terça-feira, 17 de julho de 2012
Da exclusão à estrutura - Olhar crítico
E então, finalizando um processo que perdura por mais ou menos 4 anos, finalmente a igreja Betania de Venda Nova me excluiu do rol de membros daquela instituição. O Motivo alegado foi o pior possível, ou seja, infrequencia. Como se realmente expulsassem todos os infrequentes daquela institiuição, como se realmente a infrequencia fosse um motivo para tirar qualquer pessoa de uma instituição que se diz igreja. Claro que ao colocar o motivo da exclusão como "infrequencia" a instituição se livra da responsabilidade de ser "aquela que exclui" e joga toda a responsabilidade para o membro (afinal, ele que deixou de frequentar os cultos) evidenciando assim toda uma dinamica reperssora por parte da instituição.
Não estou chateado, não estou surpreso, nem muito menos espantado com a notícia, só achei que os motivos seriam explicitados corretamente. Qualquer pessoa que me conhece sabe que há muito tempo várias restrições à minha pessoa foram sendo impostas pela instituição Betania; desde de proibições de lecionar na escola dominical (na época me acharam como que "defensor" do hinduísmo), reuniões do conselho da igreja onde propuseram explicitamente minha exclusão alegando dentre outras coisas que eu estava sendo mau exemplo para os outros jovens da igreja, ou nas palavras de um dos membros presentes, que eu "havia sido uma benção, mas agora não era mais", reuniões com o atual pastor presidente que tacidamente disse que não queria ver-me lá a não ser como visitante, e se caso eu quisesse participar de qualquer atividade da instituição eu estava proibido de antemão, dentre outras coisas.
Seria muito mais honesto por parte da instituição Betania de Venda Nova se expusessem como o motivo da exclusão um destes episódios, sei lá, daria mais credibilidade ao conselho em questão pois daria um ar de conselho que "enfrenta os problemas de frente".
Isso se olharmos a coisa na esfera do micro, agora se olharmos o quadro grande, o que perceberemos é nada mais nada menos que uma dinamica empresarial, onde o membro (entenda-se funcionário) deve prestar serviços (geralmente voluntários) de forma a poder se manter dentro do quadro institucional, do contrário, ele será demitido (entenda-se excluído) do quadro da empresa.
A dinamica é bem simples se olhada do ponto de vista empresarial, mas como sabemos, a instituição igreja não aceita ser chamada de empresa, ela advoga pra si o status de "casa de Deus", ou "templo do Senhor" ou qualquer coisa que possa ser transposta para uma dinamica metafísica onde os líderes possam ter suas ações legitimadas por meio de orientações divinas, ou momentos de oração, revelações, ou qualquer tipo de "ajuda externa". Tal legitimação requerida pela instituição igreja se torna paradoxal, uma vez que o suposto legitimador da decisão (no caso, o Deus cristão que se revela para nós na pessoa do Cristo) deixou de antemão uma proposta que desaconselha tal prática, e para isso não faltam textos bíblicos que propõem o amor ao próximo, o cuidado para com os membros, a idéia de corpo, culminando na definição de Deus como um Deus de amor e não "Deus de milagres" como alguns insistem em afirmar por aquelas bandas de lá.
Se a exclusão de um membro se torna uma prática legitimada pelo Deus que "proibe" tal prática, tem-se um grande problema da legitimidade da ação, o que a meu ver leva a instituição a decidir-se por outro legitimador, que nesse caso deveria ser o próprio conselho da igreja, ou seus líderes e nesse caso cai-se de novo na dinamica empresarial evidenciada mais acima, onde o membro é apenas um funcionário (voluntário, friso novamente) que está passível de ser demitido caso cause muitos problemas à diretoria, ou caso seja "infrequente" ao "serviço". É interessante notar que em várias igrejas o membro é entendido como "obreiro" (claro que "a obra" nunca será a instituição, mas é vendida a idéia de "obra enquanto reino" e o obreiro não é obreiro da instituição, mas sim do reino, reino este entendido como "metas da instituição" legitimadas sob a égide divina).
