quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sobre a liderança evangélica atual




Foi-me proposto um “comentário” sobre a liderança evangélica atual. Escrevi este pequeno texto com o propósito mais de “abrir questões” que fechá-las. Segue o comentário:

Os problemas evidenciados na atual liderança evangélica são vários e seria impossível abarcar tudo em um pequeno texto como este. No entanto, algo que salta aos olhos é primeiramente um afastamento dos preceitos bíblicos. Este distanciamento talvez provocado por uma ignorancia em relação ao texto, por uma formção que prima mais pelo quantidade que pela qualidade. Se consideramos que o número de seminários e faculdades teológicas quase triplicou nos últimos anos segundo várias fontes de pesquisa. Era de se esperar que tal aumento, verificasse um aumento na qualidade do ensino, gerando com isso pastores mais preparados. No entanto, isto não aconteceu e não vem acontecendo.

Ao invés de serem ensinados nos preceitos bíblicos, os pastores são ensinados em "táticas de manipulação", "hermeneuticas escusas" que simplesmente favorecem uma leitura geralmente fundamentalista e paradoxalmente mal-fundamentada. Coisa que parece comum aos "fundamentalismos".

Tais táticas acabam por perverter ao grande publico a noção do que é ser "evangélico", tanto que o próprio termo já caiu em associações diretas a práticas evidenciadas em várias igrejas neo-pentecostais como "petição de dinheiro", "dízimo" "pagar o pastor", dentre outras.

Ao mesmo tempo, esta falta de preparo do líder gera uma completa dicotomia no seio do próprio meio evangélico. Afinal, não podemos tomar a parte pelo todo. Sabemos que há pastores e líderes evangélicos bastante compromissados com a propagação do reino e estes devem sim ser trazidos a tona. Talvez até mais que os que praticam coisas das quais o evangelho se envergonha.
Acompanhada da falta de preparo e talvez como consequencia direta dela, aparece o "abuso pastoral" que até onde podemos ver, se evidencia nos "psicopatas da fé". Este abuso se reveste de uma carapuça onto-teológica para se fundamentar.

O poder do pastor é tomado como "dádiva de Deus" que faz com que os membros destas igrejas se sintam quase que de volta aos terrores dos absolutismos europeus. A figura do líder exaltada a quase "segundo deus" favorece e fortalece o abuso evidenciado por tais líderes. Aliado a isso o baixo conhecimento teológico evidenciado na maioria dos membros das igrejas evangélicas, principalmente as neo-pentecostais (uma vez que a prática da reflexão bíblica é muito pouco incentivada nesse meio, dando-se uma ênfase enorme na "operação de milagres", "visões", "revelações", ou seja, um cunho extremamente estético) o cenário fica perfeito para a propagação de um "código de conduta" muito rígido para os membros, mas muito flexível para o líder.

Sob a égide de "ungido de Deus" se permite ao líder o fazer o que quiser sendo que várias vezes, apenas responderá pelo seus feitos diante dos tribunais dos homens, mas nunca diante da congregação.
A impunidade favorece e fortalece a prática. A onto-teologia a legitima. Com isto o membro se enfraquece e o líder se absolutiza.

Os vislumbres do líder então passam a ser adotados como "as visões de Deus para a congregação", a "vontade de Deus" e várias outras coisas das quais o líder nunca será o responsável.

Afinal, se o projeto der certo, fala-se que "Deus direcionou, e por isso deu certo", e junto a esta fala se promove o marketing pessoal do líder. Mas se o projeto der errado, a culpa é dos membros que são "homens de pequena fé" e por isso Jesus não operou o milagre. E como base para esta afirmação ainda utilizam textos bíblicos tais como Mt 13:58 "E não fez ali muitas maravilhas, por causa da incredulidade deles". A culpa do fracasso recai sobre o membro, mas a glória do sucesso recai sobre o líder.

