quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

João Batista Libanio (Pequeno relato de uma pequena convivência)




Assim que ouvi de uma grande amiga que o padre Libanio havia falecido me veio à mente um texto escrito por mim há quase 1 ano atrás onde falava que admirava quando o excesso de conhecimento de um determinado sujeito se transformava em simplicidade na exposição de uma determinada ideia. Segue um pedaço do texto. (O texto completo pode ser lido aqui).

"Acredito que a medida que o tempo vai passando as elaborações vão ganhando mais densidade, mas o grande ganho é quando elas ganham em simplicidade. Uma grande virtude a meu ver é quando alguém consegue expor de forma bastante clara um assunto extremamente complexo. A clareza da exposição demonstra aos ouvintes que aquele que fala sabe sobre o que fala.

Ele não precisa de palavras suntuosas, não precisa ostentar títulos. O conhecimento deste sujeito sobre determinado assunto está sedimentado, está arraigado sobre boas bases e por isso ele é capaz de expor tudo como quem conta uma pequena história a uma criança."

O padre Libanio era uma dessas pessoas que sabia conciliar conhecimento e simplicidade. Até hoje me lembro de estar em uma conversa com um padre Jesuíta la na FAJE sobre um determinado projeto que pensava em trabalhar em um possível doutorado em teologia na FAJE sobre Freud e Religião. 

Conversamos por mais de uma hora sobre as minhas inquietações, meus intentos com a pesquisa dentre outras coisas. No final, quando já nos despedíamos, o Libanio passou pela porta da sala onde estávamos e o professor com quem dialogava lhe perguntou se ele conhecia alguma referência para o meu projeto, o qual expôs rapidamente ao Libanio. 

O Libanio parou um pouco, pontuou uns três autores possíveis para o diálogo, e em poucos minutos expôs o conceito de "Existencial sobrenatural" de Karl Rahner de uma maneira que me lembro até hoje. Ali, parado junto à porta da sala. A simplicidade, a riqueza e a profundidade da explicação ficaram gravadas em minha memória. Tal conceito realmente seria bem interessante para o diálogo que propunha na época.

Um tempo depois ele foi presidente da banca na minha dissertação de mestrado na FAJE . Nesse tempo, uma semana antes da defesa, ele me mandou perguntas possíveis para a dissertação, para o caso de eu querer me preparar melhor para a defesa, e no dia propriamente dito, ele chegou para mim antes do início da defesa e disse: "Não se preocupe! O seu trabalho está primoroso !" Ouvir aquelas palavras me acalmou bastante. Para mim, o gesto de enviar as "possíveis perguntas" antes para mim, mostrou uma preocupação muito grande mais com o meu conhecimento do que com qualquer outra coisa. 

Depois da minha defesa conversamos várias vezes via email onde ele sempre me respondia com muita atenção, simplicidade e conhecimento, nunca me julgando ou me fazendo sentir mal por trazer assuntos às vezes tão pouco ortodoxos, muito pelo contrário, sempre me estimulando a prosseguir com os questionamentos, sugerindo leituras possíveis, etc. 

Para mim, o Libanio é um grande exemplo de pensador, um exemplo de  cristão que se preocupava em acolher o próximo, o auxiliando em sua demanda sem nunca perder a simplicidade que lhe era tão característica. O conheci apenas no ambiente acadêmico, entre os muros da FAJE, e mesmo no ambiente acadêmico, tão dominado por egos super inflados, por "doutores" que várias vezes não se dão ao trabalho de ouvir o outro a não ser que seja do seu interesse, o Libanio conseguia transmitir amor e serenidade e ser ao mesmo tempo um pesquisador sério em sua área, e demonstrar uma humanidade que encantava os olhos de quem o presenciava. 

Sua passagem pela minha vida foi uma passagem rápida, mas extremamente marcante. Com absoluta certeza sempre me lembrarei de suas aulas, e de nossas conversas. 

Um professor admirável, um exemplo a ser seguido !

Que ele descanse em paz, e que Deus o acolha em seu reino !







terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O homo "críticus"









O "Homo Criticus", da sua casa em um bairro semi-nobre,  apóia todos os movimentos de cunho social...

