sábado, 15 de junho de 2013

A igreja evangélica em Belo Horizonte e os protestos no Brasil



Observando toda a onda de manifestações que estão acontecendo no Brasil contra o aumento das passagens do transporte público, contra a corrupção, contra a violência, a insegurança e tudo que tem assolado o Brasil em seus 513 anos de existência me deparo com algo muito interessante. As diversas manifestações trazem consigo um sentimento  de união em torno de uma causa comum. É como se desde 1992 com o Impeachment de Collor esta união se manifestasse apenas durante os jogos da seleção de futebol ou volei, em torno de algumas competições esportivas esparsas, mas agora não mais. O povo se une em nome de causas que afligem a todos, interferem na vida de todos  sobre as quais não dá mais para se calar. Talvez o grito engasgado de vários brasileiros tenha conseguido sair e os protestos que começam a acontecer sugerem que mudanças drásticas estão para acontecer.

No entanto, algo muito curioso me espantou. A igreja evangélica não se pronunciou, não apoiou, não se fez ouvir, não comentou em hora nenhuma sobre os diversos protestos que vem acontecendo. Entrei no site das igrejas evangélicas mais "famosas" de Belo Horizonte tais como a IBL (Igreja Batista da Lagoinha), IBG (Igreja Batista Getsêmani), Sara Nossa Terra e em nenhuma delas há nenhum tipo de mensagem, nenhum tipo de análise sobre o que vem acontecendo no país. Este fato nos mostra um pouco da face da igreja evangélica em Belo Horizonte.

Em grande parte uma igreja que se omite de sua função social, uma igreja narcísica que olha apenas para si mesma. Enquanto diversas coisas acontecem na cidade, diversos protestos, diversas mudanças, é como se a igreja se sentisse "fora do mundo". É como se ela estivesse preocupada apenas em manter o seu próprio status quo. Em seus sites vemos apenas notícias de acampamentos, retiros espirituais, programação nos templos e coisas que dizem respeito apenas a si mesma.

Uma igreja que não dialoga com o mundo é uma igreja que não tem sentido para existir. Interessante é que se voltarmos um pouco no tempo e pegarmos o texto bíblico veremos que todos os exemplos para a igreja cristã se posicionaram sempre a favor dos oprimidos e dos que não tem parte na Terra. Poderíamos citar o exemplo de Jesus que expulsa os cambistas do templo, denunciando toda a corrupção que ali habitava. Ao invés de se retirar do mundo, procurar outra sinagoga onde ir, Jesus se colocou como aquele que luta contra aquilo que estava errado, luta contra a corrupção praticada diante dos seus olhos. Outro exemplo que temos são os próprios profetas durante os reinados dos diversos reis de Israel e Judá. Jeremias, Ezequiel, Elias, todos eles denunciavam o abuso de poder dos governantes, se envolviam na luta pelo direito dos pobres, dos órfãos, dos que são maltratados, etc.

Em todos os exemplos bíblicos não há um que tenha se afastado, que não tenha se posicionado diante da situação que afligia o povo. No entanto, hoje as igrejas evangélicas se colocam à margem de toda a onda de protestos. Elas não se posicionam, não apoiam, e isso é algo preocupante. Todos os exemplos bíblicos nos incita a posicionarmos enquanto cristãos.

Qual a função desta igreja que não se coloca como defensora da causa do oprimido, mas se coloca como aliada de um sistema repressor? Qual a função dos pastores que supostamente deveriam "conduzir" o povo rumo ao esclarecimento, mas ao invés disso obscurece sua audiência em nome de uma metafísica onde o céu deve ser buscado e a Terra pouco interessa para o "peregrino em terra estranha" ?

Os exemplos bíblicos nos dizem completamente o contrário. Lutar contra as estruturas repressoras deveria estar na ordem do dia das igrejas evangélicas. De que adianta realizar os cultos normalmente enquanto o mundo fora do templo sofre? Ouçamos as palavras de Tiago que nos diz "E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? " ( Tiago 2: 15,16).

