Fabiano, você acredita que Deus te abençoou quando você foi comprar seu novo apartamento?
Fabiano, você acredita que Deus abençoa as pessoas?
Essas duas questões foram um tema de um debate curiosíssimo que tive hoje na casa de Mams durante o fim da noite e início da tarde.
A minha resposta à primeira pergunta foi negativa, enquanto a resposta à segunda questão é positiva. O que possibilita que tais respostas sejam diferentes é a nossa concepção sobre Deus.
Diversas vezes nesse blog já mencionei a forma como compreendo Deus. e isso sempre é alvo de contínuas perguntas dirigidas a mim.
Ao responder negativamente à primeira pergunta fui compreendido como alguém que se mostrava extremamente auto-suficiente que teria conseguido tudo com a força do meu braço sem precisar da ajuda de ninguém. Essa impressão, no entanto, está longe da forma com o que a resposta negativa à pergunta quer dizer. Quando respondo negativamente à primeira pergunta, quero dizer apenas que não acredito que Deus esteja preocupado com os mínimos detalhes da vida das pessoas. Pensar em um Deus assim nos traz muito mais problemas que soluções, pois transforma Deus em um ser muito "à mão", ou seja, um Deus do qual posso me valer na hora que eu quiser, do jeito que eu quiser. Um Deus que se preocupasse com os mínimos detalhes da minha vida, ou que definisse planos para a minha vida já seria um Deus que de alguma forma estaria cerceando a minha liberdade e a minha responsabilidade diante do mundo. Esse Deus pensado dessa forma seria a completa antítese da proposta do Deus anunciado por Jesus que, longe de ser um Deus infantilizado, é amor que se estende a todos e a tudo. Ao mesmo tempo, ao responder negativamente à primeira pergunta não implica que me considero alguém que seja o único responsável por adquirir às coisas. Basta um olhar rápido para toda a natureza para percebermos a nossa pequenez, a nossa humilde condição, ou apenas perceber que somos como "uma neblina que passa".
Da mesma forma que posso me compreender tão pequeno diante da Natureza, posso me colocar como extremamente pequeno dependendo da relação que estabeleço com a noção de Deus. A visão de um Deus cristão nunca propõe a anulação do sujeito, ou ainda a transformação do sujeito em um nada para que Deus possa ser tudo. A proposta do Cristo traz em si uma visão sobre Deus que nos trata não como "vermezinhos de Jacó", mas como "amigos", que implica uma relação madura com Deus e não infantilizada. Ao invés de reduzir o sujeito à nada, a proposta do Cristo eleva o sujeito à condição de se relacionar com Deus, ou seja, conserva a dignidade do homem.
Reconhecer a pequenez diante do mundo que nos rodeia, ou até mesmo nos considerar pequenos diante de Deus depende da forma como concebemos Deus no mundo. O ser humano nunca foi, nem nunca será auto-suficiente. Ele sempre depende de um Outro que o acolha e lhe traga um mundo no qual possa habitar.
É nesse sentido que posso responder afirmativamente à segunda pergunta, ou seja, acredito que Deus abençoa as pessoas, mas não em casos especialíssimos, mas a benção de Deus que está sobre todos é apenas aquela que nos permite viver, nos permite respirar, e nos permite experienciar as belezas do mundo que nos faz reconhecer a nossa total pequenez e ignorância diante de várias coisas que nos rodeiam, que faz chover sobre justos e injustos, como traz o sol sobre justos e injustos. Desde a mais ínfima bactéria até as galáxias mais distantes de nós apontam para a nossa pequenez. Daí talvez possamos entender a admoestação que o Deus de Israel dá ao povo pouco antes de entrarem na Terra prometida na história do Êxodo:
"Não aconteça que, havendo comido e estando plenamente saciado, havendo construído casas confortáveis e habitando nelas, havendo-se multiplicado teu gado e o número de tuas ovelhas tendo aumentado, e também se multiplicado tua prata e teu ouro, e tudo o que tiveres, que teu coração se ensoberbeça e venhas a te esquecer do Eterno, o teu Deus, que te fez sair livre da terra do Egito, da casa da escravidão; que te conduziu através daquele imenso e perigoso deserto, cheio de serpentes e escorpiões mortais; e que numa terra seca e hostil, tirou água da rocha para te saciar a sede; que no deserto te sustentou com maná que teus antepassados não conheciam; para te humilhar, e para te provar, com o objetivo de proporcionar o melhor para ti no futuro. Portanto, não digas no teu íntimo: ‘A minha força e o poder do meu braço me conquistaram estes bens e riquezas’. Antes, te recordarás de Yahweh teu Deus, porque é Ele o que te dá força e capacidade para gerar riqueza, confirmando a Aliança que jurou a teus pais, conforme hoje se constata claramente. " (Dt 8, 12-18)
Ou seja, compreender a nossa pequenez diante do mundo, diante da natureza ou diante de Deus faz parte da nossa compreensão do mundo e toda a natureza aponta para isso. O autor do Deuteronômio traz a nossa atenção exatamente para esse ponto, ou seja, o fato de que devemos sempre lembrar de Deus, daquilo que é superior a nós, e perceber que somos muito pequenos diante das coisas. No caso do texto citado ainda há o fato de lembrar que foi Yahweh que deu ao seu povo todas as coisas. O texto nos aponta, portanto, para essa relação que podemos criar para com Deus, sempre lembrando que a sua bênção está sobre todos proporcionando a possibilidade da vida. Mas a partir do momento que transferimos essa bênção de Deus que nos capacita e transformamos esse Deus em algo apenas "à mão", abrimos mão da nossa responsabilidade diante das coisas.
E o que quer dizer quando atribuímos à Deus bênçãos sobre as nossas vidas? O que queremos com isso? Queremos apenas atribuir um sentido às coisas transitórias que acontecem no mundo e em nossas vidas. Nesse sentido posso ler o mundo como um lugar em que a bênção de Deus está sempre diante de nós e nos permite fazer todas as coisas. Se de fato a coisa é assim ou não é assim isso tudo depende da aposta no sentido ou não-sentido das coisas no mundo. Quando digo: "Isso me aconteceu e é bênção de Deus", o que quero dizer é que resolvo ler o mundo como um lugar em que Deus está constantemente interferindo nele para fazer as coisas de um jeito específico. E isso não é pouca coisa. O que não devemos fazer é querer que Deus se responsabilize por coisas que são decisões nossas, mas podemos atribuir a ele uma bênção diante da nossa escolha, mas isso dirá apenas que há uma crença envolvida e não que de fato houve uma bênção em casos especialíssimos.
Nesse sentido, acredito que fica claro porque a resposta para a primeira questão seja negativa (pois isso implicaria na concepção de um Deus "à mão"), e a resposta seja positiva à segunda questão (pois a nossa pequenez diante do mundo nos faz tentar dar um sentido às coisas, que podemos atribuir à Deus).
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