Geralmente a diretoria da igreja prefere não ser a legitimadora de suas próprias decisões, afinal desde Adão a transferência de responsabilidade é uma prática comum àqueles que "vivem perto de Deus e com Ele conversam no Jardim" (traduzida hoje como instituição igreja) que dessa forma atribuem ao jejum e oração a causa do modus operandi da ação, que sempre é feita como sendo orientada por Deus e quanto a isso os exemplos em diversas instituições se repetem ad nauseaum...
Curiosamente, a prática da exclusão de membros que nem deveria fazer parte do repertório da igreja cristã é uma prática mais que comum e disso não faltam exemplos desde os nossos irmãos católicos até nossos irmãos protestantes que em vários setores deixaram de ser protestantes há algum tempo e passaram a ser apenas "evangélicos", ou seja, anunciam a boa nova (não tão boa assim hoje em dia) entendida atualmente como prosperidade financeira, "agir do espírito", etc. É óbvio que aqui não pretendo colocar todos os setores evangélicos no mesmo bojo e falar que são todos iguais, isso seria um contrassenso terrível, mas é algo visível que os grupos que se mostram mais preocupados com o ensino do texto bíblico, uma reflexão crítica da sociedade contemporanea se tornaram "outsiders" e estão longe de ser maioria. O senso do IBGE mostrou (embora um pouco questionável o método de pesquisa) que as igrejas neo-pentecostais são as que mais crescem hoje no Brasil, enquanto as igrejas ditas históricas mesmo tendo um pequeno crescimento no último ano, ainda estão bem atrás das "irmãs" neo-pentecostais.
Claro que o crescimento das igrejas históricas nos revelam talvez uma espécie de "saturação" do evangelho vendido atualmente associada a isso toda a dinamica do consumismo fruto da dinamica do capital onde tudo é adquirido de forma quase que instantanea, bastando para isso "ter fé". Desta forma, fé e capital se unem tendo Deus como legitimador do status quo e o fiel como aquele que deve consumir o melhor desta terra. (este tópico é interessante e talvez seja objeto de outro texto aqui no blog)
A meu ver, se uma igreja considera a proposta de excluir um membro, por qualquer motivo que seja, já evidencia o quão distante ela está da proposta cristã de "amai-vos uns aos outros", "suportai uns aos outros" e muito mais próximas da dinamica do "tirai dentre vós, o iníquo" (ou no caso, o infrequente, o problemático, o polemico, etc.) ICor: 5,13 que só faz sentido se dermos primazia à instituição e não ao membro. Prefere-se "passar de largo" como o judeu e o levita na parábola do bom samaritano do que parar e perguntar o que se passa com o membro, o porque ele está infrequente, o que o assola, etc. Enfim, ser igreja para o membro.
Mas o que torna tal dinamica possível e até mesmo necessária para a manutenção da instituição? A meu ver tal possibilidade só é viável quando a instituição é pensada como empresa e neste caso a ela se aplicará toda a dinâmica do capital que rege as empresas, isto é, o mais importante é o "bom funcionamento" da instituição, é saber se ela está dando lucro ou não, se os "clientes" estão satisfeitos ou não, tanto que não é raro vermos os líderes sendo "cobrados" por resultados, números de membros, receita que entra, que sai da instituição, enfim, o domínio implacável da dinamica capitalista, onde o trabalhador (neste caso o membro) é um mero meio para os objetivos da instituição. A desumanização passa a fazer parte desta dinamica e se torna o motor do status quo institucional que não medirá esforços para cumprir as "metas" propostas. Aliada a isso surge a legitimação metafísica que tenta fazer com que tudo o que acontece visando a dinamica do capital seja colocada sob a fórmula "é a vontade de Deus" tornando Deus o Grande Capitalista detentor de todo ouro e toda a prata e com isso o medidor de quão "abençoada" é a igreja será sempre o quantitativo quer monetário, quer de "sócios" filiados à determinada instituição.