De que adianta realizar seus cultos, fazer suas orações, clamar para que "Belo Horizonte seja do Senhor Jesus" se na hora de lutar contra a opressão a igreja evangélica se omite de sua função? Algo que aprendi muito cedo é que Deus nunca vai fazer aquilo que o homem deve fazer. Assim como no exemplo de Lázaro que Jesus diz: "Tirai a pedra" para que o milagre fosse feito e Lázaro pudesse ser ressuscitado, tem uma parte que cabe ao homem fazer. Obviamente Jesus poderia ter mandato a pedra sair da frente do túmulo e depois realizado o milagre, mas optou por incluir aqueles que estavam ali, e para isso, os que estavam ali precisavam fazer a parte que lhes cabia no processo. 

O discurso de que "Deus está no controle" não serve para isentar os cristãos de sua participação contra as estruturas repressivas. A agressividade é uma faceta natural do ser humano e cabe a ele saber utilizá-la em nome da justiça, do amor. A agressividade usada desta forma é vista nos profetas, no próprio Jesus de forma que seria possível pensar em uma "teologia da violência". Violência aqui entendida não como gratuita, não como vandalismo, mas como agressividade que se coloca em nome do amor e da justiça. Esta justiça, este amor não em nome de si próprio, mas sempre em nome de um outro. Uma violência que se justifica em nome de melhores condições de existência, que faz uso da agressividade para lutar por justiça. (Este ponto aqui carece de mais esclarecimentos que não tem como explicitar neste texto, mas é algo interessante a ser pensado)

Da mesma feita, é preciso que a igreja evangélica se posicione diante dos acontecimentos, e faça voz pelos que não tem parte na terra, pelos que são oprimidos diariamente por um sistema repressor. Que a igreja seja uma das que luta, uma das que se manifesta, uma das que agremia pessoas para a causa e vá a luta por um mundo melhor, por fazer vir a nós o reino de Deus que é um reino de paz, justiça e amor.


sexta-feira, 14 de junho de 2013

Sobre Vasti




Outro dia estava pensando sobre Vasti, a esposa do rei Assuero descrito no texto bíblico como uma mulher muito formosa e que se recusa a cumprir uma ordem do rei durante uma festa. O rei, muito furioso e ouvindo o conselho dos seus conselheiros, abre uma espécie de concurso para que outra mulher assuma o lugar de Vasti. Depois disso nada mais se fala sobre ela.  Esta história está descrita no primeiro capítulo do livro de Ester.

O que me chamou a atenção é que o ato de transgressão de Vasti a fez perder seu lugar de companheira do rei Assuero, que na época seria o rei mais poderoso da Terra. O texto bíblico não diz o porquê Vasti se negou a ir à presença do rei, mas fala apenas que ela se negou. Isso com certeza espantou a todos na festa e aí está talvez a coisa mais interessante deste pequeno relato.

Vasti se colocou contra todo o status quo da época que ditava que a mulher deveria fazer o que o homem mandasse, e no caso do rei, sob penas severas. (o que no caso de Vasti foi a expulsão da convivência com o rei). Esta postura fica clara a partir da fala dos próprios conselheiros que ficaram com medo de que o exemplo de Vasti fosse seguido por outras mulheres e a partir daí viesse a desordem, a bagunça, a falta de controle por parte do homem.

Vasti é colocada pelos príncipes como um mau exemplo a ser seguido e os príncipes fazem de tudo para impedir que tal coisa aconteça. Esta história é interessante uma vez que trata de um ato de protesto feminino frente a dominação e ao modo como as coisas aconteciam no império de Assuero. Ao se colocar contra a ordem do rei, Vasti dá voz às outras mulheres; i.e, o ato de Vasti a coloca como transgressora e como modelo.