Ele é contra a homofobia
Contra o machismo
Contra a direita
Contra a religião
Contra a igreja católica
Contra os evangélicos
Acha o papa Francisco uma jogada de Marketing da igreja Católica
É Contra Hollywood
É Contra a cultura de massa
É Contra a rede globo


É a favor dos pobres
A favor dos negros
A favor das feministas
A favor dos homoafetivos
É a favor do terceiro sexo
É a favor à não distinção de gênero

Apóia o transporte público
Apóia a escola pública e exige que ela seja de qualidade, (mas ele mesmo nunca estudou lá)
Apóia as pichações em locais públicos
Apóia qualquer tipo de pichação como expressão, contando que não seja no muro ou nas paredes de sua casa.

É a favor dos black blocs
É a favor da esquerda
É anarquista
É contra o PT
É contra o PSDB
É contra o PSTU
Votou na Dilma, mas ela representa apenas os interesses das oligarquias
É a favor das cotas


Defende a luta contra o aquecimento global
Acredita que o carnaval de rua é expressão do povo
É contra a militarização da polícia
É talvez até contra a própria polícia

Lê Butler
Lê Nietzsche
É marxista
Cita Dawkins
Discute Foucault
É fã do Deleuze

É evolucionista
É a favor da ocupação do MST, contando que eles só invadam terras improdutivas
É a favor dos índios
É contra a destruição da Amazônia
É a favor dos programas mais médicos
Participa (pelo Facebook) de todas as manifestações, assembléias, etc.
Estava nas manifestações de Junho
É contra a copa do mundo no Brasil
Quer tarifa zero nos ônibus, metrôs, táxis...
É a favor da liberação da maconha

Acha o Brasil atrasado (Olha o Uruguai !!!!)
Por falar em Uruguai, acha o Mujica o melhor presidente do mundo.
Divulgou incessantemente matérias sobre o helicóptero do Aécio Neves
Obviamente não deixou de ver a "marcha do pó royal" no Youtube e achar o máximo.

Da sua moradia em um bairro semi-nobre ele tem opinião sobre tudo.
Quando a passeio pela Europa não esquece dos "problemas brasileiros" com os quais se identifica.


PS: Obviamente que, quem discorda destas causas ou é a favor daquilo do qual ele é contra, é tudo "alienado", "sem senso crítico", enfim. É tudo "reaça" !




sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Lágrimas






Se for para chorar, que choremos juntos.
Que sua cabeça encontre o meu ombro,
Que seu olhar não encontre o vazio
Que suas lágrimas molhe minhas roupas, meus braços, minha perna
Que tudo pare para que as lágrimas possam escorrer em paz.

Eu amavelmente te acolherei em meus braços
Tentarei não dizer nada para que apenas as lágrimas sejam escutadas.
Afagarei seu cabelo para que de alguma forma você se sinta amparada
Para que não se sinta sozinha diante do mundo.
Não sairei do seu lado enquanto as lágrimas não cessarem.

Lágrimas de angústia
Lágrimas de quem sofre, de quem geme por dentro
Lágrimas que dizem tanto sem nenhum som pronunciar.

Tudo agora é menos importante
Só você importa agora
Apenas o seu choro é importante.
As palavras não são necessárias.

Diante do momento resta apenas o silêncio
Resta apenas o rosto amável, o ouvido atento.
Talvez nada mais seja necessário,
Talvez só as lágrimas serão o suficiente.

Quando quiser chorar, não hesite.
Deixe que as lágrimas leve embora um pouco da angústia,
Deixe que elas expurguem a aflição.

Mas não se sinta sozinha,
Pois onde quer que eu esteja,
Meu choro será contigo neste momento
Para que não chore sozinha !




quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

"Outra coisa me apavora: que o homem em mim ressuscitado possa me abandonar !"