E o que acontece quando de dentro da instituição surgem os que não se conformam com tal dinamica? Que questionam a teologia adotada? Que propõem mudanças estruturais ao invés de meros reparos estéticos? Que evidenciam a filiação da instituição com a dinamica do capital? Que propõem reflexões críticas visando mudar o status quo? O que deve ser feito com eles?
A meu ver a instituição deveria apoiar estes questionamentos, incentivar uma reflexão crítica, incentivar o repensar da fé que tem a característica de ser sempre viva e nunca estanque, que é fruto do espírito (que sopra como vento, isto é, sem forma, livre) e nunca petrificada, mas não é isto o que acontece, ao invés disso prefere-se condenar ao ostracismo quem se coloca como protestante tentando com isso limitar o campo da crítica para que ela não alcance outros e venham com isso a se levantar contra o status quo. Daí talvez vermos hoje uma igreja que na maioria das vezes não consegue traduzir as boas novas para o mundo contemporâneo e se vê fechada dentro de formulações que não dizem nada para um sociedade em constante mudança. E como não ver nesta rigidez institucional e na falta de credibilidade assumida pela instituição o grande número de "sem-igreja" que vemos hoje.
Diante disso vejo que a minha exclusão era apenas uma questão de tempo e a meu ver ela já deveria ter sido tomada há mais tempo, mas excluir um membro por contestações teológicas, institucionais, etc. soa muito mal para uma igreja evangélica, então é melhor que ele seja expulso por infrequência, assim a instituição se mantém "imaculada" e o membro como aquele que se desviou do caminho.
Eu, no entanto, sigo caminhando, e enquanto caminho penso e repenso o próprio caminho para que possa andar por ele em paz.
terça-feira, 3 de julho de 2012
Teologia da prosperidade e Espiritismo - Tentativa de uma sociologia da religião
"Acho bastante estranho o interesse midiático atual pela doutrina espírita...Gostaria de saber quais as razões desse fenômeno novo." (pergunta me feita via facebook)
"Conforme novo censo do IBGE, o Brasil com 3,8 milhões de espíritas é o país mais espírita do mundo" (retirado do site da IHU )
Religião e mídia sempre caminharam juntas desde que a mídia é mídia. Qualquer evento religioso que é coberto pela mídia é motivo de comentários de todos os lados, uns para criticar e exigir (mesmo que colocando de forma estranha a questão) o estado laico, outros vendo como "mover de Deus" o fato da religião (e neste caso, a evangélica) estar ganhando espaço em um terreno que antes não tinha tanto espaço assim.
Curiosamente, o meio evangelico tem ganhado espaço midiático principalmente na rede globo que tem todo um histórico de ser "contra" os evangélicos e fazia questão de ridiculariza-los em várias novelas, mas atualmente promove shows com cantores evangélicos e os patrocina em vários casos, nao me estranharia se dentro em breve a globo tivesse um programa evangelico nas madrugadas como a band, record, etc. Acredito que no caso especifico da mídia a questão seja meramente economica. Obviamente se perdia uma enorme fatia do mercado fonográfico e audiovisual ao deixar de lado a "religião que mais cresce no Brasil". Tal fatia do mercado tem que ser contemplada para que gere mais capital. E aqui vemos como que a questão religiosa é usada pelos interesses do capital.
Em relação ao espiritisimo, a globo sempre enfatizou a doutrina espirita em várias novelas, tipo "a viagem", "renascer", e tantas outras.. corria-se o boato de que tal enfoque espírita seria porque a família Marinho era espírita e por isso via nas novelas uma forma de propagar a doutrina espírita, o que no caso da globo, fazia isso ridicularizando as outras religiões em várias ocasiões.