Vasti se coloca como um sujeito que escolhe e não apenas que obedece. O ato de Vasti nos leva a pensar que várias vezes a transgressão  precisa ser feita para que a sua voz seja ouvida. E esta transgressão às vezes será feita contra uma figura de autoridade, que no caso específico seria autoridade tanto política quanto familiar. Vasti vai contra o rei e contra o marido. Ela está disposta a lutar contra a ordem do rei e ao mesmo tempo contra a ordem do "chefe da casa". A transgressão de Vasti adquire um caráter político que faz surgir a necessidade de uma nova promulgação real. Este ato jamais aconteceria se Vasti se visse como "apenas mais uma entre mulheres e concubinas". Foi preciso que a condição de sujeito aparecesse para que ela se colocasse como alguém capaz de negar um desejo da autoridade. Este ato a coloca como livre e não submetida a ninguém a não ser ela mesma. O ato transgressor de Vasti a liberta da dinâmica do palácio e implica em uma nova época no reino de Assuero. Há toda uma mobilização posterior para que se escolha a nova rainha que reinará no lugar de Vasti.

Hoje em dia várias manifestações estão em voga. A luta contra o status quo, a luta pelos direito das mulheres, homossexuais, etc. tudo isso aparece na pauta do dia e cada vez mais outras demandas vão surgindo, o que nos leva a pensar e repensar diversas posições que adotamos.
O que aprendemos com Vasti é que é preciso coragem para se levantar contra o status quo, mesmo que isso gere conseqüências que a princípio nos serão danosas, mas que não podem deixar de serem feitas e depois nos mostra que a mulher pode e deve exercer o seu papel em nome de sua própria liberdade, se fazendo ouvir e se colocando como sujeito que não apenas se submete, mas que luta por aquilo que acredita ser correto.

Ainda hoje vivemos em um mundo extremamente machista onde a mulher é tratada de forma diferente do homem em diversos aspectos, tanto socialmente, economicamente, etc. No entanto, acredito que Vasti seja um bom exemplo de como é possível às mulheres se fazerem ouvidas, e isso a  partir do protesto, a partir da tomada de posição frente ao mundo tão machista em que vivemos. Questões em relação ao próprio corpo, em relação ao direito de gerirem o seu tempo, de fazerem ouvidas e tantas outras demandas atuais.

Que o ato transgressor de Vasti possa servir de exemplo para os nossos dias em que o reino de Assuero se mostra cada vez mais opressor, e o assujeitamento se mostra cada dia mais veemente. Que tenhamos a consciência de que o ato de uma pessoa tem muito valor para a mudança do status quo, e que aprendamos com Vasti que nos mostra que às vezes é preciso se colocar contra o opressor para que a liberdade seja adquirida e a dignidade mantida.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

30 anos - Um olhar para frente e um olhar para trás





Ensina a contar os nossos dias para que alcancemos corações sábios, já clamava o Salmista. (Sl 90:12)
Eu exalto a alegria (Ec 10:15)
É bom estar no mundo. (Irmãos Karamázov p. 585)

Para mim, todo aniversário meu é um momento para olhar para trás e tentar fazer uma retrospectiva das coisas que aconteceram no ano que passou. Não digo que sempre consigo fazer isso, mas sempre bate aquela nostalgia de que mais um ano se foi, de que mais experiências adquiri; um olhar para o passado como quem procura traçar uma espécie de itinerário percorrido até o momento.

Procura às vezes vazia de sentido, mas muito no espírito daquilo que o salmista nos conclama a fazer.
Este aniversário ainda tem um quê de especial, afinal completo 30 anos. Não apenas mais um ano que passou, mas talvez o início de uma nova fase.

Eu sempre tive a sensação de que aos 30 a pessoa pode dizer de fato que é "adulta". Ela não é mais simplesmente um "jovem". Claro que ela pode ser um "adulto jovem", "jovial", etc, mas a idéia que sempre tive é que os 30 anos marcam uma fase na vida do indivíduo que o coloca no "mundo dos adultos". Pode ser que não faça sentido nenhum isso que falo aqui, mas sempre tive esta sensação, e agora que chego a esta idade, esta sensação bate com mais força.

Posso dizer que me sinto satisfeito com o que consegui fazer até agora com minha vida. Não só do ponto de vista econômico, familiar, escolar, etc, mas feliz comigo mesmo. Satisfeito com o como as coisas estão caminhando.

Tenho tudo o que preciso para ter um coração grato. Chego aos 30 em paz comigo, bem resolvido com várias coisas, almejando outras, mas sem planos mirabolantes.