Como podemos ver, o assunto é extremamente extenso e carece de muitas pesquisas para que possamos diagnosticar e principalmente mudar a prática evidenciada em várias igrejas que se dizem evangélicas. Existem várias pesquisas interessantes sobre o tema, várias delas em níveis de mestrado e doutorado. No entanto, é um ramo que exige ainda muita pesquisa.

Este pequeno texto é apenas uma tentativa de abrir a questão que merece e deve realmente ser bastante discutida se quisermos que o evangelho volte a ser "boa-nova".

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Sobre o pique-esconde e salvação





Conversando ontem com duas amigas, contávamos sobre as brincadeiras que fazíamos quando crianças. As diversas brincadeiras várias vezes sem sentido, mas permeadas de alegrias que só aqueles tempos tinham.

Várias brincadeiras eram comuns e algumas outras variavam de região para região.

Uma que todos nós brincávamos era a de pique-esconde. Todos nós brincávamos desta quando pequenos e todos nós gostávamos.

A brincadeira era muito simples. Um contava de olhos fechados até 50 ou 100 enquanto os outros escondiam. No final da contagem, este que contava saía procurando os escondidos, e caso visse algum deles, tinha que correr até o pique (lugar onde se contava), bater, e falar o nome da pessoa encontrada.

Surgiu uma divergência sobre o "salve todos". Alguns achavam muito estranho brincar com a regra do "salve todos".

(Para quem não sabe, a regra do "salve todos" dizia que quando faltasse apenas um escondido, este poderia salvar a todos que tinham sido encontrados antes dele para que quem estivesse contando continuasse contando).

O primeiro a ser encontrado torcia para que o último não o fosse para que pudesse "salvar todos" no final.

A esperança da redenção se manifestava em todos os que foram pegos. A apreensão, a torcida por aquele último estava muito presente no final, quando apenas um faltava. Todos depositavam a confiança naquele único homem que poderia salvar a todos e fazer com que ninguém fosse punido e tivesse que ser aquele que procura.

A brincadeira muito ilustra a esperança da salvação proposta pelos evangelhos. Todos aguardando a redenção que vem através de um homem. Do ponto de vista de uma cristologia, Cristo é a redenção de Deus vinda aos homens e efetivada na cruz. Do ponto de vista escatológico, a questão da redenção final adquire várias posições.

A regra do "salve todos" tem até nome teológico e é fruto de inúmeros debates nesta área do conhecimento. Será que Deus salvará todos no final? Será que há salvação pra sempre? Será que "uma vez salvo, salvo para sempre"? Aquele que foi pego primeiro está condenado a ser o próximo a contar e procurar os outros? Ou há a esperança da redenção, do "salve todos"? O último poderia apenas "escolher" quem ele salvaria ou na ação dele de salvar a todos não há lugar para "escolhidos" ou "predestinados"? Será que a salvação é por mérito? Eu mesmo posso me salvar, ou dependo sempre em última instancia daquele que "salvará a todos no final" ? O "salve todos" serve apenas para quem não tem o mérito de se salvar sozinho, ou é válido para todos enquanto "possíveis-pessoas-encontradas"?

Questões teológicas fulcrais são presenciadas na brincadeira do pique-esconde, mas quando crianças não pensamos muito nisso, e talvez por isso podemos aproveitar a brincadeira de forma mais light, sem preoucupações desnecessárias. A brincadeira não precisa ter explicação, ela simplesmente está ali para ser brincada.

Algo a se aprender com o pique-esconde. Tanto ponderar sobre estes assuntos teológicos-existenciais, quanto também pensar na leveza com a qual a vida deve ser vivida. Se no final Deus resolver "salvar todos" ou não, isto não fará diferença para nossa vivência. Só fará diferença se pautarmos nossa vida nisso, um eterno "imperativo hipotético" um "fazer para ser salvo no final" que deveríamos saber, está longe da proposta do reino.

