quarta-feira, 16 de maio de 2012

Processo descritivo - 29 anos





Fabiano Veliq
1,70 m
                                   29 anos
67 kg
                                                    homem
casado
                                          dois irmaos
                           graduado em filosofia


mestre em filosofia da religiao

especialista em teologia sistematica

filósofo
                                                                                  
                                                                                      protestante
                 atleticano
                                                                                                                       vários contatos
                                         

                                              poucos amigos
                                         branco
                                                                                                             olhos claros
                             cabelos lisos
                                                                                  

                                                                    gosto musical variado
apreciador de diálogos

sarcástico
                                                                                                              estudioso
                         ironico
                                                                                                                                    pouco comunicativo
                                             crítico

               
                                    leitor de filosofia/teologia/psicanalise/fisica/poesia



admirador de estrelas, buracos negros, galáxias

                                simpatizante das coisas simples, mas nao das simplórias

questionador 
                                                                                     polemico
                apreciador do silencio
                                                                                                         indiferente com várias coisas
leitor da bíblia

                               admirador da religiao independente da forma como se manifesta

feliz na maior parte do tempo
                                                                                       chato em várias ocasioes

trabalhador
                                                  
                                            

um homem comum










segunda-feira, 7 de maio de 2012

Pós-Teísmo e honestidade Teo-Filosófica





Toda filosofia tem que ser honesta consigo mesma. Não se pode apenas "fingir" que se questiona, fingir que se está colocando algo em dúvida porque isso compromete o filósofo e a filosofia. Qualquer filósofo que se preze estará disposto a colocar as suas mais profundas crenças em xeque em algum momento de sua vida. Este colocar em dúvida em nada o afasta de suas crenças enquanto estão sendo elaboradas, muito pelo contrário, várias vezes, estas dúvidas servem para que de alguma forma um firme fundamento seja encontrado. Mas não um fundamento vindo de fora, mas de dentro, entranhado no mais profundo da alma e do intelecto. Se no final do percurso (se houver algo nesse sentido) a crença primeira for negada, isso em nada é um prejuízo, mas sempre um ganho para o filósofo e para a sociedade.

Geralmente aceitamos estas conclusões quando em nada é afetada as coisas que tomamos como as mais importantes, as que são indiferentes para nós. Pode-se debater o "Ser", o "Nada", se existe de fato vida em outros planetas, etc... Coisas que a  maioria achará até interessante, mas no fundo tem para si que estas questões são meras "viagens filosóficas" e devem ser admiradas por ser uma tentativa intelectual que poucos estão dispostos a fazer.

Agora, quando se questiona o que é fulcral para os outros, aí a situação muda completamente de figura. O método filosófico, a honestidade filosófica deve ser abandonada pois se está querendo tocar o "intocável". Como se existisse algo intocável para o pensamento.

Recentemente quando me propus a pensar a questão de Deus fora de uma estrutura teísta, vivi exatamente esta situação. É como se esta questão de Deus não pudesse ser questionada, como se o cristianismo em sua construção histórica não pudesse ser colocada em xeque na busca de uma fé autentica. Como se "fé autentica" fosse sinonimo de "fé heteronomica", como se fosse possível uma fé que não esteja disposta a pensar sinceramente sobre estas questões. Como se fosse possível uma fé que fosse meramente passiva diante da "revelação" do texto.  Como se o dogma fosse mais importante que a reflexão sobre ele. Não nos esqueçamos que foi a própria reflexão que possibilitou o dogma e não o contrário.

A tentativa de resignificação de Deus para além de uma estrutura teísta não é ateísmo, mas uma tentativa de um pós-teísmo. Não é uma negatio Dei, mas uma affirmatio Dei. 


Para quem não sabe, há 3 formas consagradas de se falar sobre a ação de Deus no mundo. Há o deísmo que em linhas gerais afirma que Deus criou o mundo com suas leis naturais e deixou que ele seguisse seu caminho não interferindo nele.

Há o teísmo que em linhas gerais afirma que Deus criou o mundo e interfere neste mundo de acordo com sua vontade.

E há o ateísmo que na sua elaboração mais simples nega a existencia de Deus enquanto criador.

