Uma das coisas interessantes sobre o texto bíblico é a sua insistência na não ausência de sentido do sofrimento. É como se o texto bíblico ousasse sempre afirmar que por mais tenso que possa parecer o momento enfrentado pelo protagonista da história, sempre haverá um sentido para além do mero ocorrido. Podemos ressaltar diversos personagens, desde o principal deles, Jesus, até alguns outros como Gideão, Davi, Salomão, Raabe, Judas, João, etc. em todas essas histórias a insistência em afirmar o sentido para além do aparente sem sentido do sofrimento se faz presente.
Uma característica dessa insistência no sentido do texto bíblico é a de nos mostrar que, mesmo diante da dor mais forte, há sempre a possibilidade de esperança e nunca a opção do abandono. Quem não se lembrará do próprio Jesus na cruz clamando "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste" como um grito que aponta para uma suposta ausência de sentido em todo aquele sofrimento, mas que no final revela que o salto da fé ainda pode ser dado confiando o seu espírito a quem nunca o abandonou?
Paulo nos dizia que a paz de Cristo excede a todo entendimento e ao mesmo tempo o Eclesiastes nos afirma que há tempo para todo propósito debaixo do sol. A paz que excede o entendimento e a temporalidade que nos cerca parece nos remeter a uma dimensão curiosa da nossa relação com Deus. O Deus que nos transcende e que por mais que tentemos explicá-lo acabaremos apenas falando um pouco mais de nós mesmos e nossas convicções é o mesmo que só pode ser experienciado "debaixo do sol", ou seja, na temporalidade, na nossa finitude, na nossa existência no mundo. O sentido do aparente paradoxo se mostra para além da mera dicotomia entre transcendência e temporalidade. É como se em última instância só pudéssemos vislumbrar um sentido oculto quando percebemos que há algo que não entendemos. De alguma forma é como se o pensamento apressado fosse o que insistisse na ausência de sentido, enquanto o olhar detido buscasse incessantemente tal sentido.
Um exemplo interessante é o das "provas de Gideão" para saber se Deus o havia escolhido mesmo para a tarefa descrito no livro de Juízes capítulo 6. A situação em Israel estava péssima, pois eles estavam sob domínio dos midianitas. Nesse contexto Gideão recebe a visita de um "anjo do Senhor" que afirma que Deus livraria Israel dos midianitas por intermédio de Gideão. Na história Gideão se mostra muito cético quanto a proposta do anjo e pede então um sinal para ter certeza de que Deus lhe enviara para derrotar os midianitas. Depois das duas provas serem satisfeitas por Deus, Gideão acredita e passa a guerrear para livrar Israel dos midianitas.
A história de Gideão nos mostra um pouco disso que estamos falando sobre a insistência de sentido que o texto bíblico nos aponta. Aparentemente as provas de Gideão se mostram como infundadas, afinal, é um enviado de Deus que já realizou um milagre na sua frente quem está falando com ele; já está mais que "provado" que Deus estaria enviando Gideão de forma que pedir "mais duas provas" soa algo que nenhum ser humano faria diante de Deus. No entanto, a insistência de sentido se mostra no fato de que é a partir das provas que a temporalidade é capaz de transcorrer e Gideão é capaz de aceitar a tarefa que lhe tinha sido designada. Gideão precisa de tempo para assimilar a tarefa, e as provas dão a ele algo além da mera prova, mas dá a ele um tempo para pensar, refletir e finalmente se encorajar para a tarefa.O tempo é capaz de nos tornar corajosos e sábios para perceber qual a
nossa tarefa e o quanto estamos preparados ou não para executá-la.
Para além disso há o fato de que Gideão não passa do "menor na casa de seu pai", ou seja, é uma "escolha de Deus" extremamente sem sentido para um comandante de um exército no contexto bíblico. A suposta ausência de sentido se mostra também nesse fato de uma escolha pelo menos óbvio, pelo último, pelo fraco, mas nessa escolha o texto visa mostrar um sentido que aponta para o fato de que Deus é capaz de capacitar até o mais fraco, no momento mais difícil, no contexto mais desfavorável. A escolha de Deus e as provas de Gideão nos mostram essa insistência de sentido que aludimos mais acima.
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