Talvez o prazer da brincadeira estivesse no fato de não termos que pautar a brincadeira pelo seu final, mas simplesmente brincar, sabendo que podemos mudar de brincadeira a qualquer momento. No texto Sejamos homo ludens falo um pouco sobre isso. E porque não mudar a regra do "salve todos"?

E a esperança não se manifestaria apenas na salvação do último, mas se manifestaria na mera brincadeira, tentando fazer dela momentos de eterna alegria enquanto o dia brilha e a noite não vem...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Reflexos e Reflexões







Reflexo e reflexões foi um novo nome que pensei para o blog e isto talvez por uma questão muito óbvia.
Todo escrito meu, por mais simples que seja, sempre tem um pouco dos dois. A reflexão que como todos sabem faz parte do trabalho do filósofo de maneira fulcral.

Não existe filosofia sem reflexão, embora o contrário seja bem comum.

E o reflexo talvez não se mostre com tanta obvieidade, mas permeia tudo o que fazemos.

Ao fazermos coisas refletimos o que nos foi ensinado em nossa própria existência. Na maior parte das vezes nossas ações não passam de reflexos, hora límpidos, hora turvos.

Claro que há um problema subjacente em agirmos como meros seres-que-refletem-coisas
que é o problema da identidade.
Se apenas refletimos, ficamos como grande espaço vazio, no entanto todas nossas ações sempre serão reflexos de nós mesmos.
Será que é possível vermos o mundo sem nossos olhos? Com olhos de outro?

Afinal, todo mundo visto por mim é o meu mundo.

Algumas vertentes místicas colocam como objetivo a quebra do vidro que gera o reflexo pelo qual vemos o mundo para contemplarmos a realidade das coisas sem o vidro que nos impede e nos reflete antes de vermos algo.
Mas será isto possível? Enquanto possibilidade isto aparece, talvez o problema seja a exequibilidade.

Esta dinâmica do ver já está presente em Platão. Algo muito interessante a notar é a diferença da ascesse à verdade entre o grego e o judeu. Enquanto para o primeiro o sentido mais louvado é a visão, para o segundo é o ouvido. ( A fé vem pelo ouvir, Maria engravida pela palavra). Até que ponto estas representações não estão condicionadas socialmente?

Sobre toda hermeneutica sempre há um ser-hermeneuta. Não há hermeneutica isenta, livre, e talvez aí resida todo fracasso de uma tentativa a encontrar a "verdade" escondida no texto, (típico de algumas posições fundamentalistas), ou até mesmo a proposta mística de uma verdade metafísica existente além de qualquer coisa.

Claro que com boas doses de metafísica, as duas posições são possíveis. Talvez o que algumas escolas místicas propõem como objetivo último do ser humano em nada difere da posição fundamentalista de encontrar a "verdade atemporal" descrita no texto. No entanto, a postura mística, já de saída assume sua metafísica, ao passo que várias posições fundamentalistas não o fazem, o que acaba colocando tal posição numa "falta de sinceridade epistemológica."

A posição que defendo é que nossas reflexões são sempre reflexos nossos, reflexos da nossa sociedade, reflexo do mundo que crescemos e vivemos. Claro que admito como possibilidade uma ascesse a algo para além do reflexo, no entanto penso ser uma via mais complicada de se defender epistemológicamente e talvez por isso tenho a tendencia de deixá-la em suspenso.

As vezes a contemplação mística seja a saída para tal impasse, no entanto, como sabemos tal contemplação se torna inefável, uma vez que as palavras não a consegue descrever. Chegamos quase que ao impasse de Górgias. Este afirmava que "nada existe, se existir não pode ser dito a ninguém, se puder ser dito, ninguém compreenderá", se ao invés do nada colocarmos o "sentido" ou "tudo" ficamos próximos das tentativas místicas, e o mesmo impasse permanece, só que agora não mais com a existencia de um nada, mas com a presença do todo que nos permeia no entanto nos escapa pois as palavras não o atinge. Condição humana por excelencia, o limbo entre o todo e o nada buscando, na corda bamba, achar um caminho para a morte feliz.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Palavras jogadas



Eu sempre achei que um bom sinal de saber
se vc tem um relacionamento bacana com outra
pessoa é vc conseguir ficar calado perto dela e
isso nao incomodar. alcancar a incomunicacao...
um silencio que nao incomoda é sinal de cumplicidade e isso demora muito para se conseguir.