Voltando ao salmista, sempre me perguntei pelo o que será que ele queria dizer com "contar os nossos dias"?

Hoje, já penso que a proposta do salmista é que saibamos contar não apenas como quem enumera os dias, afinal isso faria muito pouco sentido, mas como quem narra seus dias. Ao narrarmos os nossos dias, somos obrigados a olhar para trás, somos forçados a trazer à memória as nossas experiências, os desejos realizados, os fracassos, somos novamente envolvidos em nós mesmos em uma dinâmica que nos leva a olhar para nós e nos envolvermos novamente conosco.

Como todo aquele que narra traz consigo algo de si, assim também nós ao contarmos os nossos dias somos convidados a nos rever, e talvez por isso a conclusão seja o alcance de "corações sábios".  Um exemplo muito legal que teríamos seriam os próprios mitos. São narrações que procuram dar sentido ao mundo, colocar ordem diante do caos, dar uma lente para que possamos enxergar as coisas. Estas narrações falam talvez mais de quem enuncia do que de qualquer outra coisa. O mito nos convida a sairmos de nós mesmos, em tentar entender o mundo que nos rodeia, mas tudo isso pelo poder narrativo, o poder da palavra.

O "contar os dias" ainda pressupõe uma consciência ciente da passagem do tempo. Em um mundo que muda cada vez mais rápido, onde somos incitados à idéia de que viveremos para sempre bastando para isso estar "atualizado" das novas tendencias, num constante renovar de si mesmo pela moda, ou pela música, ou qualquer novo produto que se apresenta, a consciência de que os dias estão passando vai-se perdendo. Cria-se a ilusão de que se pode ser "forever young", ou que se pode se esconder da dinâmica do tempo por meio dos diversos produtos oferecidos. Uma tentativa constante de escapar da morte por meio de um "excesso de gozo". Tentativa fracassada  de subir ao Olimpo, ou voar como Ícaro. Fracassada pela própria dinâmica da vida que tem por definição um fim do qual não podemos escapar por mais que tentemos adiar.

A consciência da morte nos leva a valorizar mais a vida, mas quando a morte é "esquecida", a vida se perde em um mero "viver-na-busca-de-um-gozo". A consciência do tempo nos faz olhar para o futuro, nos faz perceber que a cada dia que passa a morte se aproxima de nós, pois nós caminhamos em direção a ela a cada momento que passa. Os dias que passam tem fim, e esta consciência nos faz valorizar ainda mais o tempo que nos resta. Nos incita à alegria, ao buscar uma vida que tenha sentido para além do mero acúmulo de dias...

Chega a ser piegas dizer que "somos aquilo que nossas experiências fizeram de nós", mas acredito que somos aquilo que nós fizemos com aquilo que as experiências fizeram de nós, ou seja, não somos passivos diante das experiências que nos moldariam da forma como elas quisessem, somos antes de tudo ativos, livres para dar um sentido positivo ou negativo às diversas experiências pelas quais passamos. Este sentido é dado por nós mesmos no decorrer da caminhada que percorremos.

Dessa forma, olho para trás nestes 30 anos de existência e me vejo em um bom lugar. Tenho uma família maravilhosa, amigos maravilhosos, pessoas com quem me importo e se importam comigo de forma inefável. Isto para mim é extremamente significativo e tenho muito o que agradecer por isso.
Chego aos 30 bem consciente de várias limitações minhas, consciente de que não posso fazer tudo o que gostaria, de que abrir mão das coisas não é sinal de fracasso, isso eu penso ser de um ganho enorme para a minha vida e para quem me rodeia.

Ao mesmo tempo olho para frente, tendo a consciência de que posso alcançar várias coisas que ainda não alcancei, posso viver várias coisas que ainda não vivi, mas tendo em mente que o puro gozo por si só não satisfaz o desejo de sentido que em mim habita. Olho para a frente, mas tendo a consciência de que nada dura para sempre, de que a morte se impõe a todos de forma inexorável.
Mas sabendo do fim ao qual todos estamos destinados, busco viver a vida de forma que ela possa ser inefável por tamanha beleza.

Bons 30 anos vividos até aqui. Que venham os próximos 30 , e depois os próximos 30.