A tentativa de um pós-teísmo parte da tentativa de resignificar o que se entende por Deus e desvinculá-lo da idéia de Ser, e passar a tomá-lo a partir da noção de Sentido.  (Claro que não dá pra explicar esta desvinculação neste texto, mas sugeriria a quem interessar, buscar os textos de Bonhoeffer, Paul Tillich, Schilebeeckx entre os teólogos, e Feuerbach, Heidegger entre os filósofos para situar a discussão)


Para além do teísmo, mas não para além de Deus para usar a expressão do John Shelby Spong.
Ao colocar em xeque o teísmo enquanto única construção possível de Deus não estou me colocando ao lado de um ateísmo, ou negando uma fé cristã. Não nos esqueçamos que o próprio Jesus propõe uma resignificação da lei que há muito havia sido perdida pelos judeus de sua época. Esta resignificação que possibilitava Jesus chamar a Deus de Abba Pai também soava muito estranha aos fariseus de sua época, mas nem por isso ele deixou de faze-la, pois via que só assim seria possível uma relação adulta com seu pai. Com certeza muitos o acusaram de herege, pecador que "expulsava os demonios por meio de Belzebu" (Mt 12), mas nem por isso o nazareno voltou atrás em sua resignificação. E tudo isso pra que? Para que pudesse viver uma vida que se relacionava com pai de uma forma sincera, náo mediada apenas pela estrutura da lei que colocava uma separação transponível apenas pelo sacerdote uma vez ao ano. 

Na minha opinião é possível um cristianismo não teísta. Não deixo de ser cristão porque procuro pensar o cristianismo fora da estrutura teísta, muito pelo contrário, acredito que tento voltar talvez àquele significado de cristianismo do Cristo que se importa mais com a vida que qualquer outra coisa. Uma vida em abundancia e não apenas uma vida que visa algo para além dela como se tornou comum a partir de algumas leituras das cartas de Paulo. 

Sou protestante, nascido e criado na igreja protestante. Deus sempre foi objeto de meus pensamentos, desde muito cedo me interessei pela leitura bíblica, e tão logo ia lendo os textos, tão logo as perguntas surgiam. Minha professora de escola dominical me dizia que deveria fazer filosofia porque questionava demais. Perdi as contas de quantas vezes fui chamado de herege, dissimulado, questionador, aquele que estava "atrapalhando o mover de Deus", e recentemente afirmaram que "deixei de ser cristão" porque me propus a pensar o cristianismo pósteísticamente. Curiosamente estas afirmações a meu respeito acabam por me instigar a pensar mais sobre estas coisas; talvez por ser filósofo e ver isso como algo que deve ser feito, talvez pra manter a honestidade para comigo mesmo, talvez por acreditar que seja possível pensar a religião e a religiosidade com uma carga metafísica muito menor que a habitual no meio protestante, talvez por acreditar que o diálogo interreligioso só será possível se estivermos dipostos a debater todo o arcabouço de nossas religiões, sem reservas. Afinal, um diálogo interreligioso onde há mais reservas que aberturas é um diálogo infrutífero. Dialogar não é "negociar princípios", é tentar entende-los sob um novo prisma e talvez ver que aquele a quem eu tentava de toda forma salvar, foi quem me salvou de um dogmatismo cego.

Talvez a resignificação de Deus, vendo-o não mais como Ser, mas como Sentido seja um bom caminho para viver uma vida autentica, não mais como criança que depende de um pai (haja vista a pertinente crítica de Freud), mas como alguém que é capaz de manter um relacionamento autentico com a vida tendo neste Sentido o "alvo da verdadeira vocação a que fomos chamados".

Apontamentos para pensamentos... Sigo como quem pensa e pensando vou caminhando...