Em um mundo onde tudo deve ser rapidamente comunicado, o silencio vira quase que um tesouro perdido.

E na maioria das vezes sobre o que falamos?

Falamos trivialidades, coisas corriqueiras, assuntos fúteis, besteiras que qualquer pessoa além de nós mesmos seria capaz de falar.

Na maioria das vezes nossas palavras não trazem vida a ninguém. Um todo fútil. Palavras jogadas ao vento e que nunca recolheremos nem mesmo as veremos produzindo algum fruto.

Desperdiçamos como quem tem de sobra, como quem não precisa dar contas das palavras que se dizem. Palavras contra palavras, nada além disso.

Palavras vaizas, mas que por algum motivo insistimos em dizer. Parece que há um senso comum em achar que o silêncio é sinal de fraqueza, que as pessoas devem sempre falar alguma coisa.

Não sou desta opinião. Valorizo o silêncio. Valorizo as palavras que edificam.

Se a boca fala do que está cheio o coração, como já dizia o cristo, e nosso falar remete apenas a futilidades, podemos dizer que nosso coração está cheio de futilidade. E se ao mesmo tempo, o nosso tesouro está onde está o nosso coração, podemos falar que o nosso tesouro está em futilidades. (Isto deduzido por mero silogismo)

talvez por isso falamos futilidades, gastamos com futilidades e a vida fútil vai seguindo como uma espécie de "dever-ser". Uma dinamica típica do capitalismo, da dinamica de consumo onde até mesmo as palavras se tornam futilidades.

A palavra cria e destrói mundos, mas também pode ser usada como nada além que palavras jogadas ao vento, e infelizmente é o que mais vemos hoje em dia.




quarta-feira, 20 de julho de 2011

Enquanto se espera



Ele chega e espera, e enquanto espera nada mais faz que pensar.
Pensa na vida, pega um livro, folheia, pega outro, folheia novamente
Assuntos do seu interesse, nada que interessaria muitas pessoas.
Entra na livraria e encontra um livro do Paulo Brabo, começa a ler e gosta.
Fica ali um bom tempo se deleitando e se indentificando com o autor.
Boa escrita, bom tema e as horas passam rapidamente.

Na mesma sessão encontra um livro do Ratzinger. Folheia e percebe que há um diálogo ecumenico proposto pelo papa na introdução do seu livro. Desfaz algumas visões que ainda persistiam sobre o papa.

Encontra um livro sobre 4 livros apócrifos, inclusive o livro de Enoch. Folheia também e isso lhe faz pensar também.

Reflete sobre várias coisas enquanto espera. Pega um livro que estava na sua mochila, levado para o diálogo e começa de onde havia parado da última vez que abriu o livro. O livro é sobre Freud e a religião. Ele gosta do que lê, afinal, é a área que estudou com mais afinco.

Tudo isso enquanto espera.


E as horas passam, e a espera continua. A pessoa esperada não chega.
Aconteceu alguma coisa, mas infelizmente ninguém sabe o que houve. Apenas se sabe que a pessoa esperada também espera uma pessoa que não chega. E o que será que ela, que espera, terá feito em sua casa?
Será que lá também pensou em várias coisas assim como quem a esperava pensou em várias coisas?
Sobre o que pensou?
Será que abriu algum livro e folheou enquanto esperava? Será que comeu algo, viu alguma coisa?

Várias coisas podem acontecer enquanto se espera.

No final, ambos esperaram. Ele, depois de muito esperar, foi embora triste por não ter dialogado com a pessoa querida em um dia especial. Coincidentemente era o dia do amigo, mas a amiga não apareceu, pois quem ela esperava nao chegou a tempo.

