quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Zizek, Veliq, Stories...






"Isso nos leva ao que somos tentados a chamar de antinomia da individualidade pós-moderna: a injunção para "ser você mesmo", desconsiderar a pressão do entorno e alcançar a autorrealização, afirmando plenamente seu potencial criativo singular, acaba esbarrando cedo o u tarde no paradoxo de levar quem o obedece a sentir-se completamente isolado daquilo que o circunda, sem absolutamente nada, lançado num vazio da mais pura e simples estupidez. O avesso inerente do "seja seu verdadeiro Eu" é, portanto, a injunção a cultivar uma remodelação permanente em conformidade com o postulado pós-moderno da plasticidade infinita do sujeito... Em síntese, a extrema individualização se transforma em seu oposto, levando à derradeira crise de identidade: os sujeitos experimentam a si mesmos como radicalmente incertos, sem nenhuma "expressão própria", trocando uma máscara (imposta) por outra, uma vez que, em última instância o que está por trás da máscara é nada, um tenebroso vazio que eles tentam freneticamente preencher com sua atividade compulsiva, ou se deslocando entre hobbies e maneiras de se vestir cada vez mais idiossincráticos, a fim de acentuar sua identidade individual. Podemos ver aqui como a individualização extrema (o esforço para ser fiel ao seu Eu, fora dos papéis sociossimbólicos impostos) tende a coincidir com seu oposto, com a estranha e angustiante sensação de perda de identidade - isso não é a confirmação definitiva do insight de Lacan de que só podemos alcançar um mínimo de identidade e "ser nós mesmos aceitando a alienação fundamental na rede simbólica?" (ZIZEK, Slavoj. O sujeito incômodo. 2016 p. 393,394)

Aqui reside a meu ver algo que sempre comento a respeito das novas formas de afirmação do sujeito contemporâneo, essa tentativa frenética de se autoafirmar constantemente acaba por demonstrar uma completa fissura neste sujeito. Ele oscila constantemente entre a autoafirmação de si e a autoafirmação simbólica, ora se apegando a um, ora se apegando a outro. Neste sentido, o drama do sujeito contemporâneo se encontra em sair desse círculo vicioso. Não é de fato curioso o fato de que as redes sociais seja o lugar onde esse círculo vicioso se mostra de forma muito nítida? Ali parece haver uma espécie de "suspensão simbólica" (afinal, as relações nas redes sociais são em grande medida imaginárias), mas ao mesmo tempo uma espécie de aposta no "real de si" (a ideia de que posso livremente expressar quem sou por meio dos meus posts). Nesta estranha economia a que o sujeito contemporâneo está submetido o que está em jogo é, dentre outras coisas, o tipo de persona que será construído pelo sujeito como forma de interação (em grande medida imaginária) com o outro.

Na dinâmica das redes sociais onde tudo é extremamente fluido o fenômeno do "stories" do Instagram ou "snapchat" ganha um contorno ainda mais interessante. A meu ver nada diz mais da nossa sociedade extremamente fluida do que o número de "stories" que são contadas todos os dias nos aplicativos. A ideia de que nem mesmo as minhas ações precisam perdurar, a ideia de que há sempre alguém interessado nos mínimos detalhes da minha vida, a ideia de que posso postar os detalhes mais ínfimos da minha vida e ao mesmo tempo encontrar espectadores para tal, mas com a garantia de que aquilo não ficará mais que 24 horas disponível coloca o sujeito em uma possibilidade de "exposição controlada", ou seja, ele se sente à vontade para compartilhar a sua vida, ("verdadeira", diária, etc.) pois tem plena consciência de que aquele "momento compartilhado" em breve não estará mais ali, mas ao mesmo tempo ele tem plena consciência de que "enquanto o momento está ali" há uma chance de uma parca interação com o outro que o responderá, verá a "stories", etc. Não precisamos dizer que o que é exposto possui um caráter extremamente imaginário, visando passar uma imagem para o outro que várias vezes não corresponde em nada à realidade vivida. Ninguém obviamente publica os remédios que toma, as desavenças que tem, os dramas familiares, etc. O "acordo silencioso" (para usar a expressão de Wittgenstein) é a de que só se deve postar coisas que excitará o desejo do outro, coisas que farão o outro desejar aquilo que possuo, ou no máximo "dificuldades corriqueiras" para tentar passar a ideia de que para além da idealização pretendida ainda se é um ser humano normal, com problemas, etc.

Dessa forma fica nítida que na realidade há apenas uma relação muito espectral do sujeito consigo mesmo e aqui há uma boa pista do porquê que hoje qualquer tentativa de um contato um pouco mais íntimo com o outro se mostra na maior parte das vezes "invasivo" para o sujeito contemporâneo.
Tão acostumado a se relacionar apenas consigo mesmo, tudo que vem do outro aparece como ameaça, como intrusão, como falta de respeito à minha esfera mais íntima. Não é extremamente curioso que hoje muitas pessoas achem o fato de receber um telefonema como algo extremamente invasivo? Ou que qualquer pergunta sobre o trabalho, sobre o relacionamento, etc. soe extremamente perturbadora?
Essa perda da dimensão do outro, ou da dimensão sociossimbólica que nos permeia não nos ajuda a pensar as demandas contemporâneas como a questão gay, ecológica, feminista, dentre várias outras? Não há aqui uma boa pista para encararmos a questão da identidade contemporânea permeada pelas redes sociais e ao mesmo tempo a demanda excessiva para o cuidado de si (alimentar de forma saudável, praticar exercício, ter uma vida espiritual, etc.)?

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