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Sobre opressão no trabalho

 
 Pensando outro dia sobre algumas relações de trabalho me veio a mente algumas considerações que transcrevo.
Muito curioso como a ética do "dever ser" sempre recai sobre o proletariado nas relações de trabalho. O proletariado "deve ser" comprometido com o trabalho "deve ser" zeloso por isso e por aquilo, mas esta responsabilidade e este cuidado nunca recai sobre quem está na "direção" do departamento ou repartição. Sobre estes o "deve ser" perde seu caráter de "moralidade" e passa a ser apenas "instrução" ou "sugestão" do como seria bom se fosse dessa forma. O que isso gera? No pior dos casos, apenas a insatisfação do proletariado; no melhor dos casos uma revolta do proletariado para que esta situação mude. O porque da recorrencia da primeira e não da segunda proposta pode estar no fato do próprio desinteresse do funcionário quanto ao melhoramento de sua condição no local de trabalho. 
Como o trabalho aparece a esse indivíduo como algo estranho a ele, por que se preocupar com as constantes restrições à sua liberdade? A questão que parece urgir e que geralmente não é colocada é o porque ele não se preocupa mais nem mesmo com a restrição de sua liberdade? A sua condição já está tão desumanizada que nem mesmo a supressão da liberdade de expressão, de ir e vir, de se vestir é visto como problema. 
Sobre este indivíduo tão desumanizado pelas relações opressivas de trabalho não tem como haver uma "cobrança moral", afinal, a moralidade é uma característica humana, e até onde sabemos, apenas os homens são capazes de uma atitude moral dada a racionalidade que lhe é inerente. Aplicar a ética do "dever ser" sobre este ser tão desumanizado é a mesma coisa de exigir de um macaco um comprometimento com sua jaula em um zoológico. Obviamente não haverá tal comprometimento, no primeiro momento que ele tiver a oportunidade de sair de lá, ele sairá. 
Ao mesmo tempo que há uma insatisfação por parte do funcionário há uma assimilação do discurso opressivo como se fosse um discurso próprio. É comum vermos o funcionário assimilando práticas opressivas e corroborando tais práticas fazendo cobranças que ele não deveria fazer se tivesse ciência desta dinamica opressiva. 
A dinamica se dá mais ou menos da seguinte forma: A chefia solta uma ordem opressiva, sem sentido. O proletariado acata esta ordem sem questionamento, (afinal, não se interessa por aquilo que faz, não se vê como parte da instituição) esta ordem é assimilada pelo proletariado como sendo uma ordem sua que passa a ele mesmo exigir dos outros que a ordem opressiva seja obedecida por todos. Nesta dinamica, ao invés de lutar contra a ordem, ele se mostra um disseminador da mesma.
Outro fato problemático é que a própria chefia não se vê também participante dessa mesma dinamica opressiva e passa a oprimir os subordinados com a opressão que a assola. O suposto poder conferido lhe aparece como possibilidade de "decisão" que o engana ao ponto de achar que ele detém o poder quando na verdade não passa de joguete nas mãos dos superiores. A dinamica opressiva vai tanto em via ascendente (tendendo a diminuir nos maiores níveis hierárquicos a ponto de várias vezes aparecer como "sugestão" ou "instrução") e em via descendente (tendendo a aumentar nos níveis mais baixos), no entanto todos acabam sendo oprimidos de uma forma maior ou menor. A chefia então executa a mesma dinamica descrita acima. É comum ouvirmos discursos vindos do chefe que dizem "eu só cobro de voces porque sou cobrado também."
E quem é o grande opressor? A partir de Marx e eu tendo a concordar, o grande opressor é o sistema capitalista que exige este tipo de opressão para que a máquina funcione.  A empresa (local onde o individuo trabalha) acaba exigindo no micro o que o sistema como um todo exige no macro.  Sob seu domínio se encontram todos estes indivíduos citados acima. Claro que a relação entre o sistema capitalista e a opressão é algo que não dá pra explicar aqui, mas fica o apontamento desta relação. 
O que fazer para que o círculo opressivo se quebre? A meu ver é preciso haver um esclarecimento tanto por parte do "proletariado" quanto por parte da "chefia" da dinamica opressiva perpetuada em suas práticas. Depois do esclarecimento é preciso haver uma luta para que esta situação mude, para que as relações sejam mais humanas e humanizadoras, uma mudança não apenas material, mas estrutural. A tendencia a encarar a mudança apenas de forma material ( a partir de melhora de salário, condições de trabalho melhor, etc) acaba por perpetuar a mesma condição desumanizadora só que agora colocando "flores sobre as correntes" . Daí a necessidade de uma mudança estrutural, não apeans material. A partir desse momento talvez seja possível falar novamente em homens trabalhando, uma vez que o trabalho não será mais feito apenas pela via opressiva, mas será expressão do homem que age em liberdade.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Sobre a Bíblia

Quando vejo uma imagem como esta a várias coisas passam pela minha cabeça. Desde o mau uso da imagem, como ao mesmo tempo a indiscutível frivolidade da nova espiritualidade pós-moderna.

