segunda-feira, 29 de junho de 2015

Uma crítica construtiva - Seminários e Missões







(Continuação)

Quando pensamos em missões na atualidade várias questões, portanto, aparecem para nós e tentar pensar que o mundo é o mesmo da década de 60 e 70 (época em que vários missionários vindos de diversas missões americanas aportaram no Brasil) é no mínimo algo ingênuo por demais para que fiquemos presos a isso. Nesse sentido é interessante notar como que os centros de formação de missionários em sua maioria ainda trabalham na mesma dinâmica de 50 anos atrás, com os mesmos dados, com as mesmas táticas, etc. Ou seja, regime de internato, pagamento de mensalidade pelos estudantes que às vezes pagam com trabalho braçal, ideologia de que ali encontrarão um "jeito novo" de evangelizar, mas que apenas são as velhas ideologias com caras novas. A noção de um "chamado especial de Deus" também é algo que ainda se faz muito visível nesses tipos de centros de formação.

O mundo hoje é muito rápido, a quantidade de informações disponíveis na internet, jornais, revistas é astronômica de forma que qualquer um pode se formar em qualquer coisa praticamente pela internet, ainda mais se tratando de cursos de teologia e capacitação missionária. No entanto ainda se vê um lobby muito grande por parte dos centros missionários no sentido de levar as pessoas para lá, como se lá fosse um lugar onde Deus falaria de forma diferente, ou que as pessoas que estarão lá serão "instrumentos" nas mãos de Deus para ajudar quem quiser ir pregar na África ou na janela 10x40. (Janela 10x40 é um termo utilizado pela igreja evangélica para delimitar uma região do globo em que há menos cristãos no mundo. Essa janela compreende o oriente médio até a Coréia do Norte e é onde há mais relatos de perseguição a cristãos no mundo)

Quando olhamos de perto para esses centros de formação missionária vemos que na maioria deles sobra boa vontade e falta várias vezes conhecimento bíblico, teológico ou até mesmo conhecimentos administrativos de forma que não raras vezes vemos diversos desses centros missionários quebrarem ou viverem sob muita penúria para conseguir pagar suas contas em dia. Isso se dá porque para vários seminários a principal fonte de renda vem da igreja que mantém o seminário, que por sua vez conta com ofertas dos seus membros, e a renda também vem da mensalidade que é paga pelos estudantes para viverem e terem aulas lá. Como esses estudantes várias vezes também dependem das ofertas da sua igreja, a situação fica extremamente complicada, pois em várias igrejas essa oferta aos missionários é bem flutuante de forma que várias nem enviam as ofertas todos os meses, ou quando enviam o valor chega a ser várias vezes irrisório para o sustento do missionário. O que nos leva talvez ao próximo ponto que gostaria de ressaltar. 

No mundo da hiper especialização é praticamente inadmissível que um jovem de 18 anos não tenha algum tipo de profissão que possa gerar para si alguma remuneração, de forma que a ideia de que alguém seja "sustentado" por outra pessoa soa extremamente estranha para várias pessoas.  Há 40 anos atrás talvez tal ideia de ser sustentado por outra pessoa não fosse ainda tão estranha, basta lembrar que muitos missionários vieram para o Brasil sendo sustentados por suas igrejas, de forma que conheço vários que se deram muito bem e vivem confortavelmente há vários anos sendo sustentados por suas igrejas. No entanto, e esse é o meu ponto, no mundo atual é praticamente impensável que alguém vá para um seminário ficar por lá para sair depois de 1, 2 ou 4 anos sem ter aprendido nenhum tipo de profissão, ou sem aprender nenhum tipo de habilidade útil para o mundo, mas tenha aprendido apenas a ser um "novo adorador", etc. 

Algo curioso a ressaltar é que na maioria dos centros missionários que tenho notícia, a formação é apenas "teológica" (e coloco teológica entre aspas pq realmente o tipo de formação na maioria dos seminários que conheço é de cunho muito mais neopentecostal, focado em revelações, dons, espíritos de profecias, etc do que propriamente teologia propriamente dita) de forma que o aluno sai de lá sem nenhum tipo de profissão que possa ser útil para a sua comunidade ou até mesmo para o suposto país para onde Deus o chamou. A noção de que "Deus não chama os capacitados, mas capacita os chamados" é muito utilizada como forma de legitimar o péssimo entendimento de missões que ronda os diversos seminários. 