O fenomeno desse novo "boom espiritualista" (e aqui estaria no mesmo bojo o espiritismo e o meio evangélico) pode ser remetido, a meu ver, ao período pós-guerra e o nascer do existencialismo. Como a ciencia com seus ideias positivista não foi capaz de "resolver" os problemas mais urgentes do ser humano, o vazio que a ciencia preencheria voltou a clamar por preenchimento, nessa esteira vemos o "renascer" de uma espiritualidade um tanto fragilizada (pois surge de uma tentativa de resposta imediata a um problema que não aceita tal tipo de resposta"), tanto que é nesta precisa época que surge o movimento neo-pentecostal em meados dos anos 70 como tentativa de lidar com essa "carencia" gerada por esse não-lugar.
Claro que a forma como isto foi feito não foi a melhor e isso vemos até hoje. A forma "imediatista" de lidar com o problema gera uma teologia também imediatista que em nada resolve a questão, e aqui falo da teologia da prosperidade com toda a sua "gangue" de defensores. Vemos um "perpetuar" de uma espiritualidade vazia, um sincretismo que procura "aganrinhar" todo tipo de pessoa a partir da assimilação das várias religiões brasileiras, afros e etc. Talvez daí podemos perceber também um ressurgimento da busca pelas culturas afrodescendentes tais como o candomblé, umbanda, etc. Afinal, venhamos e convenhamos que se for pra tomar um banho de arruda é melhor que se tome no centro de umbanda que dentro de uma campanha da IURD. Pra que procuraremos na cópia o que se pode ter acesso no original?
Claro que esta questão tem vários outros panoramas possíveis, mas acredito que no caso específico do meio protestante a coisa tenha caminhado por aí, e no caso do espiritismo a coisa teria a sua raiz também nesse espaço vazio deixado pela ciencia, só que no caso específico do espiritismo (onde a ciencia tem um papel maior) houve uma tentativa de se ligar a uma espiritualidade, mas sem se desvencilhar dos ideias positivistas da época de Augusto Comte e Alan Kardec, este a meu ver aliou um platonismo/órfismo a um positivismo e com isso surgiu o espiritismo que tem a grande vantagem de oferecer ao "homo cientificus" um contato com a espiritualidade sem abrir mão da "empiricidade".
Claro que o ideal espírita desta "empiricidade" é fonte de vários questionamentos e isso desde o início do século XX quando se tentava "provar" a existencia o Ectoplasma. Após a análise de Wittgenstein que propõe uma "separação" entre o discurso científico e do religioso tal foco espírita do início do século XX soa um pouco estranho a nós, embora a doutrina espírita no campo da práxis se mostra muito atuante ainda hoje em dia. Claro que há uma preocupação legítima por parte do espiritismo em continuar "dando razões da fé" que professam e isso a meu ver é muito vantajoso, agora no caso de uma "religião cientfíca" como pretendia Kardec, isso eu acho um pouco complicado de acontecer, afinal, como já nos mostrou Wittgenstein os campos e os discursos falam de coisas diferentes, e a experiencia religiosa não seria capaz de ser colocada em palavras e "sobre o que não se pode falar, sobre isso, deve-se calar" como diria o filósofo no final do Tractatus.
Vemos que a teologia da prosperidade e em parte o espiritismo visam preencher a lacuna deixada pelo discurso científico em um mundo pós-guerra. Pelo lado evangélico vemos este lidar de uma forma muito estranha e pouco profícua que acaba culminando em uma teologia da prosperidade com suas "respostas imediatas", mas que não respondem à pergunta geradora da atual crise da espiritualidade. Do lado do espiritismo vemos a mesma tentativa evangélica, no entanto focando em um "conciliar" entre religião e ciencia na sede de encontrar uma "religião-científica" que responda às necessidades do "homo científicus", no entanto sem dar conta de tal empreitada.
A pergunta pelo sentido da vida, do mundo, continua e cada dia mais a religião precisa ser repensada para que possa continuar tendo significado no mundo pós-moderno.
terça-feira, 12 de junho de 2012
Experiências celestiais
"A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça e a sua direita me abrace." Cantares 8,6
Um abraço pode ser muito mais que um simples gesto entre duas pessoas.
Ele diz muitas coisas sobre ambos.
A entrega dos abraços é algo tão bonito que chega ser necessário não pensar sobre ela.