Curiosamente, vemos constantemente posts no facebook sobre a bíblia, sobre o fato de Deus nos amar acima de todas as coisas, o fato do fulano de tal amar a Deus sobre todas as coisas, mensagens de "Jesus te ama" a todo o momento, o que nos leva a pensar o quanto a imagem de Deus, e ao mesmo tempo a idéia de Deus perpassa no imaginário das pessoas.

Curiosamente, mesmo permeada por todos os cantos com falas, hinos, preleções sobre Deus, a sociedade pós-moderna em sua maioria pensa muito pouco sobre Deus. Cada vez mais vemos como que a profecia de Bonhoeffer se cumpre em nossos dias. Deus se transformou em "muleta psicológica" a quem se clama quando as coisas não estão bem, quando se quer ir bem em uma prova, ou tem alguém doente, uma espécie de gênio da lâmpada a quem é só pedir que ele está pronto para atender os desejos.

Dificilmente encontraremos alguém que consiga pensar a idéia de Deus afastado da idéia de pai, afastada de uma idéia metafísica ou algo para além da tradição ortodoxa. Dificilmente encontraremos alguém dentre os milhares de posts no facebook que consiga explicar sistematicamente alguma das doutrinas fundamentais da fé crista, tais como redenção, salvação, sacramento, dentre outras questões do gênero.

Ao invés de uma tentativa de fundamentação da fé, sucumbe-se ao discurso neo-pentecostal de uma "experiência com Deus" que seria mais que suficiente para resolver todos os problemas da vida do indivíduo. É evidente que a "experiência de Deus" é importante para todo aquele que crer em Deus, afinal se crer sempre no Deus que é experienciado pelo sujeito, no entanto, a "experiência de Deus" sempre devolve o homem para o mundo da vida e não encerra o homem em um êxtase sem sentido de onde ele sai o mesmo, sem fazer diferença pra ninguém.

Vemos isso na experiência de Jesus com o Gadareno descrito em Marcos 5, que depois de liberto insiste pra ficar com o Cristo, mas é enviado de volta ao seu povo, da mesma forma a experiência da transfiguração (Mt 7: 1-8, Mc 9: 2-8, Lc 9: 28-36) em que Pedro no afã do momento quer permanecer por lá, armar tendas, esquecer do mundo, mas é interrompido e levado de volta ao povo.

Ao colocar a bíblia como uma arma de fogo o que se vê é ao mesmo tempo uma enorme ignorância do que a Bíblia seria e ao mesmo tempo permite uma apologia a violência e a intolerância digna de repudio. Afirmar que a bíblia é uma arma que resolveria todos os problemas pela simples utilização da mesma chega a ser vergonhoso. A dinâmica da imagem remete aquilo que os cristãos deveriam combater e não legitimar.

Volta-se ao princípio das cruzadas, onde todo aquele que não crê como os cristãos devem ser mortos ou aniquilados pela palavra, como se ela fosse uma espécie de manual que deve ser seguido independente da cultura. A visão clássica que se tem da bíblia é de que ela é a palavra de Deus e por isso o texto revelado deve ser seguido, pois esta seria a vontade de Deus para todo homem. Eu não creio assim. Creio que o texto bíblico é um texto escrito por homens que almejavam dizer quem era o Deus que eles acreditavam ser o verdadeiro Deus. Mas este relato é incompleto, culturalmente determinado, visto de apenas um ponto de vista. O Deus da bíblia é o Deus dos homens da Bíblia, é o Deus visto por quem escreve.

Da mesma forma que se produziu a Bíblia, se produziu o Alcorão, os Vedas, os Upanishads, o bagavad gita, todos eles produzidos por homens que tentavam expressar suas experiências com o seu Deus, o que eles acreditavam que "criou os céus e a terra", "estabeleceu os fundamentos", "fundamentou a vida". São homens tentando entregar o que eles receberam.

A proposta de Karl Rahner do existencial fundamental se coloca aqui de forma muito contundente. Rahner coloca que aquilo que Feuerbach diz ser objetivação humana, só o é porque Deus colocou esse anseio no homem. No entanto, este "anseio por Deus" deve ser entendido não como algo fechado, exclusivo de um povo, mas como uma abertura para o sentido da existência que permeia o homem.