Se a coisa funciona dessa forma como estamos falando, devemos nos perguntar "que tipo de missionários saem desses seminários que trabalham dessa maneira?" Geralmente saem pessoas extremamente despreparadas para o mundo hipermoderno, mas com excesso de boa vontade, acreditando piamente que chegará em algum lugar do mundo e as portas das igrejas vão se abrir, e ela vai trabalhar com missões e será tudo lindo. Uma utopia que é vendida e comprada por muita gente, mas que a cada dia vemos que tem caído em desuso, pois o próprio mundo demanda um outro tipo de missionário, não mais aquele de 40 anos atrás. 

Os missionários de hoje tem talvez muito mais a cara de um "médicos sem fronteiras", um "wwf" do que a de um arauto de um discurso sobre a Bíblia, já que o próprio entendimento do lugar da religião no mundo tem mudado drasticamente nos últimos anos. Os missionários de hoje devem ser pessoas que possam contribuir efetivamente com a sua comunidade, quer seja dando aulas na área de sua formação, quer seja como marceneiro, carpinteiro, médico, dentista, advogado, etc, ou seja, hoje em dia não há muito espaço para um missionário que não seja também outra coisa além de missionário. A noção do "missionário profissional" está a meu ver fadada ao desaparecimento. 

Se olharmos para o texto bíblico veremos que a noção de "missionário" proposta por Jesus parece muito mais com isso que estamos colocando do que com a ideia de negação do mundo secular. Jesus durante toda a sua vida, até onde se saiba, exerceu sua função de carpinteiro e trabalhava de forma secular, afinal, essa era uma boa forma de se manter em contato com o mundo real, das pessoas reais, o mundo do trabalho que sempre é o mundo humano. Querer negar esse aspecto em nome de uma espécie de ascetismo light (que abre mão apenas das mazelas do mundo, mas não de suas benesses em seus refúgios envoltos de adorações, preleções, etc.) soa como um grande contrassenso. 

Se o cenário que vislumbramos nesse terreno se dá dessa forma, fica sempre a questão de saber que tipo de evangelho, ou que tipo de discurso é levado quando finalmente saem esses missionários para o campo depois da formação nos seminários. E aqui percebe-se toda a debilidade da maioria dos seminários evangélicos no quesito "formação para o século XXI". O discurso que geralmente vemos sair da boca dos "novos missionários" é um discurso extremamente dicotomizante, fundamentalista, sem muito diálogo com as novas inquietações do mundo, mas dotado de uma certeza quase que indestrutível. Nos seminários eles são ensinados que a Bíblia deve ser lida de uma forma tal, que as questões X,Y,Z tem as respostas a,b,c, como se o mundo devesse de alguma forma apenas aceitar o discurso que eles tem para levar. Várias vezes esses missionários adotam uma postura extremamente taxativa e pouco dialogal, pois falta até mesmo para eles um conhecimento de causa que o capacite a discutir de forma mais profunda determinados temas. 

A preocupação que os move é "pregar o evangelho a toda criatura", "ganhar almas para o Senhor", "anunciar Jesus aos povos", mas nunca se perguntam: "Qual evangelho?" "Qual Jesus?" 
A meu ver há uma diferença gritante entre "anunciar Jesus" e "anunciar um discurso sobre Jesus". O primeiro se dá apenas por meio de uma vivência, por meio de atos que comprovem bons frutos, por meio de ações efetivas no mundo que o deixam melhor do que quando a pessoa não estava lá, que faz a diferença até mesmo sem palavras; um anúncio várias vezes silencioso, mas que por isso fala muito mais alto do que cultos em praças. O segundo é o que na maioria das vezes vemos, ou seja, uma verborragia no sentido de explicitar textos bíblicos, falar que apenas o evangelho salva, discursar sobre as cartas de Paulo afirmando quem está certo e quem está errado, se colocar contra as outras religiões afirmando que Deus o mandou para tal lugar para que a obra de Dele seja feita, pois o povo ali (que por não ser evangélico) está em completa perdição e precisam da salvação. Salvação essa entendida como pertencimento à minha religião, adoração à minha concepção de Deus, aceitação ao meu discurso sobre Deus. Esse segundo tipo de anúncio talvez seja o mais estimulado nos seminários evangélicos até hoje, afinal, é o mesmo discurso de 40 anos atrás, mas que ignora as diversas mudanças que vem acontecendo no mundo.