Tem pessoas que dão abraços tão carinhosos, tão sublimes que o outro se sente ao mesmo tempo protegido e protetor.
Hoje recebi um abraço desse tipo. Era um abraço ao mesmo tempo tão simples, imprevisto, não planejado, que simplesmente aconteceu onde geralmente não ocorrem abraços.
Era um abraço tão carinhoso, tão honesto, tão bonito, que de tamanha beleza me fez querer continuar naquele momento eterno onde nada além do gesto importava.
Era um abraço de quem se entregava, mas ao mesmo tempo de alguém que me dizia ter um pedaço de mim, e que por isso eu poderia sempre contar com ele não importasse a situação.
Era um abraço firme, mas tenro. Forte, mas leve. Simples, mas carregado de sentido. Era um abraço como poucos.
Até eu que não sei abraçar tão belamente fui embriagado com o gesto tão puro expressado ali, antes da hora de ir embora pra casa. Abracei da mesma forma; como quem se entregava também, como alguém que confiava também, como alguém que precisava de apoio também, e lá ficamos por poucos segundos, sem palavras, sem sorrisos, olhos fechados, mas sentindo confortados por braços pequenos, mas que traziam uma mensagem muito grande.
O abraço durou poucos segundos, mas o gesto se constituiu como símbolo de algo que tende a durar pra sempre.
Experiencia celestial por excelencia por trazer a eternidade ao tempo presente.
E com esse abraço fiquei até agora.
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Processo descritivo - 29 anos
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Pós-Teísmo e honestidade Teo-Filosófica
Toda filosofia tem que ser honesta consigo mesma. Não se pode apenas "fingir" que se questiona, fingir que se está colocando algo em dúvida porque isso compromete o filósofo e a filosofia. Qualquer filósofo que se preze estará disposto a colocar as suas mais profundas crenças em xeque em algum momento de sua vida. Este colocar em dúvida em nada o afasta de suas crenças enquanto estão sendo elaboradas, muito pelo contrário, várias vezes, estas dúvidas servem para que de alguma forma um firme fundamento seja encontrado. Mas não um fundamento vindo de fora, mas de dentro, entranhado no mais profundo da alma e do intelecto. Se no final do percurso (se houver algo nesse sentido) a crença primeira for negada, isso em nada é um prejuízo, mas sempre um ganho para o filósofo e para a sociedade.
Geralmente aceitamos estas conclusões quando em nada é afetada as coisas que tomamos como as mais importantes, as que são indiferentes para nós. Pode-se debater o "Ser", o "Nada", se existe de fato vida em outros planetas, etc... Coisas que a maioria achará até interessante, mas no fundo tem para si que estas questões são meras "viagens filosóficas" e devem ser admiradas por ser uma tentativa intelectual que poucos estão dispostos a fazer.
Agora, quando se questiona o que é fulcral para os outros, aí a situação muda completamente de figura. O método filosófico, a honestidade filosófica deve ser abandonada pois se está querendo tocar o "intocável". Como se existisse algo intocável para o pensamento.
Recentemente quando me propus a pensar a questão de Deus fora de uma estrutura teísta, vivi exatamente esta situação. É como se esta questão de Deus não pudesse ser questionada, como se o cristianismo em sua construção histórica não pudesse ser colocada em xeque na busca de uma fé autentica. Como se "fé autentica" fosse sinonimo de "fé heteronomica", como se fosse possível uma fé que não esteja disposta a pensar sinceramente sobre estas questões. Como se fosse possível uma fé que fosse meramente passiva diante da "revelação" do texto. Como se o dogma fosse mais importante que a reflexão sobre ele. Não nos esqueçamos que foi a própria reflexão que possibilitou o dogma e não o contrário.
A tentativa de resignificação de Deus para além de uma estrutura teísta não é ateísmo, mas uma tentativa de um pós-teísmo. Não é uma negatio Dei, mas uma affirmatio Dei.
