/2014 - Dia de Festa... 31 anos






"Nada é mais sério do que uma festa: nada concilia e emblema melhor a dupla paixão humana pela liberdade por um lado e pelo ritual por outro. Uma festa é um dia programado para ser fora do programa, e essa contradição encarna mais do que qualquer outro aspecto da cultura os contrastes da condição humana.

Os antropólogos entenderam há muito tempo o engano que seria continuar dividindo festas populares entre sagradas e profanas, visto que cada festa que encontrou ocasião de se entremear no calendário das gentes celebra a seu modo uma entrada no domínio do que não pode ser dito, visto ou explicado: o domínio do sagrado, que só pode ser explorado indiretamente.

Uma festa é um encontro que marcamos com aquilo na experiência que não pode ser articulado de outra forma: um encontro com o que só podem expressar a deliberada pausa, o deliberado excesso, o abraço, a risada, a cantoria, a dança, o beijo, o copo erguido para o alto, o banquete, o jogo, a fantasia, a música, a máscara, o cortejo com o caos, a dança com a morte, o balé da alegria de todos os fins e de todos os recomeços. Uma festa é a encenação ritual de um final feliz, e os seres humanos não esboçaram tema ou motivo mais sagrado."

Paulo Brabo http://www.baciadasalmas.com/2014/o-mundo-ao-reverso-e-outros-versos/


Festejemos a sacralidade da vida, 
os momentos felizes, 
os anos que se vão. 

Festejemos o tempo que passou
a lágrima que caiu
os amigos e os irmãos

Festejemos a esperança no porvir

Festejemos! Pois assim nos renovamos
Para o novo ano que se inicia. 

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Reflexões a partir do Getsêmani






Hoje pela manhã conversando com a Laurinha falávamos sobre a experiência de Jesus no Getsêmani pouco antes de iniciar sua prisão e todo o processo que culminou na sua crucificação. Momentos difíceis encarados por Jesus, que precisou enfrentar momentos de tão grande angústia sem o auxílio dos seus próximos. Para exemplificar, basta lembrarmos que os discípulos estavam dormindo enquanto ele orava, que Pedro o negou enquanto ele era julgado, que o povo que o seguiu durante algum tempo foi a voz decisiva que gritava "crucifica-o!" em alto e bom som.

Aquilo que enfrentou Jesus nesse período tão curto, mas tão derradeiro de sua vida, se mostra paradigmático para pensarmos a nossa condição humana, várias vezes extremamente solitária, sem socorro e sem perspectiva de nada. Jesus, como todo homem, sentiu em sua pele a experiência do abandono e o sofreu como quem "chora gotas de sangue". É geralmente nesta hora que a maioria das pessoas acabam por se voltar à uma visão  infantil a respeito de Deus.

Claro que não há nada de errado em clamar a Deus nos momentos de angústia, clamar a Ele durante a solidão, quando todos nos abandonam e ver Nele o auxílio bem presente na hora da angústia. Isso é algo que o próprio Jesus fez. A sua oração no Getsêmani exemplifica este ponto. "Passe de mim este cálice", pediu Jesus. Mas ao invés do alívio veio apenas o silêncio de Deus. Entender o silêncio de Deus é algo que muita gente não consegue. Acostumados a ver a Deus como um pai que sempre está presente, o silêncio de Deus incomoda, e o simples fato de pensar que Deus pode se fazer ausente já atemoriza os mais infantilizados.

Se Deus aparece apenas como a projeção do pai, realmente ele não passa de uma ilusão que deve ser abandonada com o desenvolvimento do homem. É a esta conclusão que Freud chegou ao tratar a questão religiosa. Por isso que para ele era muito fácil considerar a religião como uma grande ilusão, pois o crente se coloca como criança diante de um pai que tudo pode e se recusa a encarar a realidade do mundo de forma adulta. É como se precisasse que o pai estivesse sempre presente pois não consegue andar sozinho. Estabelece-se sempre uma relação ambivalente em relação a Deus para o crente infantil. Ele ama a Deus pois ele o protege, o guarda, etc. mas ao mesmo tempo ele odeia e teme ao pai porque ele o pune e está sempre o vigiando. Deus aparece então como esse ser que não passa das projeções mais infantis do ser humano em relação aos pais.

Jesus nos mostra uma outra relação com o pai. Para além do drama edípico, para além de toda ambivalência em relação ao pai, Jesus encara a Deus como um Outro que não precisa ser temido, que não precisa ser pensado dentro de uma estrutura punitiva, mas também que não precisa ser visto como alguém que sempre está lá. O Deus de Jesus é um deus que é amor, mas por ser amor, é capaz de silenciar diante da dor para que o homem possa experienciar a realidade do mundo por si só. O Deus de Jesus não é um deus sempre presente, mas um Deus que aparece como grande ausência para além de toda projeção. Apenas um deus que ama é capaz de permitir a vivência do outro sem interferência; é capaz de permitir que o homem se responsabilize para com suas decisões sem aparecer como "muleta psicológica" (para usarmos a expressão de Bonhoeffer).

O silêncio de Deus é talvez o grande paradigma desse Deus que é  presença de uma ausência. Um deus que não responde, mas permite a dor, o sofrimento, mas também permite a alegria e o riso sem interferências de nenhum tipo, sem milagres, sem metafísica. Um deus que se faz enquanto "sentido para a existência" e por isso mesmo, amor para além de toda ambivalência. O deus de Jesus se mostra talvez como um grande vazio, mas que por isso mesmo é sempre buscado como "a corça anseia por água".

Diante do silêncio de Deus,  Jesus  poderia simplesmente se negar a continuar o seu martírio, poderia voltar atrás sem precisar sofrer tudo o que sofreu, mas resolveu seguir pois acreditava a ponto de morrer por aquilo. Acreditava tanto, que mesmo diante da morte, da hora mais sofrida de sua vida, foi capaz de dar o salto de fé e dizer "em tua mão entrego o meu espírito", ou seja, mesmo nada ouvindo, mesmo sem nenhuma intervenção, mesmo sem nenhum milagre, mesmo no abandono, Jesus é capaz de se render àquele Deus em que acreditava,  um Deus que não via dentro de uma estrutura ambivalente de amor e ódio, a quem podia chamar Aba Pai, pois não era simplesmente uma projeção paterna, mas um Aba Pai que transcendia uma estrutura edípica e culminava em um amor que não se manifesta enquanto representação, mas enquanto ação para com o outro.

Jesus nos mostra que a relação com Deus deve ser uma relação adulta e não uma relação infantil. Que nossa relação com Deus deve ser capaz de compreender que mesmo no abandono de Deus somos capazes de dar o salto de fé e nos lançarmos em direção a esse Deus, que por ser amor, nos acolherá. Mesmo que nada garanta esse acolhimento, Jesus nos ensina que vale a pena nas mãos de Deus entregar o nosso espírito.

terça-feira, 6 de maio de 2014

Silencio-me

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             




















                                                                                                         Silencio-me.