A meu ver a maioria dos seminários evangélicos (no Brasil e fora dele) precisam passar por uma reformulação se quiserem ainda ter algum papel no mundo contemporâneo, e a meu ver, essa mudança passa principalmente por uma conscientização de que o mundo está mudando, está com novas inquietações, está com outras demandas que não mais se respondem com discursos fundamentalistas ou com discursos românticos. A formação missionária precisa passar pelo mundo do trabalho, pela capacitação profissional, pela formação (várias vezes) acadêmica para que esse missionário possa sair do seminário capacitado para as demandas atuais. 

Sabemos que há vários missionários que fazem muito com extremamente pouco. Conheço vários que abriram mão de tudo para pregar o evangelho em cidades remotas, vilarejos afastados de tudo e todos, que foram com uma ideia sobre o que era ser missionário e chegaram lá e viram que as palavras, os discursos sobre Deus era o que menos importava se quisessem realmente "anunciar Jesus" e se voltaram para uma ação efetiva no mundo. Cuidando das pessoas, ajudando no que podiam a partir daquilo que sabiam fazer. 

Acredito que se os seminários e os centros de formação missionária focassem em capacitar esse indivíduo que quer fazer missões, o estimulasse a estudar secularmente, o estimulasse a ter uma profissão, a saber fazer algo de útil ao invés de simplesmente ficar preparando cultos em igrejas e apresentando peças de teatro, sua força seria muito melhor aproveitada e talvez esse indivíduo perceberia que pode ser um missionário a qualquer momento e em qualquer lugar, bastando para isso apenas "andar como Ele andou". 


quarta-feira, 24 de junho de 2015

Sobre missões e missionários no cenário evangélico







Algo que sempre fez parte do cristianismo desde o seu nascimento foi a noção de evangelização. O evangelho (boas novas) era algo a ser anunciado desde a Judéia, Samaria e até os confins da Terra. Do mais próximo ao mais distante, todos deveriam ouvir e compreender a mensagem de Jesus como forma de "antecipar" a volta Dele. "E este evangelho será pregado em todo mundo em testemunho a todas as nações, e então virá o fim (Mt 24,14). 

Várias vezes se entendeu esse versículo como colocando uma obrigação sobre os cristãos de evangelizar, pois o fim só viria, e com isso a salvação, após concretizada a tarefa da evangelização. A salvação vem no final do processo como um grande prêmio a ser recebido uma vez que a empreitada foi concluída. Um resquício grande de um teologia da retribuição pode ser visto aqui sem muitas dificuldades.

A evangelização marca de forma crucial o nosso ocidente e não seria arriscado dizer que marca o nosso mundo como um todo. As diversas formas como o discurso evangelizador foi utilizado ao longo da história nos dão mostra da força que esse tipo de discurso tem no cenário cristão. Desde as cruzadas, passando pelo imperialismo até o evangelicalismo americano (que até hoje continua bastante ativo) vemos que a noção de "levar a palavra aos quatro cantos" é o mote central da prática cristã.