E quando será que dialogarão?
Será que algum dia isso sucederá?
As duas últimas tentativas não deram certo, ficaram apenas no campo das idéias sem efetividade material.
A esperança persiste, e por enquanto é a única coisa que eles tem em comum além da vontade de que o diálogo finalmente aconteça depois de 1 ano de espera.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Despedidas







Às vezes são os outros que vão, às vezes somos nós que temos que ir.
Em toda despedida tem um quê de alegria e um quê de tristeza.

Alegria por estar indo, descobrir novas coisas, experimentar novos desafios, avançar em algum sentido, mudar para outros horizontes, criar a expectativa que o novo será melhor.

Tristeza por ter que deixar os laços criados, as amizades feitas, o cotidiano ao lado das pessoas, a cumplicidade adquirida. Saber que não mais verá aquela pessoa especial que foi e é tão importante em nossa vida.

As chegadas e partidas acabam por fazer o que nós somos. Temos que lidar com elas se quisermos amadurecer como humanos. No entanto, penso que também devemos "sofrê-las". Evidenciar que algo está mudando, sentir a perda dos momentos que não mais se repetirão.
Colocar marcos para lembrarmos. Marcos estes que nos farão olhar para trás e saber que naquele momento algo de importante aconteceu conosco. Uma nova fase se iniciou, um novo percurso foi iniciado e as coisas não foram mais como elas eram...

Sob o adágio: "é a vida", não se pode colocar todas as coisas. Afinal, por trás deste adágio se encontra toda uma dinâmica de resignação que não deve ser incentivada. Claro que tem coisas que "a vida" é responsável, mas para a maioria das outras, nós o somos.

O adágio "é a vida" talvez seja uma tentativa para que não soframos. Colocamos as coisas sobre uma dimensão maior, personificamos "a vida" de forma que ela aparece como algo que "sabe o que está fazendo". Mas a proposta aqui é para que soframos com os momentos de tristeza e alegremos com os momentos de alegria. A proposta bíblica já diz isso. Alegremos com os que se alegram e choremos com os que choram.

A proposta não é esconder a dor, tentar "animar", tentar fazer com que o momento seja menos doloroso do que se é, não é isto. A proposta é para que aprendamos que há momentos em que se deve "chorar com os que choram", viver as experiencias tristes com a mesma intensidade dos momentos alegres. Sem sofrer demais ao ponto de parecer auto-comiseração, nem fingir que a dor não existe. Virtude esta que só aprendemos com a prática.

Os marcos se tornam importantes por este motivo. Para colocarmos tais marcos é preciso esforço, é preciso empenho, e com isso os momentos ficarão guardados. Sem contar que os mesmos marcos nos darão "direções" caso tenhamos que passar pelo mesmo caminho outra vez.

As despedidas marcam sempre o fim de uma etapa, e com este fim abre-se a esperança de um novo recomeço. Se será melhor ou pior não podemos dizer, podemos apenas confiar que o futuro será melhor que o passado.

Recentemente vivi as duas experiências. Me despedi e despedi de alguém, em ambos os momentos, as experiencias foram tristes, mas a esperança de que o futuro será melhor persistiu.

Sofri e sofro como quem perde o contato com pessoas maravilhosas, que gostaria que sempre estivessem ao meu lado, que gostaria que nunca ficassem longe, ou fossem para longe.

Não direi que é a vida. Sofrerei como quem sofre a despedida, mas quero confiar que os que vão encontrarão algo melhor.

Sofrerei também como aquele que partiu e deixou pessoas a quem amava. E para elas, fica o meu desejo de um futuro melhor. Sei que elas sofrem também pela minha partida, assim como eu sofro por aqueles que partem.