Dimitri chegou emocionado para Aliócha e lhe deu um beijo. Seus olhos começaram a brilhar e em seguida ele diz:

"Irmão, nesses dois últimos meses senti em mim um novo homem, renasceu em mim um novo homem ! Ele estava enclausurado em mim, mas nunca apareceria se não viesse essa tormenta. É terrível ! Mas que me importa que eu venha a passar vinte anos arrancando minério a marretadas numa mina, não tenho nenhum medo disso, mas agora outra coisa me apavora: que o homem em mim ressuscitado possa me abandonar ! Até lá nas minas, debaixo da terra, posso encontrar a meu lado um coração humano num galé e assassino como eu e fazer amizade com ele, porque lá também se pode viver, e amar, e sofrer ! Nesse galé pode renascer e ressuscitar um coração congelado, pode-se cuidar dele por anos a fio e, por fim, arrancar desse antro para a luz uma alma já elevada, uma consciência sofrida, pode-se fazer renascer um anjo, ressuscitar um herói ! E eles são muitos, são centenas, e todos nós culpados por eles ! Por que sonhei com o "bebê" justo nessa circunstância? "Por que o bebê é pobre?" Essa profecia me aconteceu naquele instante ! Pelo "bebê" eu vou. Porque todos são culpados por todos. Por todos os "bebês", porque há crianças pequenas e crianças grandes. Todos são "bebês". É por todos eles que eu vou, porque alguém tem de ir por todos. Não matei meu pai, mas preciso ir. Aceito! Tudo isso me veio à mente aqui... entre essas paredes descascadas. Mas eles são muitos, lá eles são centenas debaixo do chão, empunhando marretas. Ah sim, estaremos acorrentados e privados de vontade, e então, em nossa grande aflição tornaremos a ressuscitar na alegria sem a qual já não é possível ao homem viver nem Deus existir, porque Deus traz a alegria, este é o seu privilégio, grande... Que o homem se consuma na oração, Senhor ! Como ficarei sem Deus lá debaixo do chão? Rakítin mente: se expulsarem Deus da face da Terra, nós O acharemos debaixo dela ! Para um galé é impossível passar sem Deus, mais impossível ainda do que para quem não é galé ! E então nós, homens do subterrâneo, cantaremos das entranhas da terra um hino trágico a Deus, em quem está a alegria ! Viva Deus e sua alegria ! Eu O amo !"   (Dostoiévski, Fiódor.  Irmãos Karamázov  p. 767,768)


domingo, 29 de dezembro de 2013

"Que grande inutilidade. Diz o mestre. Que grande inutilidade! Nada faz sentido! " Ec. 1:2






Não há muito para dizer. O que há são apenas sentimentos confusos, buscas inacabadas, pensamentos esparsos, desilusões criadas em meio a uma vida semi-agitada. De nada adianta tentar verbalizar o sofrimento diante do mundo que tanta coisa tem para acontecer. É como se tudo fizesse tão pouco sentido que o que resta é apenas a dor no peito, o aperto no coração, o desejo quase que perene de algo sobre o qual também não sou capaz de dizer o que seria.

Sempre podemos cair na tentativa de comparar sofrimentos e dizer que temos motivos de sobra para estarmos gratos (coisa que realmente é verdade), mas nada disso serve para aplacar o sofrimento, a dor dilacerante de uma angústia sem sentido. É como se durante esta angústia a única coisa que importasse fosse esse objeto que insiste em se fazer presente, martelando cada vez mais forte em sua cabeça, formulando as mais impossíveis conjecturas só para sua cabeça manter o ritmo de pensamento.

Diante desta tentativa de ordem no caos o que se obtém é nada além de cansaço e mais angústia. É como se todo o seu esforço resultasse em nada mais que apenas distrações e nunca alcançasse a raiz do problema. Todas as coisas ainda estão lá. Sussurrando, debatendo, conjecturando em sua mente. Nenhuma delas acontece, elas apenas estão lá.

À medida que os objetivos vão se perdendo, pouca coisa resta para aplacar a desilusão. Sempre podemos olhar para trás e buscar conforto naquilo que já fomos para vermos o quanto caminhamos até o momento, mas isso muito pouco ajuda pois os olhos sempre estão à frente do corpo. O olhar para frente é sempre o mais natural, e na maioria das vezes só olhamos para trás quando queremos algo que estará à nossa frente. Esta busca pelo passado como forma de valorização do nosso lugar atual parece um tanto quanto falsa, embora tenha um teor de verdade. Olhamos para trás como quem busca uma esperança. A esperança que sempre é tomada como algo para frente, neste caso se encontra olhando para trás.