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Um vazio ...







E como representar o vazio? Nele cabe todas as coisas, mas o que nos mostra é tudo o que nele não há. Talvez esta seja uma boa analogia do nosso homem contemporâneo. Sempre impelido a ser alguém de sucesso, a ter as coisas a ser autêntico. Tudo isso para esconder talvez este vazio que o habita e que a cada dia mais vem à tona. Tentativa desesperada de encontrar amparo no trabalho, no lazer, nas tarefas diárias, afinal quanto mais se mantiver ocupado menos tempo sobrará para tentar lidar com a tela em branco. Nesse sentido faz coisas. Coisas sem sentido para ele, coisas que são meramente meio para outro fim uma vez que o fim último se foi. Nenhum télos, nenhuma referência. Nada pelo qual possa lutar a não ser manter a sua própria existência vazia. 

Um homem atormentado por dentro e por fora, mas sem escape definitivo, afinal quando se perde o norte é difícil dizer para onde se segue. É um homem "desbussolado" para usar a expressão do Lipovétsky. Nada o atrai, mas ao mesmo tempo tudo o que é novo é passível de ser exposto na tela em branco. A adesão ao novo aparece como oásis em meio ao deserto de sentido. Sem nada além dos objetivos imediatos para lutar o novo sempre se faz necessário e dessa forma  paradoxalmente tudo o atrai. Daí talvez a adesão maciça diante de qualquer "movimento". Quer seja a favor da maconha, causa LGBT, feminismo, etc tudo servindo a propósitos, sonhos provisórios facilmente realizáveis e da mesma forma facilmente substituídos por outros assim que aqueles se tornarem "velhos". 

Tal vazio se manifesta em praticamente todas as áreas da vida do nosso homem contemporâneo. Os relacionamentos não escapam disso. Diante da constante necessidade do novo para preencher o vazio que o assola e o faz cair em um dinâmica altamente narcísica o encontro com o outro também se torna desnecessário, ou se necessário, apenas como instrumento para se obter algo. Nenhum compromisso mais sólido, nenhuma "aderência" às relações. Todas elas podem ser facilmente descartadas à medida que não suprem mais a demanda. A tensa dinâmica que envolve se relacionar de fato com o outro é facilmente rechaçada pois este outro se torna "algo a mais a se preocupar" e ao mesmo tempo é fator de "privação do gozo". Gozo este buscado avidamente em todas as situações, de forma que se torna praticamente impraticável sofrer por algo. Ao invés do sofrimento busca-se outras formas de gozo, pois sofrer é perder tempo na dinâmica atual.  É facilmente visto como que a lógica do acúmulo se apropria até mesmo dos relacionamentos. Esse outro não-necessário apenas faz com que o sujeito se volte cada vez mais para si tornando a coisa um grande ciclo. Toda dimensão do outro é suprimida, engolida pelo Eu de forma que no final aparece apenas Narciso com todo seu esplendor. 

E assim nosso homem contemporâneo segue, se enchendo de coisas sem se preencher de sentido.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Περὶ Ἑρμηνείας*

Republicado pois o Blogger apagou tal texto.


http://www.gocomics.com/peanuts/2011/10/02/

Aprendamos com Linus, para que quando formos falar de algo bíblico, não usemos textos isolados na tentativa de fundamentar nossas convicções. A idéia de Lutero de "Sola Scriptura" não significa "sola mea scriptura".

* Περὶ Ἑρμηνείας,(Peri hermeneias) significa "da interpretação" título de uma maravilhosa obra de Aristóteles. E ao contrário do que talvez gostaria Ricouer, não pressupõe a existência de um "espírito" a ser encontrado no texto durante o trabalho de interpretação.




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Postado por fabiano veliq no Veliq Fil em 10/02/2011 07:44:00 AM

sábado, 30 de março de 2013

Feliz Páscoa



A páscoa é talvez a data mais importante para o Cristianismo, afinal ela celebra a ressurreição de Cristo que possibilitou a salvação de todo aquele que crê. A páscoa é uma das festas judaicas assimiladas pelo Cristianismo. Em meio a toda a dinâmica atual do consumo que faz da páscoa apenas uma data comercial no intuito de vender ovos de chocolate acho importante relembrar o real sentido e origem desta festa. 