Fiquem em paz, queridos alunos do Elite de Ipatinga. (Aqueles que ficaram)
Vá em paz, querida Ana. (Aquela que partiu)

Fabiano Veliq (Aquele que partiu, e aquele que ficou)


terça-feira, 5 de julho de 2011

A culpa cantada




E de repente, os olhos se elevam, a boca começa a emitr sons melódicos, mas seus sons revelam uma culpa inescrutável. A tentativa de alcançar um outro se perde e fica-se sozinho, tendo apenas a si mesmo e um ser que será nada além que um juiz cruel ...


Outro dia fui no culto na igreja que costumava ir todos os dias e agora, por uma série de motivos não vou mais com tanta frequencia. Reparei algo curioso e comecei a reparar isto em todo o meio evangélico.
A relação entre as músicas que são cantadas na igreja e o discurso que é pregado. Algo interessante a se notar em várias músicas cantadas é a sua extrema filiação à dinamica do antigo testamento. Não é pouco frequente vermos as músicas fazendo alusão ao "templo", "santos dos santos" falando de um afastamento quase que intransponível entre o homem e Deus. Percebe-se um esquecimento de todo o sacrifício do Cristo em virtude de romper com as "estruturas" do templo.
A divisão entre Deus e o povo que era mediado pelo sacerdote fica representada nas músicas. Os "sacrifícios", mas neste caso "de louvor" são incentivados. A separação onde Deus está lá no céu e o homem aqui na terra é ressaltado em várias músicas. Agora, é sintomático o porque este evento acontece.

Foi pra liberdade que Cristo nos libertou já nos dizia Paulo. No entanto, o cristão não consegue ser livre, mas procura remeter sempre sua prática à estrutura do Antigo Testamento.

É como se tal postura o desse uma proteção mais proeminente do que a proposta do Cristo. Tem uma música específica que me veio a memória que tipifica isto que estou querendo dizer:

"Senhor leva-me aos teus átrios, ao lugar santo, ao altar de bronze, senhor teu rosto quero ver.
Tira-me da multidão, leva-me onde o sacerdote canta. Tenho fome e sede de justiça e só encontro em um lugar.
Leva-me ao lugar santíssimo, pelo sangue do cordeiro redentor, toca-me, limpa-me, eis-me aqui".

É claríssima nesta letra a associação direta à estrutura do Antigo testamento.

A figura do templo, do sacerdote, do altar. No entanto, foi esta estrutura que foi rompida com o sacrifício do Cristo. Ele como sumo sacerdote rompe com esta necessidade tipificada na música. Sem contar que a estrutura que coloca um Deus distante também é rompida com a nova proposta do Cristo, que afirma que Deus habita em nós. Somos "templo" do espírito, mas não mais um templo feito com mãos humanas, mas um templo que se encontra no coração do homem.

Esta internalidade abre para a perspectiva da liberdade. Enquanto a estrutura do templo prendia o homem dentro de um "lugar específico", a proposta do Cristo abre para outra perspectiva.
Tal dinamica fica muito explícita com a Samaritana e sua inquietação quanto ao "lugar da adoração", que Jesus rapidamente dissolve. O Pai procura aqueles que o adoram em espírito e verdade.

Não há um "lugar para adorar". A liberdade se coloca como condição do humano para lidar com Deus. Mas se o homem se nega a relacionar com Deus em liberade, percebe-se uma deformação neste tipo de relacionamento. É como se houvesse sempre uma culpa pairando no ar que impede que a estrutura do templo seja desfeita na mente do evangélico. Há algo presente nesta relação que seria interessante ser estudado.

Se a estrutura do templo continua viva nas canções, com certeza ela está viva na mente do homem. Esse Deus que é "adorado" por meio destas músicas se faz distante deste que o adora. Afinal, este Deus cantado habita "os altos céus", está "acima, nas nuvens".

Uma vez que tais músicas fazem parte da vivencia evangélica, é claro que elas interferem na forma como o cristão se relaciona com Deus e como ele se relaciona com o mundo. Um Deus distante, exige distancia do mundo para que ele seja encontrado. Um Deus longe exige que todo esforço do homem seja em buscá-lo com afinco. Um "separar-se" para que finalmente possa "habitar com Ele no céu". As músicas refletem esta relação de uma forma muito interessante.