O cristianismo em sua vertente católica e protestante pensam um pouco diferente a noção de evangelismo. Enquanto a doutrina católica se dá de forma mais organizada, trabalhando dentro de contornos mais bem delimitados por Roma, focando muito nos ensinos nas paróquias e comunidades de base como forma de trazer um evangelho mais talvez social, a igreja protestante tem uma preocupação maior com o discurso a ser oferecido e posteriormente uma preocupação com a ação social. Primeiro se deve salvar a alma, depois o corpo.  (Obviamente que aqui não cabe a generalização de falar que todas as igrejas protestantes agem de forma igual nesse quesito; as igrejas históricas do protestantismo agem de forma muito parecida do ponto de vista estrutural à igreja católica, embora divirjam em alguns pontos centrais e em vários pontos marginais.)

A disparidade se dá de forma gritante quando pensamos nas igrejas evangélicas propriamente ditas e a forma como elas entendem a noção de evangelismo e missões. Talvez nessas igrejas o caráter apocalíptico de missões e o seu caráter de que isso seja algo que "tenha que ser feito" dê o tom para a forma como se encara essa empreitada nesse tipo de igreja. 

Como já falamos em outro texto, as igrejas brasileiras são muito influenciadas pelas igrejas evangélicas ditas "de missões" que vieram dos Estados Unidos para cá no início do século XX. Juntamente com a vinda dessas igrejas vem-se também um discurso que aponta para a emergência da pregação do evangelho aos quatro cantos como uma função de todo aquele que pertence à igreja. No entanto no mundo atual há diversas questões que aparecem que não podem ser deixadas de lado ao se pensar em missões. Questões tais como a tolerância pelo diferente, aceitação da cultura do outro, visões de mundo várias vezes incompatíveis, ontologias díspares, etc.

Eu cresci em uma igreja de forte apelo missionário. Até os 15, 16 anos tinha o sonho de ser missionário e sair pregando para as nações, vivendo por conta de ofertas dos mantenedores que com isso estariam contribuindo para a expansão do Reino de Deus. 
Nessa época a profissão/ministério/chamado missionário era uma alternativa relativamente interessante para quem tinha várias vezes poucas perspectivas de um trabalho, ou também pouco interesse em estudar formalmente, etc. Na igreja em que frequentava era uma posição de status "ser missionário" e várias aulas, vários cultos giravam em torno desse chamado de Deus para todos. As crianças eram ensinadas desde cedo a se importarem com missões, a darem ofertas, contribuírem em oração com os missionários que estavam pregando a palavra de Deus em terras distantes. Essa visão do missionário como quem avança pelas terras dominadas pelo mal em nome do amor de levar as boas novas estava muito em voga nos anos 90 ainda e eu cresci nesse meio e achava tudo extremamente interessante e cativante. Conheci e conheço inúmeros missionários e sou amigo de vários até hoje. Tenho muito amor pela causa missionária e acredito sim que muitas pessoas tem em seu coração um desejo de poder realizar tal obra fora de seu país, ou até mesmo dentro dele e isso seja um desejo legítimo. 

Além das diversas atividades voltadas para missões (entendidas como algo realizado fora da comunidade) havia também as várias campanhas de evangelismo que eram incentivadas também na mesma igreja. A equipe de evangelismo nunca era muito grande e apenas alguns poucos iam sempre nas campanhas. Geralmente elas aconteciam domingo a tarde depois do almoço e a tática utilizada geralmente era a distribuição de folhetos às pessoas que passavam na rua, e em caso de alguém mais interessado, um diálogo sobre o folheto ou sobre alguma outra questão. Em alguns casos escolhia-se algum lugarejo ou aglomerado próximo à região da igreja e íamos para lá distribuir folhetos e falar sobre Jesus aos outros. O objetivo do evangelismo era sempre o de "ganhar almas para Jesus", ou seja, todo o foco do evangelismo girava em torno de fazer uma oração com o indivíduo para que ele "aceitasse Jesus como Senhor e Salvador de sua vida", nada além disso importava muito. 
De vez em quando havia uma preocupação social em relação aos lugares visitados, mas essa tônica era bem menor em relação à preocupação com o discurso a ser levado. Tais evangelismos duravam cerca de 2 ou 3 horas e valia muito mais talvez pelo momento de comunhão entre os membros da equipe do que propriamente pelo objetivo alcançado.