Como a maioria deve saber, a prática de dar ovos de presente é bastante antiga e antigamente as pessoas se presenteavam com ovos pintados, ovos de ouro, etc, até que com os espanhóis na América maia/asteca desenvolveu-se a prática de fazer ovos de chocolate para presentear uns aos outros. No entanto, a páscoa não tem nada a ver com ovos, mas tem a ver com a história, a escravidão, a libertação.

A páscoa judaica celebra a saída do povo do Egito liderados por Moisés descrito no livro do Êxodo. A páscoa celebra esta memória. 

Enquanto o povo estava preso no Egito, Deus enviou as 10 pragas. Moisés havia falado ao povo de Israel para que aos 10 dias daquele mês o povo tomasse um cordeiro e o reservarssem para que no décimo quarto dia eles o  sacrificassem e o comessem.

Depois de comido o cordeiro, o sangue dele deveria ser aspergido na porta. O cordeiro deveria ser comido com ervas amargas e pães ázimos. Naquela noite aconteceria a última praga que seria a morte de todos os primogênitos, cuja casa não estivesse com o sangue de um cordeiro na porta. O povo de Israel fez conforme a ordenação dada por Moisés, e na noite em que o "anjo da morte" passou sobre o Egito, toda casa que tinha o sangue na porta foi poupada, enquanto a casa dos egípcios que não tinham colocado o sangue na porta teve o primogênito morto. Após este ocorrido o Faraó libertou o povo que andou pelo deserto até à terra prometida. Deus ordenou ao povo que isso fosse sempre lembrado, como "estatuto perpétuo" para lembrar ao povo da libertação que Deus lhes proporcionou naquele dia. O pão ázimo lembra o sofrimento enquanto o cordeiro lembra a salvação. 



A páscoa cristã é entendida como sinal da redenção que Deus deu aos cristãos. Na páscoa, celebramos a ressurreição de Jesus que, com isso, redime o homem do pecado, dando a este a possibilidade de se achegar a Deus de forma direta, sem intermédiarios.
Assim como o cordeiro era imolado na páscoa judaica e comido com ervas amargas (como lembrança ao povo de Israel sobre o tempo que passou no Egito como escravo), o cordeiro de Deus foi morto em meio a sofrimento, para libertar os homens do pecado. Cristo, ao se sacrificar por todos, apagou essa exigência da imolação de um animal para que o pecado fosse perdoado. Se antes, para todo pecado cometido era preciso que um animal fosse sacrificado, Cristo substitui a necessidade deste sacrifício se colocando como cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo por meio de seu sacrifício (Jo 1:29). Sacrifício último, vicário, uma vez que é o próprio Deus que morre para que tenhamos vida. Com o sacrifício de Jesus, temos acesso direto ao pai.
Depois de três dias, Cristo ressuscita dentre os mortos, vencendo a morte e possibilitando a todos a esperança da ressurreição no último dia. A ressurreição é celebrada porque é por meio dela que a salvação é possível. Nas palavras de Paulo, "E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé." (1 Coríntios - 15:14). A ressurreição de Cristo nos marca profundamente. Ela então está no centro da pregação cristã e por isso celebramos a páscoa. A liberdade dada ao povo no Egito é levada às últimas conseqüencias pelo Cristo que nos liberta para vivermos uma vida em abundancia.
Celebremos, pois, esta dada, e lembremo-nos de seu real significado: a ressurreição de Cristo e o amor de Deus pelos homens.
Feliz páscoa!

Não se deprima. Não se deprima...







Minha mãe, sempre que conversamos sobre tempos já idos, me diz que eu gostava muito dos "Menudos" quando era pequeno. Que gostava de dançar as músicas, principalmente aquela "Não se reprima". Para os mais saudosos, ela pode ser vista aqui.

