terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Apóio o diferente, mas tem que ser igual a mim





Que o Facebook e as diversas redes sociais são um convite para nos mostrarmos como não somos já virou clichê afirmar. Provavelmente já tem até algum post ou alguma imagem no próprio Facebook ou no próprio Twitter afirmando isso. Uma espécie de “crítica interna” à ferramenta utilizada para tal crítica. Paradoxo extremamente curioso.
Algo que sempre achei extremamente interessante é que parece haver uma espécie de “ética” envolvida no uso das redes sociais, que por mais que exacerbe o sujeito “fake”, ele sempre convida a fazer um discurso politicamente correto, ou então, no caso mais mainstream, fazer uma crítica ao discurso politicamente correto demonstrando em que medida tal discurso não é nada além de uma imposição aceita passivamente pelo senso comum.

Posso afirmar que na minha timeline o segundo grupo é o mais constante. Isso acaba gerando aquilo que em outro texto chamei de “homo críticus”. Esse discurso desta suposta “ética” se manifesta de diversas formas, mas uma que acho extremamente interessante é o discurso que vem envolvido em um suposto “apoio ao diferente”.

Curiosamente a pregação de "apoio ao diferente" só vale quando os meus próximos aprovam os supostos diferentes que eu mesmo aprovo. A partir do momento que os meus próximos aprovam os diferentes que eu não aprovo eles devem "deixar de apoiar" o diferente que apoiam para que eu possa querer estar por perto. Se o sujeito apoia alguém como Bolsonaro, ou orgulho de qualquer coisa, ou qualquer coisa que lembre a direita, então ele não é digno de me ter como amigo, afinal, ele apoia algo que eu não aprovo, mas mesmo assim eu tenho que manter o discurso de que se deve apoiar as diferenças.

É mais ou menos como se eu quisesse "facebookicamente próximo" apenas aqueles que pensam iguais a mim, afinal, pra que respeitar o que pensa diferente de mim em um lugar que posso excluir qualquer diferente a qualquer momento? Mas claro que eu excluo o diferente para que eu possa manter o discurso de que se deve apoiar os diferentes.

Na realidade, parece que o que se quer realmente são pessoas que pensem iguais a mim sem ser possível tolerar nenhuma diferença no pensamento. Narcisismo na vida real, narcisismo na vida cibernética. Indiferença na vida real, indiferença na vida cibernética, mas claro que mantendo um discurso inclusivista em relação a todos os diferentes.

(Obviamente que aqui não estamos defendendo o chamado "discurso de ódio" que geralmente aparece muito inflamado quando alguns assuntos são tocados. Claro que não devemos tolerar os intolerantes, afinal isso constituiria o fim de toda a tolerância, no entanto aponto aqui que várias vezes a linha é muito tênue entre o discurso intolerante e o discurso "diferente do meu". Não raras vezes tomamos um pelo outro por não sabermos lidar com isso que aqui chamo de "diferente".)

A meu ver, isso esconde uma dinâmica bastante hipermoderna que trato nesse pequeno texto. Uma intolerância em lidar com essas posturas diferentes, que longe de demonstrar uma "indisposição meramente no nível das ideias", demonstra mais uma intolerância em relação a qualquer um que pense diferente de mim. Obviamente que quando o portador do discurso sou eu, posso chamar isso de meramente uma "indisposição", mas quando o portador é o outro, eu chamo de intolerância. Mas venhamos e convenhamos: qual a medida do "intolerante de verdade" e a "minha indisposição"? Por que que no meu caso é uma "indisposição" e no caso do diferente é uma "intolerância"? A meu ver esse tipo de postura apenas marca a cultura da indiferença e a grande dificuldade em lidar com o diferente. 

Lembremos que na mesma dinâmica da suposta "aceitação de tudo e de todos" o que se pretende é nada além de uma homogeneização das formas de pensar, e isso a meu ver, é evidencia cabal da nossa dificuldade atual de lidar com o diferente. Isso demonstra uma cultura da indiferença tipicamente hipermoderna, onde a dimensão do Outro só entra quando de alguma forma corrobora a mim mesmo. Um narcisismo levado às últimas consequências, ou melhor (na expressão da Colette Soler), um narcinismo.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

8 anos de casados !