Mas e quando nem mesmo a esperança vem quando olhamos para trás? Quando não encontramos nada além de meros fatos que podem até trazer alegria, mas não passam de pequenas memórias que não nos motivam em nada?

O que resta para nós diante destas coisas?




terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Os Reis Magos, o Símbolo, a Simplicidade



Ouro, incenso e mirra. 

Símbolos da realeza, mas também símbolos de uma jornada que só é possível quando se faz juntos. 
Símbolos de uma caminhada rumo a um destino desconhecido, símbolos de uma fé pura que não precisa de nada mais que um mero brilho de uma estrela para que algo faça sentido. 

Símbolos que remetem a uma grande aposta em direção ao desconhecido e é recompensada com um compartilhar de momentos de alegria e felicidade. 
É recompensada com a vista de um simples menino deitado em uma manjedoura com seu pai e sua mãe ali sem muito a oferecer. 

"Um menino vos nasceu". Algo tão simples, tão corriqueiro, mas que ganha uma dimensão completamente diferente para os que creem. 

A simplicidade da recompensa nos remete ao fato de que talvez nem precisasse de uma recompensa para que a caminhada fizesse sentido. 
A travessia rumo a esse algo prometido já era o suficiente. 

Agora, o encontrar o menino deitado na manjedoura, encontrar o símbolo da salvação de Deus vinda aos homens no final de uma jornada pelo deserto é mais do que qualquer viajante poderia esperar.
O que resta a fazer senão depositar os presentes perante a manjedoura ? 

Ouro, incenso e mirra. Símbolos que podem ser deixados, pois os magos encontraram o que tanto procuravam. 
Diante do Sentido o símbolo se esvai e tudo ganha nova dimensão. Os magos saem diferentes, o mundo está diferente. 


Feliz Natal !

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Ainda sobre Isaías 41:10 - Um pouco sobre o conceito de justiça aplicado a Deus.





Ainda pensando no texto de Isaías 41:10 percebemos que o deus que fortalece e ajuda, o faz, fazendo uso da justiça. O conceito de justiça é bastante complicado , pois traz a tona uma série de discussões tanto filosóficas quanto teológicas.  Ainda mais sabendo que a justiça de deus não é a justiça dos homens, tal conceito entra em um terreno árido e o diálogo se torna bastante complicado. Obviamente que o intuito aqui não é definir o que seria justiça, nem muito menos abordar a questão do ponto de vista nem teológico e muito menos filosófico.

O que podemos dizer da justiça de Deus? Geralmente o que vemos é puro antropomorfismo aplicado à Deus. Esquecemos que o relato mais claro da justiça de Deus se faz presente na fala do Cristo que nos diz: "Nem eu tão pouco te condeno, vá e não peques mais". Esta justiça que não visa nada em troca, que perdoa os pecados gratuitamente, que não gera débito e que ainda é oferecida universalmente, é algo raramente associado como ideal de justiça divina. A imagem que geralmente ouvimos por aí é de um Deus que cobrará todo o bem e todo o mal no final fazendo com que a vida do "servo" seja realmente a vida de um "servo sofredor", para usarmos a paráfrase de Isaías 53. A vida do homem passa a ser a vida de um eterno devedor que nunca terá como pagar aquilo que deve.

A justiça vinculada à graça subverte o nosso conceito de justiça e por isso é melhor pensarmos em um Deus que no final será o justo juiz. Coisa interessante que ouvimos por aí é a aquela história de "Deus é amor, mas também é justo". A noção de adversidade é tão nítida que parece ser impossível vincularmos de forma aditiva a noção de amor e justiça. É como se a idéia de "Deus corrige a quem ele ama", fosse a regra para pensarmos a noção de justiça para com Deus.

Mas não será a correção de Deus uma atitude de graça para com a pessoa que permite que ela faça de forma diferente aquilo que ela fez?

É como se naquele "vá e não peques mais", estivesse o auge da justiça divina que vê o homem como falho, mas ao mesmo tempo permite uma nova chance, não encerrando cada ação como última, mas abrindo a possibilidade para o novo sempre. A justiça aqui se liga ao amor, se liga à liberdade, se liga à autonomia do homem de fazer e refazer suas ações.