Com certeza, no contexto da época, a música dos Menudos fazia todo sentido, afinal, os anos 80 foram marcantes para toda uma geração ávida por mudanças tanto estéticas,  culturais, etc. Nutrindo-se ainda das "revoluções" dos anos 60 e 70, os anos 80 ainda gritava por liberdade de expressão, liberdade corporal, etc. Isto tudo evidenciado de forma bem interessante pelos meninos porto-riquenhos dos Menudos. Essa busca frenética por uma identidade própria é algo que vemos crescendo e ainda hoje não podemos dizer que este fenômeno tenha acabado.

Gilles Lipovetsky, um filósofo francês, traz boas reflexões sobre como o culto ao individualismo promove atualmente várias mudanças de comportamento, dentre outras coisas.
A grosso modo, a proposta de Lipovetsky nos aponta que, o individualismo contemporâneo contribuiu e muito para o enfraquecimento das estruturas que mediavam a relação homem-mundo, tais como a religião, a moral, etc. Este enfraquecimentos faz com que o acesso do homem à "realidade" agora se dê de uma forma "direta", (A relação direta proposta por Lipovetsky é diferente da proposta de Dewey  pra quem o homem nunca teria um acesso direto à realidade, mas sempre mediada por algum tipo de visão de mundo, etc. Não cabe aqui apontar as diferenças entre ambos, mas cabe ressaltar que Lipovetsky pensa esta "relação direta" como acesso-não-mediado-por-estruturas, típicas de uma cultura individualista e não como acesso sujeito-objeto que seria mais próximo a Dewey.)  e isso aliado ao exacerbado individualismo constituído a partir do final do século XIX e todo o século XX, ajudaria o homem a desenvolver várias das chamadas "doenças psi", ou seja, a bulimia, anorexia, os aumentos dos casos de depressão, distúrbios de personalidade, etc.

Na análise dele, o fato deste homem precisar lidar de forma "direta" com esta realidade que o cerca faz com que ele em algum momento não consiga se manter unido em sua estrutura psíquica, e isto seria um dos principais agravantes do aumento das chamadas "doenças psi". É como se o "excesso de liberdade" almejado tivesse um preço muito caro que é pago pelo indivíduo de forma não pouco dolorosa.

Infelizmente não dá para desenvolver aqui a relação que Lipovetsky desenvolve a respeito da cultura do individualismo, e como isso agravaria o advento destas novas doenças, e até que medida as próprias estruturas são "reconfiguradas" para atender à lógica individualista. Para quem tiver interesse no assunto, recomendo a leitura as obras "A era do Vazio", "Hipermodernos" onde Lipovetsky aponta estas relações de forma mais detalhadas.

Obviamente que não há aqui nenhum tipo de saudosismo por parte de Lipovetsky em relação aos tempos idos. O que ele procura ressaltar é como que se pode estabelecer uma relação interessante entre o individualismo contemporâneo e o agravamento das "doenças psi".

O mundo hoje é um pouco diferente do mundo da década de 80 quando os Menudos fizeram sucesso. A repressão hoje ainda existe é claro, mas ela se dá de forma bem mais "sorrateira" que nos anos 60 ou 70. Pelo menos no Brasil, ninguém vai ser preço se criticar os militares, a Dilma, ou qualquer outro governante brasileiro. Em grande parte, a liberdade de expressão hoje é algo bastante difundido, e as redes sociais provam isto de forma bem nítida. As diversas campanhas no Twitter, Facebook contra Renan Calheiros, Marco Feliciano, liberação da maconha, dentre outras inúmeras, mostram que a repressão mudou seu "modus operandi".

Curiosamente a própria configuração atual que gera as novas "doenças psi" oferece os "remédios" para que o indivíduo se cure. Isto pode ser comprovado se observarmos como que hoje em dia é frenética a procura por "se estar bem". Práticas como acunpuntura, Yoga, Shiatsu, comer bem, praticar exercícios, tudo isto é enfatizado para que o indivíduo consiga "resolver" os problemas e não sucumba à depressão, bulimia, etc.

Dada a atual conjuntura brevemente exposta aqui a partir de algumas análises de Lipovetsky, acredito que para que os Menudos conseguissem fazer sucesso hoje, talvez ao invés de "não se repima, eles deveriam cantar "não se deprima".