"Coloque marcos e ponha sinais nas estradas, Preste atenção no caminho que você trilhou" Jeremias 31:21


Dizem que aos 8 anos de casamento se comemoram bodas de cobre. Sempre achei meio sem sentido essas bodas, mas se alguém teve o trabalho de catalogar e criar o sistema de bodas ele pode até ter algum valor. O que acho interessante é que o sistema de bodas serve para colocar marcos no caminho.

Os marcos servem como pequenos lembretes para nós do caminho percorrido ao longo dos tempos, daí a grande importância que o texto bíblico dá aos marcos. O texto de Jeremias que abre esse post já aponta para isso e talvez as datas comemorativas sirvam exatamente para contemplarmos novamente esses marcos que colocamos no caminho. Pensando assim as bodas podem até fazer algum sentido, embora os objetos escolhidos para elas sejam altamente duvidosos, tais como lã, papel, cobre, etc.

Nesse sentido acho que hoje é dia de “prestar atenção” no caminho trilhado nesses 8 anos. Tem sido um caminho muito prazeroso, cheio de aventuras, alegrias, bons momentos, mas obviamente sem faltar os problemas, as desavenças, etc. como faz parte de toda grande jornada.

Lembrando de onde saímos e pensando onde estamos agora realmente dá muito orgulho dessa pequena jornada até o momento. Jornada esta que tem como melhor de tudo o poder trilhar o caminho junto com outra pessoa que também visa o mesmo objetivo que você. Que também caminha junto mesmo quando os momentos são difíceis.

Esta companhia do caminho é que talvez faça toda a diferença no processo da caminhada. Para além de toda e qualquer idealização da companhia, tendo apenas a presença de um outro que também tem tantas falhas quanto você, posso dizer que o caminho percorrido até agora tem valido a pena.

Meu desejo é que continuemos seguindo, trilhando sempre um ao lado do outro para que quando um fraquejar o outro esteja ali presente para o sustentar e continuarmos olhando para frente e para trás. Vislumbrando o futuro, mas sem nunca esquecer do passado.

Memória e esperança ! E assim seguimos.


Te amo, Priscilinha ! Hoje muito mais que há 8 anos atrás. 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

"Não é pelo muito falar que seremos ouvidos" - Um pouco de Gilles Lipovetsky





"Assim como a idade moderna foi obcecada pela produção e pela revolução, a idade pós-moderna é obcecada pela informação e pela expressão. Somos todos Djs, apresentadores e animadores. Democratização sem precedentes da palavra: todo mundo é incitado a ligar para a central telefônica , quer contar algo a partir da sua experiência íntima, ou pode se tornar um locutor e ser ouvido. Isso vale tanto nesse caso como no dos grafites nas paredes de escolas ou no dos inúmeros grupos artísticos: quanto mais a gente se expressa, menos há o que dizer; quanto mais a subjetividade é solicitada, mais o efeito é anônimo e vazio.

Esse paradoxo é reforçado também pelo fato de que ninguém no fundo, está interessado nessa profusão de expressões, como uma exceção que deve ser levada em conta: o próprio emitente ou criador. Isto é, exatamente, o narcisismo, a expressão sem retoques, a prioridade do ato de comunicação sobre a natureza do comunicado, a indiferença em relação aos conteúdos, a assimilação lúdica do sentido, a comunicação sem finalidade e sem público, o remetente transformado em seu principal destinatário. Daí essa pletora de espetáculos, de exposições, de entrevistas, de proposições totalmente insignificantes para qualquer pessoa e que não levam em conta nem mesmo a ambiência; outra coisa está em jogo: a possibilidade e o desejo de se expressar qualquer que seja a natureza da "mensagem", o direito e o prazer narcisista de se manifestar a respeito de nada, por si mesmo, mas retransmitido e amplificado por um meio de comunicação.