Deus então não é visto como um ser para além de nós que está pronto a nos atender numa relação infantil entre pai e filho, mas é visto agora como sentido, abertura para uma existência autentica. A Bíblia compreendida como essa tentativa humana de dizer Deus nunca pode ser uma arma que deve ser apontada em direção a quem não crê nela, mas deve ser vista como um diário de homens que procuraram dizer aquilo que eles experienciaram de forma autentica.

O canto do salmista "Oh Deus, tu és o meu Deus" (Sl 63:1) talvez deva ser entoado, mas agora com a consciência de que Deus é sempre o meu Deus, o Deus como o vejo, o Deus como fui ensinado culturalmente e não o único Deus. Há tantos deuses quantas culturas, e sobre eles não recai o conceito de verdadeiro ou falso, mas recai o conceito de esperança ou desesperança, sentido ou anomia.

Se compreendemos a Bíblia como uma tentativa humana de revelar o Deus acreditado por estes homens que escreveram o livro, isso é capaz de nos colocarmos diante desse Deus revelado de forma adulta, i.e, de forma a possibilitar que esse Deus não seja simplesmente uma "muleta psicológica", mas seja visto como um sentido que os homens buscam, e ver que Ele se revela a partir dos próprios homens.

A via não seria de mão única como quer a ortodoxia por um lado ( o texto revelado por Deus e ditado aos homens) e Feuerbach por outro ( O texto como produção humana, e Deus como objetivação de uma essência humana), mas seria uma via de mão dupla, onde o que o homem revela no livro é uma tentativa de expressar algo que estaria para além dele, existente ou não. O homem tentando encontrar um sentido e um sentido se apresentando ao homem a partir da vivencia de outros homens.





Reflexão sobre o Titanic



Nós fitamos juntos os mares muito suaves no local onde o RMS Titanic afundou há um século. Como o salmista que cantou: "Das profundezas, eu clamo a ti, ó Senhor", o Titanic ainda clama para nós das profundezas das águas coroadas de icebergs, mais de mil vozes que nos falam das feridas da perda que cem anos de solidão no fundo arenoso do Atlântico não curaram.

A água é o meio do verdadeiro Mistério, trazendo-nos as vozes dos passageiros perdidos a partir dos escombros espalhados como as pérolas derramadas para fora da bolsa de uma viúva, mediante o que os investigadores marinhos definem como "campo de destroços" da grande embarcação.

Mesmo enquanto os coletores tentar recolhê-los, esses objetos testemunham que esse não é um campo de destroços, mas sim um campo humano. Esses pequenos acessórios da vida cotidiana – navalhas e pentes, canetas e fivelas e broches – sussurram sobre os seus proprietários, trazendo-os à vida, de modo que nos sintamos no convés ao lado deles, conhecendo o que eles não têm do destino que, de repente, os iria engolir juntamente com os planos e os sonhos não muito diferentes dos nossos.

Podemos sentir as correntes de tristeza que correm tão profundamente por essas águas, assim como a Corrente do Golfo, a não muitos quilômetros de distância. O que nos lembramos desses passageiros – os seus pecados ou as suas tristezas? Neste mesmo mês de abril, como não ouvir de novo, também, as vozes daqueles que afundaram junto com as Torres Gêmeas, a partir dos relatos de que alguns de seus restos mortais estão sendo enterrados no mesmo mar?

E o que eles nos contam, em seus telefonemas e e-mails finais para aqueles que eles amavam, senão a bondade simples das pessoas que os pregadores equivocadamente chamam de pecadoras e que nós, erroneamente, chamamos de comuns? A dor das vítimas do 11 de setembro parece mais nova do que a das vítimas do Titanic. Contudo, a tristeza não tem qualquer carimbo de tempo ou data de validade. E agora elas se misturam, testemunhando juntas os laços do amor humano e a tristeza que é semeada como o trigo no campo do tempo que passa.

Agora que elas se libertaram do tempo e entraram na eternidade, nós podemos vê-las e compreendê-las melhor. Nós captamos vislumbres da pureza do coração que, apesar do trovão dos sermões acusando homens e mulheres por seus pecados, elas parecem tão simples e inconscientemente possuir.