Deus é amor e é justo, e só é justo porque ama. Prefiro pensar a justiça de Deus mais vinculada ao amor do que à punição. Prefiro pensar em um Deus que nos dá outra chance do que pensar em um que anota os erros e acertos em um caderno para depois cobrar tudo no final.
Um deus que possui um caderninho onde anota as dívidas e os acertos é um deus capaz de barganha. Talvez por isso esta ideia deste deus "dono do armazém" seja tão aclamada por vários pregadores em tantos lugares. Se este deus é capaz de barganhar, então é possível que eu possa fazer algo para que ele me conceda o que peço, ou quem sabe Ele verá que eu fui um "bom menino" e me dará aquilo que eu preciso.

As palavras do Eclesiastes que diz "há justo que perece na sua justiça, e há ímpio que prolonga os seus dias na sua maldade" (Ec. 7:15) soam estranhas a um sujeito que lida com um Deus que barganha.  O que o Eclesiastes evidencia neste pequeno fragmento é algo que vemos todos os dias, ou seja, que as coisas nem sempre funcionam como achamos que elas deveriam funcionar, e nem por isso elas estariam "fora" da justiça divina, embora seja  muito mais simples pensar em um Deus que recompensa quem faz o bem e pune quem faz o mal.

Curiosamente, por mais que se fale de "graça" "redenção" e outros termos tão caros ao discurso do novo testamento, a lógica de pensamento sobre a questão da justiça continua sendo o deuteronômio. O capítulo 28 então é o preferido de todos que querem tornar Deus um juiz que tem a lei em uma mão e o desejo incontrolável de punir os outros na outra mão. A grande condicional com o qual o deuteronômio inicia sua lista de "bençãos" e "maldições" é sempre evocado para que o homem se sinta responsável pelas bençãos ou pelas maldições que sobrevierem sobre ele. Nunca ouvi ninguém comentando sobre o papel de Deus nesta história do Deuteronômio, e acredito que a maioria das pessoas não prestam muita atenção a isso quando leem o texto.

A doutrina da retribuição como teologia vigente da época deuteronômica impede que Deus seja visto para além desta teologia, ou seja, o deus de Israel tem que ser o Deus que retribui ou que pune para que a coisa funcione. Se não for assim a coisa desanda. Apenas com o passar do tempo, com o desenrolar da história do povo de Israel, com as diversas críticas feitas à esta teologia (como exemplo podemos citar os livros de Jó e Eclesiastes que fazem severas críticas à doutrina da retribuição) é que é possível entendermos o discurso do Cristo e posteriormente o discurso de Paulo sobre a graça de Deus que subverte o conceito de justiça como retribuição. Um longo caminho teve que ser trilhado para que a noção de amor se fizesse sobressair sobre a noção de retribuição. Obviamente que já vemos nos Salmos, Provérbios, e vários profetas do antigo testamento este Deus de amor se revelando, o que vai contra a ideia muito difundida que o Deus do antigo testamento seria um Deus punidor e o Deus do novo testamento um Deus de amor.

O conceito de justiça perpassa todo o texto bíblico e é bastante interessante pensarmos em seu desenrolar à medida que o povo de Israel vai enfrentando novos desafios, novos exílios, novas batalhas. Assim como qualquer conceito é fruto do seu tempo, o conceito de justiça vai sofrendo uma grande mudança no texto bíblico. Esta transição é várias vezes negligenciada por alguns que insistem em fazer de Deus um sujeito carrasco que apenas quer coisas para nos dar outras. Presos à uma visão arcaica de Deus esquecem do desenvolvimento do conceito de justiça que tem no amor o seu vínculo último.

Talvez só assim possamos pensar como que Deus nos fortalece com a destra da sua justiça. Ou seja, ele nos permite refazer nosso caminho quantas vezes for necessário, pois ele sabe que neste refazer o nosso caminho está envolvida a nossa liberdade, a nossa autonomia, e o mais importante, o seu amor que é fonte da sua justiça. E durante o caminho, por mais escuro que seja, ele está sempre dizendo para nós: "Não temas porque eu sou contigo".