Comunicar por comunicar, expressar-se sem qualquer outra finalidade a não ser expressar-se e ser ouvido por um micropúblico, o narcisismo revela, tanto aqui quanto em outros aspectos, a sua conivência com a ausência de substância pós-moderna, com a lógica do vazio." (LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio. 1983 p. 24)



"A tese do "progresso" psicológico é insustentável diante da extensão e da generalização dos estados depressivos, outrora reservados em prioridade para as classes burguesas. Ninguém pode se vangloriar de escapar; a deserção social ocasionou uma democratização sem precedente da depressão, o tédio de viver, flagelo hoje em dia difundido e endêmico. Do mesmo modo, o homem "cool" não é mais sólido do que o homem do adestramento puritano ou disciplinar. Na verdade seria mais o inverso.

Num sistema descaracterizado basta um simples acontecimento, um nada, para que a indiferença se generalize e ganhe existência própria. Atravessando sozinho o deserto, levando a si mesmo sem qualquer apoio transcendental, o homem de hoje se caracteriza pela vulnerabilidade. A generalização da depressão deve ser levada em conta não das vicissitudes psicológicas de cada um ou das "dificuldades" da vida atual, mas, sim, da deserção da res pública que foi limpando o terreno até o advento do indivíduo puro, do Narciso em busca de si mesmo, obcecado por si mesmo e, assim sendo, suscetível de enfraquecer ou de desmoronar a qualquer momento diante da adversidade que enfrenta desarmado, sem força exterior.

O homem descontraído está desarmado. Os problemas pessoais assumem, assim, dimensões desmesuradas  e quanto mais os contemplamos, ajudados ou não pelos psi, menos os resolvemos. Aqui se inclui o problema existencial, o ensino ou a política: quanto mais submetidos a tratamento e auscultação mais os problemas se tornam insuperáveis. O que, hoje em dia, não está sujeito à dramatização e ao estresse? Envelhecer, engordar, enfear, dormir, educar os filhos, sair de férias... tudo se transforma em problema. As atividades elementares se tornaram impossíveis.

O tempo em que a solidão designava as almas poéticas e excepcionais terminou, aqui todos os personagens a conhecem com a mesma inércia. Nenhuma revolta, nenhuma vertigem mortífera a acompanha; a solidão se tornou um fato, uma banalidade com a mesma importância dos gestos cotidianos. As consciências não mais se definem pela dilaceração recíproca; o reconhecimento, a sensação de incomunicabilidade e o conflito deram lugar à apatia, e a própria inter-subjetividade se encontra relegada. Depois da deserção social dos valores e das instituições, é a relação com o Outro que, segundo a mesma lógica, sucumbe ao processo de desafeição. O Eu não habita mais num inferno povoado de outros egos, rivais ou desprezados, a relação se apaga sem gritos, sem motivo, em um deserto de uma autonomia e neutralidade asfixiantes.

A liberdade, a exemplo da guerra, propagou-se pelo deserto; já atomizado e separado, cada qual se torna agente ativo do deserto, amplia-o e escava-o, incapaz que é de "viver" o Outro. Não satisfeito em produzir o isolamento, o sistema engendra seu desejo, desejo impossível que, no instante em que é alcançado, revela-se intolerável: o indivíduo quer ser só, sempre e cada vez mais só, ao mesmo tempo em que não suporta a si mesmo estando só. a esta altura o deserto já não tem mais princípio ou fim. (Idem p 29,30)

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Lamúrias






Ah, e essa tristeza que invade os nossos corações
Que não sabemos de onde vem nem para onde vai,
Que insiste em permanecer em nós como companheira indesejável
Que insiste em fazer de nós pequenos marionetes ao seu bel prazer.

Ah, essa angústia que não cessa,
Que nos impede de seguir
Que nos paraliza diante do mundo e diante dos nossos afazeres
Que não permite que nem por um segundo deixemos de pensar sobre ela.