O que devemos aprender neste tempo de Páscoa em que, durante as semanas cheias de cinzas da Quaresma, fomos alertados por severos pregadores sobre a enorme dívida de pecado que Jesus pagou morrendo por nós? Como é grande o nosso pecado, clamam eles, para que tal preço tenha sido cobrado por nós.

Mas, talvez, essa seja uma compreensão econômica da redenção, preparado por contadores que, se você lhes perguntar como vão, eles vão lhe dizer que o mercado de ações está em alta ou em baixa. Será que Jesus, podemos nos perguntar enquanto a luz plena da primavera se eleva, morreu para pagar por nossos pecados ou para se identificar com as nossas dores? Ele é chamado de o Homem das Dores, então, talvez, essa compreensão mais profunda tenha sido escondida à vista de todos, enquanto os mistérios simples do amor e da devoção estão todos ao nosso redor.

Jesus perdoou os pecadores prontamente, mas passou grande parte do seu tempo na terra respondendo à dor e à tristeza que são a condição da nossa vida no tempo.

Estamos todos reunidos nesta semana em que a latitude e a longitude inscrevem uma cruz na superfície das águas em cujas profundezas o despedaçado Titanic jaz. O seu telegrafista, conta-se, enviou mensagens até o último momento. Talvez, no entanto, possamos ouvir esses sinais dessas profundezas em nossas próprias profundezas, dizendo-nos que, abaixo de nós, jaz um lugar de julgamento em que os bem-aventurados foram conduzidos para a eternidade, porque eles estavam tão ocupados carregando as tristezas da vida que vêm com o amor que quase não tiveram tempo algum para pecar.

Texto de Eugene Cullen Kennedy, publicado no site da National Catholic Reporter, 12-04-2012.

Disponivel em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/508514-a-licao-do-titanic-mais-tristeza-do-que-pecado-no-mundo

Da Solidão a Solidez




A amizade nasce de repente, mas se solidifica muito lentamente !!!!
Da Solidão a Solidez um longo percurso, mas digno de ser vivido!!!!

No início, estranhos... No final, cúmplices !!!!

terça-feira, 27 de março de 2012

Diálogo com Moltmann sobre Trindade



Tendo em vista a análise do Moltmann do conceito de trindade exposto em algumas de suas obras tais como “trindade e reino de Deus”, “ciencia e sabedoria” proponho algumas questões para diálogo como se segue.

Dado o panorama da discussão sobre a trindade no pensamento cristão que se dá desde o séc II, Jürgen Moltmann procura trazer contribuições para tentar pensar a Trindade, relacionando-a a idéia do Reino de Deus.
A abordagem de Moltmann é bastante interessante e se funda na idéia de que só podemos conhecer a trindade a partir daquilo que nos foi revelado de Deus. Para ele, a revelação de Deus se dá na pessoa do Cristo, logo, não há lugar melhor para se pensar a trindade que a partir da figura do Cristo enquanto filho de Deus. Jesus então se coloca como paradigma para se entender a trindade no pensamento de Moltmann e a cruz o lugar onde esta revelação se dará de forma mais cabal.

A principio é preciso que se afirme de onde ele parte para formular a idéia que ele tem de trindade. A análise de Moltmann se constitui uma tentativa de conciliar o relato bíblico com o problema da Trindade. Partindo da revelação do filho de Deus é possível compreender uma parte da trindade imanente.

Moltmann parte de uma linha mais evangelical, isto é, a palavra de Deus é tomada como “revelação” que deve ser compreendida como “proposicional”, dessa forma a única forma de acessar a trindade é a partir da vida do filho de Deus. A articulação de Moltmann se mostra muito contundente, e embora dialogue pouco com as definições conciliares, (uma vez que acredito que ele entenda que grande parte desse trabalho já tenha sido feita), no início do livro “trindade e reino de Deus” ele consegue dar um panorama para justificar a sua posição.

Partindo da diferenciação entre o mundo grego que vê na substancia aristotélica a diferenciação entre os seres, (termo que posteriormente será substituído por essência e marcará bastante o pensamento cristão) e a idéia de “comunhão” que segundo ele permeia a idéia da trindade partindo do mundo bíblico, Moltmann tentará mostrar que a união entre pai, filho e espírito santo pode ser entendida no sentido da comunhão, embora ele trabalhe muito com o conceito de essência para explicar a noção de Trindade.