Mas, o que fica evidenciado em todo este afã com que se cantam tais músicas? Dentre outras coisas, fica evidenciado a renúncia da vida em liberdade oferecida pelo Cristo. A tentativa de retorno às estruturas do antigo testamento, (o templo, o sacerdote, o sacrifício) acaba por se tornar uma tentativa desesperada de amparo diante de uma realidade onde tais estruturas não exercem mais a função que exerciam no antigo testamento. O autor de Hebreus já ilustrava estas figuras do antigo testamento como "sombras das coisas que viriam". No entanto, ao contrário do que se esperaria, a prática de um "afastamento na busca desse deus encontrado apenas distante" é incentivada em várias igrejas evangélicas. Não raras vezes ouvimos os ministros de louvores dizendo coisas do tipo: "Viemos aqui pra te buscar, Senhor", "Se revela a nós", "vem habitar conosco", "Leva-nos Senhor, ao santo dos santos para que possamos te adorar".... CDs são gravados repetindo esta tentativa de amparo a partir de uma estrutura que o próprio Cristo fez questão de romper.

Talvez a negação da liberdade seja um dos maiores problemas do mundo evangélico atual. E paradoxalmente esta dinamica acaba se evidenciando em uma postura "libertina". Abre-se mão de um relacionamento livre com Deus para vê-lo como "ser-que-vigia", "ser-que-pune", mas ao mesmo tempo, na esfera da vida pública é como se esse Deus não existisse. A ausencia de um relacionamento baseado na liberdade acaba por provocar a necessidade de uma constante "vigilancia" onde o crente precisa cuidar de tudo o que faz para que não seja punido por aquele ser distante que está sempre de olho.

Ao mesmo tempo que o universo metafísico traz o amparo e o consolo diante da realidade, coloca a culpa sobre o indivíduo que precisa sempre fazer coisas para que seus pecados sejam expiados. Esta dinamica foi muito bem analisada por Freud quando propõe uma análise da religião.

Cria-se com Deus uma relação infantil, onde Ele aparece como aquele que sempre livrará o homem dos terrores do mundo, fará com que ele "caminhe em vitória". O pai é desejado como amparo diante da realidade. E não é este o relacionamento com o pai proposto por Jesus. Este via o pai não como alguém que sempre estaria ali, muito pelo contrário, ele mesmo enfrentou o desamparo (Deus meu por que me desamparaste), e mesmo assim, Deus continuou sendo pai. A relação de Jesus com o pai se baseava na liberdade e talvez por isso escandalizasse tanto os doutores da época.

Há alguns que abordam a questão das músicas como "licença poética". Particularmente sou contra a idéia de transformar inconsistencias teológicas em licença poética, e penso que tal licença não seja desculpa para se formular músicas, que se analisadas, imprimem mais uma estrutura repressora do que propriamente um momento de aproximação com Deus.

Muito me preocupa tais músicas, afinal, a música alcança lugares onde a mera palavra não alcança, e o que se canta reflete o que se pensa, reflete a forma como se vê as coisas, como se vê o mundo.

A reforma foi cantada antes de ser pregada, e isto é importante, afinal, o protestantismo sempre se caracterizou por cantar os atos de Deus. Agora, quando estas músicas passam a refletir uma noção de culpa recalcada que desemboca em um Deus distante que tole a liberdade humana para se fazer deus, é preciso que algo seja feito.

Como o próprio Jesus já advertiu: "A boca fala do que está cheio o coração", se o coração do cantante está cheio de culpa, é porque de alguma forma isto habita o coração dele. E até que ponto não seriam as próprias músicas cantadas por ele que imprime nele a culpa que depois ele mesmo cantará tentando se aproximar desse deus que a própria música fez parecer distante?


Muito poderia ser dito aqui, mas o texto ficaria extremamente grande, talvez uma continuação em outro texto seja o mais apropriado... quem sabe?