Para
entendermos o tema da camarotização acho que seria muito legal
pegar a ideia do Gilles Lipovetsky que ele trabalha no livro
Felicidade paradoxal (2007) no qual ele define as três grandes fases
do consumismo no ocidente.
A
primeira fase seria aquela do início da revolução industrial em
que apenas uma pequena parcela tinha acesso aos bens de consumo
porque todos eram muito caros. É a época que segundo ele iria de
1870 a 1930, e se caracterizava pelo pequeno acesso da população
aos bens do consumo.
A
partir da década de 1930, Lipovetsky aponta que houve uma melhora na
economia e pelo menos nos EUA o surgimento de um revitalizar
econômico (que no brasil é o período de Getúlio e o ganho de
renda e questões trabalhistas, se quiser contextualizar) que
permitiu que mais pessoas pudessem consumir. Esse período iria dos
anos 1930 a 1960 e caracterizaria a segunda fase do consumismo na
visão de Lipovetsky. Nesse período há uma maior possibilidade de
consumo por parte de uma camada maior da sociedade. Dessa época é
que surgem os Wallmarts da vida e as grandes lojas de departamento
para tentar dar conta das novas demandas das camadas mais baixas da
população. O corolário desse processo é o conhecido “American
way of life” típico das décadas de 1950 e 1960.
Após
da década de 1970 com os movimentos contestatórios e a queda dos
chamados metarrelatos (LYOTARD, 1984), o que se começa a perceber é
que o consumismo começa a ganhar novas formas e novos produtos. Essa
seria a terceira fase para Lipovetsky que culminaria naquilo que
vivenciamos hoje de forma extremamente visível. Nesta fase, segundo
ele, o que se consome é extremamente “tudo”, ou seja, o
consumismo passou a dominar todas as esferas da vida, e isso se dá a
partir do momento em que o que se almeja consumir não é mais apenas
um produto, mas sim uma “experiência”. O que importa mais não é
tanto a aquisição de uma mercadoria, mas muito mais a “experiência
diferenciada” ao lidar com aquela mercadoria. E neste sentido, para
além de querer uma mercadoria, o que se quer é em última instância
a experiencia. Daí que hoje em dia estar em voga a aquisição de
viagens, noites em spas, suítes personalizadas, voos em cabines
executivas, etc.
É
neste contexto que acho interessante colocar a camarotização. Ela
só é possível com o avanço do capitalismo de forma que tudo vira
objeto de consumo. Ao mesmo tempo em que se perde a noção de
“comum”, uma vez que tudo passa a adquirir um preço em que
apenas uma pequena parcela da população seria capaz de ter acesso.
Na promessa da camarotização o que está em jogo é que se é
possível comprar uma experiência diferenciada. Esta proposta só é
possível dentro de um individualismo ferrenho em que vivemos na
contemporaneidade. Neste sentido, uma das formas de sair disso é
reinventar o conceito de algo “comum” (e aí a proposta do Pierre
Dardot e do Christian Laval em seu livro com o título “Comum.
Ensaio sobre a revolução no século XXI se torna extremamente
interessante). Para esses autores é reinserindo no ocidente a noção
de comunidade (quer seja de interesses, quer seja de afeições
físicas, etc) que será possível sair da noção de que tudo pode
ser objeto de consumo, sair da dinâmica individualista mortificadora
do sujeito e restaurar a dimensão do “Bem público” como algo ao
qual devemos zelar por ele.
O
efeito da camarotização representa esse cenário de um
individualismo crescente aliado à diferença estrutural que sempre
houve no Brasil entre ricos e pobres. No entanto, percebemos a partir
dos textos motivadores que isso não é uma questão meramente
brasileira, mas mundial. À medida que o capitalismo avança (E isso
é interessante uma vez que o capitalismo hoje não seria tanto de
consumo, mas muito mais de especulação) a ideia de que será
possível consumir de forma diferente atrai a elite na tentativa de
se diferenciar das classes mais pobres. Neste sentido podemos
encontrar vários fatores psicológicos envolvidos nessa tentativa de
diferenciação por parte da elite. Se por um lado a camarotização
aponta para uma questão social/estrutural no contexto brasileiro,
ela também aponta para ausência de referências sólidas para o
sujeito contemporâneo que acaba se definindo por sua posição
social, ou acesso às coisas.
Aqui
comprovamos o que Marx já colocava lá no seu “O capital” de que
o fetichismo da mercadoria sempre traz consigo “artimanhas
teológicas” de forma que se é enfeitiçado por elas
constantemente, a sacralizando. Neste sentido evidenciamos que a era
do capitalismo tardio (especulativo, do consumo desenfreado) é a
época do fetichismo da mercadoria de forma extremamente sutil, mas
poderosa.
Referencias:
Gilles
lipovetsky - Felicidade paradoxal (2007)
Jean-Luc
Lyotard - A condição pós-moderna (1984)
Pierre
Dardot e Christian Laval - Comum. Ensaio sobre a revolução no
século XXI (2017)
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