Há de se admitir que ao se tentar falar da trindade a partir da noção de essência, ou substancia realmente fica extremamente complicado assumir um discurso que seja plausível, mas mesmo assim é algo que Moltmann ainda tentará fazer em vários de seus livros.

Moltmann defenderá uma idéia que particularmente acho pouco defensável. Assumir que Jesus na Kenosis se esvazie apenas de seus atributos, mas manteria uma “essência divina” é assumir que ele é Deus, uma vez que a essência é aquilo que define o que o objeto realmente é. (Obviamente não cabe aqui uma discussão do conceito de essência, mas parto apenas da pressuposição de que a essência é algo que define o objeto de tal forma que a um objeto equivale apenas uma essencia. Um objeto não pode possuir duas essencias, uma vez que a essencia determina um ser específico, ou uma espécie especialíssima para fazer alusão a porfírio) Agora, pela própria definição de “essência”, é impossível o discurso da “união hipostática” que seria uma das bases para Moltmann afirmar a trindade.
A kenosis, se é apenas de atributos é um esvaziamento parcial, ou auto-limitação para usar o termo de Moltmann. Se a essencia é divina, ela não pode ser humana, e vice-versa, pela própria definição de essência.

A idéia comum geralmente defendida de que Jesus seria cem por cento homem, e cem por cento deus se torna completamente inconsistente logicamente falando, e não é possível alargar o conceito de essência para encaixar a união hipostática na natureza do Cristo. Ou Cristo é humano, ou ele é divino. A não ser que alarguemos o conceito de “divino” para que seja possível a todo homem ser divino.

Para Jesus ser homem e Deus, e ainda assim ser homem como eu sou homem, é possível que eu seja Deus assim como ele é Deus. Esta conclusão se dá quase que logicamente, se assumo que ele é um ser humano igual eu sou um ser humano. Jesus não pode se identificar comigo na dor e diferenciar-se de mim na essência.

Outro problema que pode ser apontado em Moltmann é a defesa da idéia de pecado original que sustenta o enorme paradoxo que impossibilita a união hipostática a partir de uma noção de essência.
Tal paradoxo pode ser mostrado por um simples silogismo


Todo homem nasce pecador
Jesus nasceu como homem
Logo, Jesus nasceu pecador

Se eu nego a primeira premissa, logo preciso negar a idéia de pecado original, o que leva o homem a nascer sem pecado (o que a meu ver, não prejudica em nada a antropologia teológica nem mesmo a soteriologia). Mas a linha mais evangelical defende a idéia do pecado original, até mesmo a partir de outros textos bíblicos tais como Rm 3: 9-18 , Rm 3:23, Rm 5:15-19, Sl 51:5, Ef 2:1-3 dentre outros textos.

Afirmar que Jesus deve substituir o “Adão antes da queda” e não o homem em geral, se constitui uma quebra da humanidade do Cristo como um homem comum. Afinal, Jesus deve ser homem como eu sou homem para que ele possa sofrer como eu sofro. Só mesmo uma identificação radical com o ser humano e não com um ser humano “in potentia” que possibilita que ele se identifique com a minha dor. Se ele sofre de forma diferente da minha, então seu sofrimento não pode servir de paradigma para o meu sofrimento, uma vez que ele sofre como ser diferente de mim.

Há de se considerar também a crítica de Feuerbach neste ponto, que nos mostra alguma confusão no cristianismo ao falar de “homem em geral”. Jesus não pode assumir a “natureza humana genérica”, mas para ser homem ele deve ser homem como eu sou homem, um ser individual e não um ser abstrato.


Se nego a segunda premissa, nego a doutrina da encarnação, ou pelo menos a forma como ela tem sido traduzida até os dias de hoje. Daqui surge um outro problema que não é resolvido nem pelo “traducionismo” - Doutrina segundo a qual a alma humana é gerada (per traducem) da alma dos pais, formulada por Tertuliano no segundo século do cristianismo, nem mesmo pela doutrina criacionsita da alma – que afirma que Deus cria a alma de cada indivíduo ex-nihilo, posição defendida Jerônimo dentre outros. Se Jesus tem sua alma herdada dos pais (traducionismo) logo ele deverá nascer pecador, uma vez que é homem e sua alma é traduzida da dos seus pais. No entanto, se ele tem sua alma criada ex-nihilo, por Deus, esta alma, para ele ser homem, tem que ser uma alma humana, não pode ser uma alma divina, afinal, se assim o fosse, ele não seria homem como nós somos homens. Ambas teorias se mostram pouco conciliáveis com a idéia de pecado original.