Ah, esses momentos de paz que são tão distantes
Que vêm apenas em pequenos momentos e logo se vão
Que nos adianta muito pouco a ponto de duvidarmos da sua existência

Ah, nós que não temos onde esconder
Que estamos sempre diante desse triste espetáculo que nos assola
Que não encontramos saída em nenhuma atividade
Que não podemos usar nenhum escape, pois todos parecem falsos demais

A nós, que só nos resta observar e tentar compreender,
Talvez o caminho seja árduo demais que achamos que será melhor não seguir por ele
Mas no final parece indiferente seguir ou não seguir qualquer caminho
Pois sempre nos encontramos novamente com a mesma tristeza que invade os nossos corações.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Não. Não falo sobre mim !





Às vezes olho para mim e me percebo como longe daquilo que gostaria de já estar sendo no momento. Fica aquela sensação de que já poderia estar tão mais longe, que já poderia ter deixado de lado muitas das coisas com as quais luto até hoje, mas que por causa de inúmeras contingências da vida ainda não alcancei.

Fica a sensação de que talvez aquele ideal com o qual eu constantemente me comparo nunca será alcançado, pois para realizar isso eu teria que ser outra coisa que não eu mesmo.
Aparentemente me sinto incapaz de atingir uma meta que eu mesmo construí, mas claro que não construí sozinho, mas foi construído por outros e assimilado por mim como meu. A fixação nesse ideal quase "etéreo" é o que me faz sofrer todo dia, pois me vejo não suficiente o bastante, não bom o bastante, não inteligente o bastante, não bonito o bastante, enfim, não me vejo o bastante para ser o que gostaria que fosse.
Dessa forma tudo que faço parece pouco. Em tudo que conquisto fico sempre com aquela sensação de que poderia ter feito melhor, poderia ter dedicado mais, poderia ter gasto um pouco mais de tempo e mudado aquele pequeno detalhe que ninguém reparou a não ser eu mesmo. Diante disso novamente sofro por não conseguir novamente alcançar aquele projeto forjado para mim.

Triste vida essa minha correndo atrás do vento. Correndo atrás da perfeição, que por definição, eu nunca poderei alcançar por ser eu mesmo imperfeito. O que escondo talvez seja apenas a minha insegurança, seja apenas essa triste visão que tenho sobre mim mesmo, mas que meus afazeres e meu perfeccionismo insiste em esconder. Tudo se configura, portanto, como um grande semblante diante desse nada que me assola e do qual não tenho para onde fugir. É como se o abismo habitasse no mais íntimo do meu ser e no meu constante olhar para ele, ele insistisse em olhar de volta, como já nos comentava Nietzsche em tempos idos. 

Se tento esconder desse abismo me encontro mais próximo dele do que quando finjo que ele não existe. Inútil às vezes é alçar a voz, pois não há ninguém para ouvir, ninguém disposto a ouvir, ou disposto a parar para que essas coisas em mim cessem. Se elas insistem em persistir quem sou eu para lhes calar dentro de mim? Quem senão um outro para fazer calar isso dentro de mim? Esse outro sempre escondido, sempre distante, sempre envolto em seus afazeres, sempre indiferente para tudo e para todos. Esse outro que aparece também como uma máscara para o vazio que ele também representa, pois não está aí de fato, mas apenas finge estar.

Não seria esse outro almejado uma outra idealização inalcançável? Não seria a tentativa de encontrar um auxílio fadada ao fracasso diante da nossa hipermodernidade onde o que importa é mais que tudo o indivíduo e seu sucesso pessoal? Não seria talvez a hora de abandonar a minha esperança desse consolo e assumir resilientemente esse abismo que em mim habita e que se encontra também fora exemplificado por aquele nada que tudo nadifica?

Se for assim, como é possível suportar tamanho abandono?

"Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste !" gritou certa vez um homem quando confrontado com tamanho abandono. O que lhe restou depois disso foi apenas o último suspiro e nada mais. Próximo a ele apenas alguns que nada podiam fazer a não ser contemplar o fim daquele que foi abandonado. No último suspiro o homem abandonado "entrega o seu espírito", mostrando com isso que apesar do abandono, apesar da falta de sentido de sua morte, ele ainda acreditava que haveria alguém em quem pudesse se entregar como último ato de fé.

Mas será que eu sou capaz daquele ato de fé daquele homem abandonado? Será que para mim haverá ainda a esperança da última entrega diante do mesmo abandono? Se por definição não há nenhuma garantia de que meu salto encontrará uma mão que me segure no final, resta talvez apenas tentar que o último suspiro valha a pena.

E quem sabe ali, no último suspiro, perceber que todo esse trabalho não foi em vão.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

A elitização da universidade pública. Observações iniciais para um diálogo.






Não sou a favor da privatização das universidades. De forma alguma, muito pelo contrário, sou a favor de uma escola pública, de qualidade. No entanto, penso que essa escola pública deva ser para quem precisa da escola pública uma vez que claramente temos um problema de divisão de renda envolvida. A meu ver, a forma como a universidade publica funciona hoje não funciona, pois deixa de fora a maior parte das pessoas que realmente dependem da universidade pública caso queiram ter uma formação superior, ou então reservam para essas pessoas os cursos que farão com que elas permaneçam na condição social a que pertencem.

Basta olhar os cursos "de rico" das federais, tipo medicina, engenharia química, direito, etc, e ver quantas pessoas de classes mais desfavorecidas estão frequentando esses cursos. Sabemos que a maior parte dos que frequentam tais cursos vem de uma elite e que teriam perfeitamente condição de estudar em uma escola particular, mas não querem fazer isso porque o ensino da universidade pública várias vezes é melhor.
A elitização da formação superior se mantém basicamente da mesma forma. É claro que tem havido um aumento de acesso considerável no ensino superior nos últimos anos, mas se olharmos bem, veremos que as classes menos favorecidas ingressam no ensino superior apenas em cursos de licenciaturas, tirando claro as exceções.

Quando olhamos para as faculdades particulares vemos que a maioria das pessoas que as frequentam  são trabalhadores que precisam pagar as mensalidades ou então dependem de financiamento tipo PROUNI (que acho um programa de incentivo fantástico) ou então o FIES (que agora foi aberto para a pós-graduação), tirando obviamente as exceções. Em um mundo ideal, não vinculado à dinâmica do capital, etc, toda a educação do sujeito seria gratuita, desde a escola infantil até o doutorado, e isso seria para todos independente do curso que o sujeito optasse por fazer, no entanto, sabemos que a coisa, pelo menos no Brasil, não funciona assim, e que o sistema educacional é feito para de alguma forma manter quem está no poder, no poder. 

Se a realidade das universidades federais é essa, acho bem defensável que ela seja paga para quem pode pagar e gratuita para quem não pode pagar. Sabemos que proporcionalmente os mais ricos são os que menos contribuem no Brasil. O montante maior de contribuição vem da classe média e da classe mais pobre do país que pagam impostos que chegam a mais de 25% dos rendimentos enquanto as classes mais abastadas pagam bem menos. Basta a gente lembrar do drama que eh a implementação de impostos sobre as grandes fortunas no país. A meu ver a universidade pública tinha que ser para quem não pode pagar. O critério não deveria ser meritocrático, mas a meu ver, deveria ser socioeconômico. Claro que poderia haver cotas para os mais ricos, mas a prioridade deveria ser a população que não pode pagar por seus estudos.
 
Um outro exemplo da elitização das federais é o simples fato de TODAS AS PÓS-GRADUAÇÕES STRICTU SENSU SEREM NA PARTE DA TARDE. Isso em si mesmo já visa excluir a classe trabalhadora (que tirando alguns casos onde a flexibilização é possível, ou o trabalho é de 6 horas) que não pode frequentar esses cursos, os reservando à MESMA ELITE que continua nas universidades federais. Claro que há vários casos de pessoas que estudam e conseguem fazer a pós-graduação, eu mesmo sou um exemplo desse caso, mas a meu ver, a falta de empenho por parte das universidades em se colocar cursos de pós-graduação a tarde é mais um ponto que comprova o quanto a universidade brasileira continua extremamente elitista e excludente. 