Para quem não sabe, há 3 formas consagradas de se falar sobre a ação de Deus no mundo. Há o deísmo que em linhas gerais afirma que Deus criou o mundo com suas leis naturais e deixou que ele seguisse seu caminho não interferindo nele.
Há o teísmo que em linhas gerais afirma que Deus criou o mundo e interfere neste mundo de acordo com sua vontade.
E há o ateísmo que na sua elaboração mais simples nega a existencia de Deus enquanto criador.
A tentativa de um pós-teísmo parte da tentativa de resignificar o que se entende por Deus e desvinculá-lo da idéia de Ser, e passar a tomá-lo a partir da noção de Sentido. (Claro que não dá pra explicar esta desvinculação neste texto, mas sugeriria a quem interessar, buscar os textos de Bonhoeffer, Paul Tillich, Schilebeeckx entre os teólogos, e Feuerbach, Heidegger entre os filósofos para situar a discussão)
Para além do teísmo, mas não para além de Deus para usar a expressão do John Shelby Spong.
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Sobre opressão no trabalho
Pensando outro dia sobre algumas relações de trabalho me veio a mente algumas considerações que transcrevo.
Muito curioso como a ética do "dever ser" sempre recai sobre o proletariado nas relações de trabalho. O proletariado "deve ser" comprometido com o trabalho "deve ser" zeloso por isso e por aquilo, mas esta responsabilidade e este cuidado nunca recai sobre quem está na "direção" do departamento ou repartição. Sobre estes o "deve ser" perde seu caráter de "moralidade" e passa a ser apenas "instrução" ou "sugestão" do como seria bom se fosse dessa forma. O que isso gera? No pior dos casos, apenas a insatisfação do proletariado; no melhor dos casos uma revolta do proletariado para que esta situação mude. O porque da recorrencia da primeira e não da segunda proposta pode estar no fato do próprio desinteresse do funcionário quanto ao melhoramento de sua condição no local de trabalho.
Como o trabalho aparece a esse indivíduo como algo estranho a ele, por que se preocupar com as constantes restrições à sua liberdade? A questão que parece urgir e que geralmente não é colocada é o porque ele não se preocupa mais nem mesmo com a restrição de sua liberdade? A sua condição já está tão desumanizada que nem mesmo a supressão da liberdade de expressão, de ir e vir, de se vestir é visto como problema.
Sobre este indivíduo tão desumanizado pelas relações opressivas de trabalho não tem como haver uma "cobrança moral", afinal, a moralidade é uma característica humana, e até onde sabemos, apenas os homens são capazes de uma atitude moral dada a racionalidade que lhe é inerente. Aplicar a ética do "dever ser" sobre este ser tão desumanizado é a mesma coisa de exigir de um macaco um comprometimento com sua jaula em um zoológico. Obviamente não haverá tal comprometimento, no primeiro momento que ele tiver a oportunidade de sair de lá, ele sairá.
Ao mesmo tempo que há uma insatisfação por parte do funcionário há uma assimilação do discurso opressivo como se fosse um discurso próprio. É comum vermos o funcionário assimilando práticas opressivas e corroborando tais práticas fazendo cobranças que ele não deveria fazer se tivesse ciência desta dinamica opressiva.
A dinamica se dá mais ou menos da seguinte forma: A chefia solta uma ordem opressiva, sem sentido. O proletariado acata esta ordem sem questionamento, (afinal, não se interessa por aquilo que faz, não se vê como parte da instituição) esta ordem é assimilada pelo proletariado como sendo uma ordem sua que passa a ele mesmo exigir dos outros que a ordem opressiva seja obedecida por todos. Nesta dinamica, ao invés de lutar contra a ordem, ele se mostra um disseminador da mesma.