Se Jesus nasce sem pecado, como esse pecado é transmitido aos outros seres humanos? Por meio da concepção? (Uma vez que Jesus teria sido concebido sem pecado pelo fato de não ter tido participação humana em sua geração, como defendem vários teólogos desde os patrísticos). Se for por meio da concepção, não há outra saída a não ser encarar o próprio sexo como pecado, o que no meio cristão não é o caso. O próprio Vaticano defende o sexo como tendo fim apenas procriativo.

A conclusão se segue do silogismo.

Se Jesus tinha algo a mais que os homens teriam, ou ele não é humano, ou ele é um humano diferente de mim, o que nesse caso, torna o seu sacrifício bastante limitado, uma vez que ele não sofreu como os homens sofrem, mas como um “homem específico”, diferente dos “homens comuns”.

Ou se abre mão da doutrina do pecado original, ou se abre mão da cruz como sacrifício de identificação com o homem. Ambos são inconciliáveis.

Na análise de Moltmann, a trindade que parte do Cristo como revelação de Deus tenta mostrar como se daria a relação entre Pai, Filho e Espírito Santo. Nesse sentido, Moltmann reformula algo que já está presente em Gregório de Nissa, Tertuliano e outros patrísticos que debateram exaustivamente estas questões, e afirmavam dentre outras coisas que o filho era gerado pelo pai e o espírito era “soprado” pelo pai, mas ambos seriam uma mesma “substancia” que se “interpenetram” mutualmente (Pericorese), mostrando a comunhão entre as pessoas da Trindade.

Acredito que o ganho de Moltmann seja ter tratado da divisão proposta por Karl Rahner entre Trindade imanente e Trindade econômica associando a isso uma “Teologia da Cruz” de Lutero que lhe permite falar de um Deus que sofre.

A meu ver a proposta de Moltmann se mostra filiada a toda uma tradição neo-orotodoxa, ou evangelical e por isso acaba caindo no problema de tentar justificar “biblicamente” proposições que não podem ser defendidas a partir do relato bíblico apenas, mas deve ser buscada em outras fontes, quer sejam culturais, sociológicas, etc...

A questão da trindade, mesmo sendo muito bem articulada por Moltmann, por partir dos mesmos pressupostos da tradição acaba caindo nos mesmos problemas da tradição, que alguns são levantados aqui de forma apenas incipientes, mas demonstrando que se partimos da definição de essencia ou substancia, é impossível resolver os paradoxos para justificar a trindade da forma como tem sido feita.

É sabido que a doutrina da trindade até hoje é alvo de inúmeras discussões e que a adesão a uma forma de associação ou outra se dá mais por um ato de empatia que por “argumentos lógicos”, o que torna um assunto extremamente interessante a ser debatido dado os novos paradigmas da pós-modernidade. Nesse sentido, não cabe apelar para Dt 29:29 e afirmar que isso é um mistério que pertence apenas a Deus. Talvez a adesão à doutrina da trindade deverá se dar apenas de forma existencial, o que não deixa de ser uma possibilidade, no entanto, mesmo se for o caso, ela carece de explicação se quisermos "defende-la racionalmente" como vários teólogos tentaram e até hoje tentam.

Obviamente é impossível fazer uma análise muito abrangente da questão da trindade em tão poucas linhas, mas acredito ter apontado aqui algumas questões a serem pensadas sobre o tema. Claro que várias destas questões já foram amplamente debatidas por diversos teólogos, filósofos, no entanto, acredito que uma postura mais próxima à teologia liberal daria um suporte interessante para se pensar a trindade a partir de uma inserção social, pensando-a simbolicamente. Talvez a associação feita por Agostinho entre Trindade e mente humana, analogamente colocada entre “mente, conhecimento e amor” ou “memória, inteligência e vontade”, seja algo a ser retornado para pensarmos a idéia da trindade a partir do símbolo que tem na pessoa de Jesus a sua manifestação mais autentica.