Tendo crescido envolto nesse ambiente que girava em torno de missões, não tem como atualmente não me preocupar quando vejo alguns amigos que estão no campo missionário reclamarem ou exporem as diversas dificuldades pelas quais passam e o pouco suporte dado pelas igrejas que os enviaram. Muito me preocupa o fato de que a igreja não cumpre o prometido aos seus missionários, mas me preocupa ainda mais a questão de saber se esse tipo de pregação ainda tem algo a dizer.
A minha preocupação atual aponta na direção de investigar se esse tipo de evangelismo herdado do início do século XX ainda tem algo a dizer em pleno século XXI na era da hiper-especialização, na era da informação em rede, na época em que conhecemos as diversas culturas, suas construções míticas, etc.
Até que ponto evangelizar seria uma prática de levar um discurso a outro no intuito de fazer com que ele passe a adotar o mesmo discurso que eu?
Qual Jesus que é levado quando se diz anunciar o evangelho? 
A preocupação principal hoje é levar um discurso sobre Jesus ou simplesmente uma ação social no intuito de mudar uma determinada comunidade com ações efetivas para a melhora da população?
Se for nesse último sentido apontado, que diferença faz o discurso levado? 
Será que o missionário e os centros de treinamentos até hoje existentes que trabalham nessa linha missiológica não estariam defasados em relação às reais necessidades do mundo contemporâneo? 
Não estariam aqueles que ingressam nesse tipo de empreitadas fadados a se desiludirem posteriormente quando virem que o seu treinamento (várias vezes pago e caro) não valeu de nada ou se valeu, valeu muito pouco para o que se propuseram? 
Será que alguém precisa ser ensinado a ser missionário? 

Continua ...


terça-feira, 23 de junho de 2015

O início de um fim ...








Por ela talvez fizesse qualquer coisa.
Talvez o impossível apenas como uma forma de agradar.
Por ela talvez fosse capaz de abrir mão de tudo e de todos para que pudesse ficar mais tempo ao seu lado.

Perto dela parecia que nada mais importava, parecia que os outros desapareciam, parecia que o tempo não passava. Era como se naquele momento apenas os dois existissem e nada além deles era necessário.
Perto dela era como se ele fosse completo de alguma forma sem perceber que na sua incompletude era capaz de se completar como nunca tinha sido antes.

Para ele sempre parecia que havia uma espécie de sinergia implícita como acontece apenas em filmes e séries românticas.
Para ele era como se cada momento fosse sagrado de tal forma que nada o perturbava.

Mas de que adiantava tudo isso se não eram os abraços dele que ela queria mais?
De que adiantava tudo isso se não era a presença dele que ela procurava?
De que adiantava tudo isso se qualquer coisa parecia mais importante para ela do que ele?
De que adiantava todo amor se era correspondido apenas parcamente?
De que adiantava tudo isso se o amor dela já pertencia a outro?

Para ela talvez não havia mais tanta coisa assim
Para ela talvez era algo com cara que não duraria. Fadado ao fracasso novamente.

Perto dele tinha bons momentos, conversas agradáveis, noites prazerosas
Perto dele se sentia acolhida e compreendida de uma forma interessante, mas nada que a fizesse perder o fôlego como se esperaria de alguém extremamente apaixonado.

Por ele talvez fizesse apenas algumas coisas. Nada de muito trabalhoso.
Por ele talvez faria apenas o necessário para não o magoar.


O que resta para eles senão seguir em frente?

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Em que difiro deles, meu Deus? Em que difiro?





Monólogo 1 (Horácio como juiz de outro)

Isto que estão fazendo com você é um absurdo !
Eu, se fosse você, já teria dado um fim nesta situação.
Não sei como você consegue não tomar nenhuma decisão neste sentido.
Pergunte a qualquer um se eles não fariam o mesmo que eu.
Isso que você faz é típico de alguém sem atitude.
Quem faz isso com você não merece sua consideração.
Olha como te tratam! Olha o que estão fazendo !
Pra mim, eles sempre foram uns falsos, que te engana porque você é inexperiente e deixa.
Onde já se viu, depois de tanto tempo te enganando você ainda ficar junto deles?
Parece que você não tem amor próprio, parece que você gosta de ser usado. Sinceramente, às vezes acho que você gosta de sofrer numa espécie de masoquismo estranho.
 Preste atenção nos sinais, cara. Você só não vê ´porque não quer !