Outro fato problemático é que a própria chefia não se vê também participante dessa mesma dinamica opressiva e passa a oprimir os subordinados com a opressão que a assola. O suposto poder conferido lhe aparece como possibilidade de "decisão" que o engana ao ponto de achar que ele detém o poder quando na verdade não passa de joguete nas mãos dos superiores. A dinamica opressiva vai tanto em via ascendente (tendendo a diminuir nos maiores níveis hierárquicos a ponto de várias vezes aparecer como "sugestão" ou "instrução") e em via descendente (tendendo a aumentar nos níveis mais baixos), no entanto todos acabam sendo oprimidos de uma forma maior ou menor. A chefia então executa a mesma dinamica descrita acima. É comum ouvirmos discursos vindos do chefe que dizem "eu só cobro de voces porque sou cobrado também."
E quem é o grande opressor? A partir de Marx e eu tendo a concordar, o grande opressor é o sistema capitalista que exige este tipo de opressão para que a máquina funcione. A empresa (local onde o individuo trabalha) acaba exigindo no micro o que o sistema como um todo exige no macro. Sob seu domínio se encontram todos estes indivíduos citados acima. Claro que a relação entre o sistema capitalista e a opressão é algo que não dá pra explicar aqui, mas fica o apontamento desta relação.
O que fazer para que o círculo opressivo se quebre? A meu ver é preciso haver um esclarecimento tanto por parte do "proletariado" quanto por parte da "chefia" da dinamica opressiva perpetuada em suas práticas. Depois do esclarecimento é preciso haver uma luta para que esta situação mude, para que as relações sejam mais humanas e humanizadoras, uma mudança não apenas material, mas estrutural. A tendencia a encarar a mudança apenas de forma material ( a partir de melhora de salário, condições de trabalho melhor, etc) acaba por perpetuar a mesma condição desumanizadora só que agora colocando "flores sobre as correntes" . Daí a necessidade de uma mudança estrutural, não apeans material. A partir desse momento talvez seja possível falar novamente em homens trabalhando, uma vez que o trabalho não será mais feito apenas pela via opressiva, mas será expressão do homem que age em liberdade.
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Sobre a Bíblia

Quando vejo uma imagem como esta a várias coisas passam pela minha cabeça. Desde o mau uso da imagem, como ao mesmo tempo a indiscutível frivolidade da nova espiritualidade pós-moderna.
Curiosamente, vemos constantemente posts no facebook sobre a bíblia, sobre o fato de Deus nos amar acima de todas as coisas, o fato do fulano de tal amar a Deus sobre todas as coisas, mensagens de "Jesus te ama" a todo o momento, o que nos leva a pensar o quanto a imagem de Deus, e ao mesmo tempo a idéia de Deus perpassa no imaginário das pessoas.
Curiosamente, mesmo permeada por todos os cantos com falas, hinos, preleções sobre Deus, a sociedade pós-moderna em sua maioria pensa muito pouco sobre Deus. Cada vez mais vemos como que a profecia de Bonhoeffer se cumpre em nossos dias. Deus se transformou em "muleta psicológica" a quem se clama quando as coisas não estão bem, quando se quer ir bem em uma prova, ou tem alguém doente, uma espécie de gênio da lâmpada a quem é só pedir que ele está pronto para atender os desejos.
Dificilmente encontraremos alguém que consiga pensar a idéia de Deus afastado da idéia de pai, afastada de uma idéia metafísica ou algo para além da tradição ortodoxa. Dificilmente encontraremos alguém dentre os milhares de posts no facebook que consiga explicar sistematicamente alguma das doutrinas fundamentais da fé crista, tais como redenção, salvação, sacramento, dentre outras questões do gênero.
Ao invés de uma tentativa de fundamentação da fé, sucumbe-se ao discurso neo-pentecostal de uma "experiência com Deus" que seria mais que suficiente para resolver todos os problemas da vida do indivíduo. É evidente que a "experiência de Deus" é importante para todo aquele que crer em Deus, afinal se crer sempre no Deus que é experienciado pelo sujeito, no entanto, a "experiência de Deus" sempre devolve o homem para o mundo da vida e não encerra o homem em um êxtase sem sentido de onde ele sai o mesmo, sem fazer diferença pra ninguém.