Se o sujeito trabalhador quiser fazer o seu mestrado ou doutorado ele precisa se virar e, ou abrir mão do seu emprego e tentar viver com bolsas das agências de fomento, (o que para a maioria dos trabalhadores não é interessante, pois recebem mais do que ganharia com a bolsa, sem contar que a bolsa, por não ter vínculo empregatício, o tira do mercado de trabalho por 2 ou 4 anos sem nenhuma garantia que ele conseguirá se recolocar no mercado de trabalho depois de terminado a sua pós-graduação) ou então trabalhar apenas em meio período ou com jornada reduzida. (o que claramente é um número muito pequeno de trabalhadores, basicamente funcionários públicos). É óbvio que nem todos os trabalhadores têm interesse em fazer mestrados e doutorados, mas os que têm padecem com as condições dadas nas universidades públicas.

A forma como a universidade federal caminha no Brasil, a meu ver faz com que se mantenha a diferença estrutural vinculada à renda no Brasil. A meu ver corre-se o risco de sob o discurso de "universidade pública gratuita" esconder um discurso que visa manter no poder a mesma classe dominante que sempre esteve lá. É óbvio que o assunto é um assunto complicado, com várias atenuantes, mas é algo que mesmo com todos os espinhos precisa ser pensado seriamente no Brasil.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Sobre conversas, redes sociais e aplicativos.





Uma coisa bem interessante que reparo hoje em dia em tempos de tanta pertença às redes sociais é que a própria noção de conversa se alterou bastante. Se antigamente a conversa exigia um dispêndio de si em relação a um outro, exigia às vezes uma espécie de "preparo" pois era preciso marcar de encontrar em algum lugar para conversar, ou até mesmo uma "etiqueta", pois eu sempre aprendi que só se deve ligar para as pessoas após 10 horas da manhã e no mais tardar às 22:00, se passasse desse horário já seria incômodo, hoje em dia nada disso faz sentido.

A era das redes sociais, Whatsapp, Viber, Telegram, etc. acaba por transformar o tipo de conversa "old school" em uma espécie de "evento" que acontece raramente. Praticamente tudo o que se precisa resolver ou conversar pode ser feito mediante o uso das redes sociais e aplicativos. Marca-se coisas, discute-se problemas familiares, psicológicos, amorosos e praticamente qualquer outro assunto sem precisar abrir mão do que se está fazendo. Ao mesmo tempo em se que manda mensagem para um, olha-se o email, conversa-se com outro, liga-se o computador, etc. O momento da conversa se torna apenas uma dentre outras tantas atividades que precisam ser feitas urgentemente.

Obviamente que aqui não se trata de demonizar o uso das novas tecnologias. Com certeza elas trazem inúmeros avanços para nós, e com certeza ajuda-nos a resolver várias coisas que não teríamos como fazê-lo se não fossem por elas. Claro que aqui cabe também perguntarmos se tais novas demandas não são criadas exatamente pelas próprias redes sociais e aplicativos que nos colocam em um círculo vicioso do qual raramente conseguimos escapar em dias atuais. Mais ou menos parecida com a lógica do capital que cria necessidades para serem supridas por ele mesmo fazendo o sujeito entrar no mesmo círculo vicioso que aludimos acima o tornando um escravo em nome da suposta liberdade que apregoa.

O que quero ressaltar é que parece que estaríamos vivendo uma espécie de "novo paradigma conversacional", pois se antigamente a conversa era um encontro onde a presença do outro se mostrava de forma insubstituível, hoje tal presença se torna várias vezes desnecessária. Pode-se muito bem falar algo para um outro sem obter nenhum tipo de resposta, pode-se enviar um "HAHAHA" sendo que nem mesmo se leu, ouviu, achou graça naquilo que foi "compartilhado" pelo outro. Sem contar que nem mesmo é preciso "responder" o outro, pois posso simplesmente ignorá-lo e deixá-lo no vácuo sem que isso gere sobre mim nenhum tipo de culpa ou eu seja considerado sem educação.