Monólogo 2 (Horácio como analista de si)

Mas de repente, por uma coincidência, eu me vi fazendo o mesmo que aqueles a quem tanto condenava.  Agora era eu que enganava, era eu que arrumava as desculpas, era eu que agia com quem gostava de forma leviana e agia de forma enganadora.
E o que eu digo para mim mesmo agora?
Mudarei minhas críticas?
Direi que minha situação é diferente daquela?
Mas em que é diferente?
Tanto eles quanto eu apenas queremos satisfazer nossos desejos que um outro apenas não é capaz de suprir e para isso, em nome desse desejo incontrolável, estamos dispostos a enganar, mentir, esconder, desconsiderar àqueles que sempre estiveram próximos a nós.

O que temos de diferente? Me diga, o que temos de diferente?

As críticas que valem pra eles, valem para mim também e dessa forma me vejo me culpando de algo que só conseguiria culpar em outros. Talvez os tenha criticado  muito rapidamente, sem antes olhar para mim e ver que posso ser tão igual a tudo que condeno.
Claro que para mim, consigo arrumar as mais diversas desculpas, consigo explanações "pseudo-lógicas" que me confortam. Consigo brincar com as palavras de forma que minha atitude pareça condizer com uma certa visão de mundo que criei mesmo sem fazer muito sentido para ninguém, exceto para mim mesmo. Na realidade isso pouco melhora a situação, pois no campo prático, tudo continua a mesma coisa. 

Eu e eles somos a mesma coisa. Somos farinha do mesmo saco, somos egoístas, egocêntricos, pensamos apenas em nós mesmos e damos muito pouco a mínima para nossos companheiros.  Triste perceber isso apenas depois de ter criticado tão duramente. Talvez, se tivesse visto antes isso, teria sido mais condescendente com eles.


Horácio agora estava mais pensativo e talvez entendendo um pouco melhor algumas questões que o assolavam há muito tempo. O monólogo 1 perdeu o sentido depois do monólogo 2, e pelo menos para mim, Horácio é um pouco melhor agora que compreendeu algumas coisas.


quinta-feira, 11 de junho de 2015

O momento da precariedade



A morte de uma pessoa querida sempre traz extrema tristeza aos nossos corações. Como não lembrar dos bons momentos vividos, das conversas, das inúmeras vezes em que aquele que se foi se fez presente, das inúmeras vezes em que encontramos auxílio para nossas angústias nas palavras tenras e amorosas, etc. A pessoa querida que se vai sempre leva consigo muito de nós. 

Dependendo do grau de proximidade parece arrancar até mesmo metade de nós mesmos. É como se alguém dilacerasse metade do nosso corpo a ponto de restar apenas a dor de uma existência por enquanto precária que precisa se recompor para que o mundo continue existindo para nós de forma digna a ser vivida. Nessas horas o pensamento voa em direção às possibilidades diversas, em direção a uma busca de uma explicação para suportar a dor da falta, em busca de um consolo para nos acalmar diante de tamanha ausência de sentido para as coisas. 

A morte quando vem de repente traz consigo toda a precariedade da vida. Ela mostra para nós que somos como uma neblina que passa, como um mero sopro sem muito sentido que hoje existe e amanhã não mais. A morte nos coloca diante da vida de uma nova maneira, nos faz perguntar pelo sentido das coisas, pelo sentido da vida, pelo sentido da própria morte. Como não se colocar essas questões diante desse fim inexorável de todos nós? 

A tentativa de viver uma vida indiferente, uma vida voltada para o momento, uma vida "cool" perde o sentido nesses momentos. A morte nos coloca diante de nós mesmos de forma crua, sem rodeios, sem a possibilidade das máscaras sociais que colocamos todos os dias. Diante dela somos apenas nós mesmos sem a possibilidade de fingimento. A dor que a morte traz, as lembranças que ela suscita, as questões que ela coloca não são passíveis de respostas indiferentes, não são passíveis de um agir "cool".