Vemos isso na experiência de Jesus com o Gadareno descrito em Marcos 5, que depois de liberto insiste pra ficar com o Cristo, mas é enviado de volta ao seu povo, da mesma forma a experiência da transfiguração (Mt 7: 1-8, Mc 9: 2-8, Lc 9: 28-36) em que Pedro no afã do momento quer permanecer por lá, armar tendas, esquecer do mundo, mas é interrompido e levado de volta ao povo.
Ao colocar a bíblia como uma arma de fogo o que se vê é ao mesmo tempo uma enorme ignorância do que a Bíblia seria e ao mesmo tempo permite uma apologia a violência e a intolerância digna de repudio. Afirmar que a bíblia é uma arma que resolveria todos os problemas pela simples utilização da mesma chega a ser vergonhoso. A dinâmica da imagem remete aquilo que os cristãos deveriam combater e não legitimar.
Volta-se ao princípio das cruzadas, onde todo aquele que não crê como os cristãos devem ser mortos ou aniquilados pela palavra, como se ela fosse uma espécie de manual que deve ser seguido independente da cultura. A visão clássica que se tem da bíblia é de que ela é a palavra de Deus e por isso o texto revelado deve ser seguido, pois esta seria a vontade de Deus para todo homem. Eu não creio assim. Creio que o texto bíblico é um texto escrito por homens que almejavam dizer quem era o Deus que eles acreditavam ser o verdadeiro Deus. Mas este relato é incompleto, culturalmente determinado, visto de apenas um ponto de vista. O Deus da bíblia é o Deus dos homens da Bíblia, é o Deus visto por quem escreve.
Da mesma forma que se produziu a Bíblia, se produziu o Alcorão, os Vedas, os Upanishads, o bagavad gita, todos eles produzidos por homens que tentavam expressar suas experiências com o seu Deus, o que eles acreditavam que "criou os céus e a terra", "estabeleceu os fundamentos", "fundamentou a vida". São homens tentando entregar o que eles receberam.
A proposta de Karl Rahner do existencial fundamental se coloca aqui de forma muito contundente. Rahner coloca que aquilo que Feuerbach diz ser objetivação humana, só o é porque Deus colocou esse anseio no homem. No entanto, este "anseio por Deus" deve ser entendido não como algo fechado, exclusivo de um povo, mas como uma abertura para o sentido da existência que permeia o homem.
Deus então não é visto como um ser para além de nós que está pronto a nos atender numa relação infantil entre pai e filho, mas é visto agora como sentido, abertura para uma existência autentica. A Bíblia compreendida como essa tentativa humana de dizer Deus nunca pode ser uma arma que deve ser apontada em direção a quem não crê nela, mas deve ser vista como um diário de homens que procuraram dizer aquilo que eles experienciaram de forma autentica.
O canto do salmista "Oh Deus, tu és o meu Deus" (Sl 63:1) talvez deva ser entoado, mas agora com a consciência de que Deus é sempre o meu Deus, o Deus como o vejo, o Deus como fui ensinado culturalmente e não o único Deus. Há tantos deuses quantas culturas, e sobre eles não recai o conceito de verdadeiro ou falso, mas recai o conceito de esperança ou desesperança, sentido ou anomia.
Se compreendemos a Bíblia como uma tentativa humana de revelar o Deus acreditado por estes homens que escreveram o livro, isso é capaz de nos colocarmos diante desse Deus revelado de forma adulta, i.e, de forma a possibilitar que esse Deus não seja simplesmente uma "muleta psicológica", mas seja visto como um sentido que os homens buscam, e ver que Ele se revela a partir dos próprios homens.
A via não seria de mão única como quer a ortodoxia por um lado ( o texto revelado por Deus e ditado aos homens) e Feuerbach por outro ( O texto como produção humana, e Deus como objetivação de uma essência humana), mas seria uma via de mão dupla, onde o que o homem revela no livro é uma tentativa de expressar algo que estaria para além dele, existente ou não. O homem tentando encontrar um sentido e um sentido se apresentando ao homem a partir da vivencia de outros homens.