Obviamente que as redes sociais e aplicativos de conversa online possibilitam que conversemos mais facilmente com as pessoas, propiciam um bom instrumento para passarmos tempo, divertirmos, ficarmos próximos de pessoas que não teríamos como ter contato assíduo se não fossem por essas ferramentas. Se por um lado tais ferramentas nos afastam do outro uma vez que podemos falar sem ser ouvidos/lidos entrando em uma relação fictícia com um suposto interlocutor, por outro lado elas permitem um contato mais assíduo e várias vezes servem como instrumento profícuo de diálogo resolvendo problemas como a distância, o tempo, etc. Não é o caso portanto nem de demonizar e nem de santificar as redes sociais e aplicativos de conversa, mas apontar para uma dimensão paradoxal que tais tecnologias nos colocam.

Um filme que gosto muito é o filme "Her" de Spike Jonze, onde o ator principal Joaquin Phoenix interpreta um sujeito que inicia um relacionamento afetivo com um novo sistema operacional lançado no mercado. Ele se apaixona pelo sistema operacional e o filme retrata esse relacionamento entre ambos. Próximo ao final do filme (SPOILER ALERT) Theodor (personagem interpretado pelo Joaquin Phoenix) pergunta à Samantha (Nome próprio que Theodor dá ao sistema operacional) com quantas outras pessoas ela estaria conversando e ela responde que seria por volta de umas 7 mil outras pessoas. Isso é uma ferida profunda no coração de Theodor que se achava como único para Samantha. Ao descobrir que enquanto ela conversava com ele ela falava com outros 7 mil usuários, Theodor percebe que vivia uma grande ilusão de ser único para o sistema operacional. (FIM DO SPOILER)

Para mim parece que várias vezes reproduzimos essa mesma dinâmica durante as nossas conversas nas redes sociais e aplicativos. Obviamente que no filme se trata de uma exacerbação para pensarmos até onde vai o nosso relacionamento com as novas tecnologias, mas a noção de que ao conversarmos nas redes sociais e aplicativos, várias vezes fazemos o mesmo que Samantha (respeitada a proporção numérica) parece ser algo inegável. Mas o que isso quer dizer? A meu ver isso quer dizer que no mundo contemporâneo a dimensão do outro pode facilmente ser esquecida em nome de uma suposta praticidade e "onipresença" do sujeito. Onde há onipresença não há presença do outro, mas apenas sufocamento do outro. Tal "onipresença" se evidencia no fato de querer estar em todos os lugares virtuais ao mesmo tempo, ou seja, nas redes sociais, nos aplicativos, no email, etc. se mostrando uma grande ilusão por ser impossível prescindir do outro na relação com o mundo.

Se as redes sociais e os aplicativos conseguem transformar o diálogo em monólogo é porque consegue fazer com que o sujeito se iluda pretendendo ser um "sozinho" curtido por vários. Se no modelo de conversa "old school" não se tinha como prescindir da dimensão do outro, pois o mesmo se encontra ali na sua frente e demanda uma resposta de sua parte que não pode simplesmente sair da conversa e ir para outro lugar (sem que o seu interlocutor ache isso muito estranho, é claro), nas conversas virtuais pode-se facilmente conversar sozinho no aguardo que o outro responda ou não. Não se tem garantia da resposta e nem mesmo garantia da presença do outro. Da mesma forma que posso ignorar conversas, posso ser ignorado pelo outro. Da mesma forma que posso me negar a responder, posso ser negado pelo outro também. No final parece que nessa nova dinâmica das redes sociais a relação eu-outro se torna extremamente fragilizada e não raras vezes se torna apenas fictícia.