Nessas horas acredito que a fé desempenhe um papel fundamental. A fé se coloca como uma tentativa de organizar esse momento o colocando dentro de um universo de sentido. Sentido esse várias vezes precário, mas que mesmo assim é de extrema ajuda para os que sofrem. Pela fé pode-se acreditar que a morte é apenas uma passagem para uma outra vida, que aquele que se foi continua conosco de alguma forma, olhando por nós, nos ouvindo, nos consolando, que sua ida significa alguma coisa ou até mesmo faça parte de um plano maior, com um sentido que cabe apenas a Deus saber qual seja. 
Nessas horas se lançar nas mãos de Deus confiando que Ele está no controle das coisas se mostra uma saída extremamente profícua. O Novo Testamento nos faz pensar algo nesse sentido em várias passagens e a noção de ressurreição se coloca aqui também de forma bastante forte.

Também pela fé pode-se acreditar que a morte é o fim de todas as coisas sendo que a lembrança é a forma de se manter vivo o indivíduo para alguém. O Antigo Testamento traz essa visão muito forte em livros como Jó e Eclesiastes. Os justos serão lembrados durante os anos enquanto os ímpios são esquecidos facilmente. Enquanto há lembrança há vida e isso é realmente uma boa forma de experienciar esse momento doloroso que a morte traz. 
Pela fé pode-se acreditar em reencarnações sucessivas, numa integração do ser com o universo e várias outras possibilidades, mas em todas essas interpretações há a tentativa de organizar o mundo, buscar um sentido para a precariedade da vida e isso nunca é uma tarefa fácil.

Epicuro no seu tetrapharmakón (4 remédios para o bem viver) afirma que o segundo remédio tem a ver com a morte, ou seja, o homem sábio não deve temer a morte, pois ela é um processo natural, é mera desintegração de átomos que seguem o curso natural das coisas, por isso todo encontro com a morte é impossível, pois segundo ele, enquanto nós existimos a morte não existe, e quando ela passa a existir, nós já mais existimos, por isso não deveríamos nos preocupar com ela. Por mais interessante que o argumento de Epicuro seja, ele só da conta da minha própria morte, mas ela não dá conta da morte do outro. Posso não temer a minha morte, mas como lidar diante da morte do outro que deixa toda a sua falta? O materialismo de Epicuro é incapaz de se sensibilizar com esse problema e talvez por isso seja de pouca valia para os momentos de dor. 

Sou contra aqueles que na tentativa de racionalizar tudo ignoram o efeito tranquilizador que a atitude da fé do indivíduo revela, ignoram o sentido que a ação de crer em algo traz para o sujeito, colocando isso apenas como uma fuga da realidade sendo que na verdade a crença do indivíduo traz para si um norte, um consolo diante dos momentos difíceis.  

Triste momento esse que vivemos nesses dias em que um querido amigo se foi. Compartilhamos a dor daqueles que são mais próximos e sofremos muito com eles. Nessas horas não tem muito o que podemos dizer para consolar os que ficam. Apenas podemos oferecer o nosso carinho, o nosso cuidado, as nossas lágrimas, compartilhar a dor, se fazer presente para o que for necessário, mas nunca haverá palavras no mundo capaz de dizer o que sentimos nessas horas. 

Para os que são mais próximos a dor dilacerante é muito maior, a ausência de norte é muito maior, a busca pelo sentido de tudo se mostra muito mais veemente e a dor se mostra várias vezes insuportável. Nessas horas não há manuais a seguir, não há regras a serem cumpridas, há apenas indívíduos que precisam lidar com a perda e reorganizar a vida sabendo que a partir de agora as configurações serão outras, os desafios serão outros. Acredito que se compartilharmos a dor o fardo será mais fácil de ser carregado e a nós enquanto amigos não há outro lugar que queremos estar senão ao seu lado, querida Lucy.

Vá em paz, querido Hud !
Fique em paz, querida Lucy !