sexta-feira, 27 de março de 2015
Uma simples despedida
Então vá. Viva feliz !
Muito bom saber que agora é capaz de caminhar por conta própria sem ninguém para te carregar nos braços.
Vá realizar os sonhos que deixou para depois, os objetivos que já poderia ter alcançados, mas que preferiu priorizar outras coisas antes.
Por favor apenas me guarde na memória. Me tenha por perto em seus pensamentos e lembranças. A minha felicidade é poder te ver feliz e desfrutando a vida em toda a sua beleza.
Não se sinta mal por isso. Viver é bom e por isso devemos aproveitar cada momento que temos.
Não se preocupe comigo.
Ninguém está te cobrando nada.
A ajuda que damos aos outros nunca é algo a ser contabilizado, é sempre gratuito sem exigirmos nada em troca.
Jesus certa vez nos disse que devemos ser como o sal que tempera sem aparecer. Sendo assim me considere como um possível sal que temperou sua vida em um momento difícil.
Guarde consigo o sabor proporcionado, os momentos vividos, as alegrias e as tristezas compartilhadas.
Que você seja feliz.
Saiba, no entanto, que sempre estarei aqui para você. Saiba que sempre que precisar de um ombro amigo ainda continuarei por aqui.
A partida várias vezes se torna inevitável, mas espero que vá sem culpa.
Se dependesse de mim penso que não me despediria jamais, afinal, sempre queremos que as boas companhias se façam sempre presentes. Mas ao mesmo tempo, esse despedir mostra um sinal de maturidade, tanto para mim quanto para você.
Me despeço então esperando te rever em breve.

sexta-feira, 6 de março de 2015
Para que a escuridão não nos domine.
Que na realidade estamos todos sozinhos nesse mundo e que de alguma forma cabe a nós mesmos sempre lidarmos com nossas próprias questões é um fato um tanto quanto inquestionável para a maioria das pessoas. De uma certa forma isso não deixa de ser verdade, afinal de contas, somos sempre nós mesmos que sabemos o peso de sermos quem somos e fazer o que fazemos. Apenas a nós é dada a real dimensão do que suportamos e ninguém, por mais próximo que esteja é capaz de dar respostas que cabem apenas a nós mesmos responder.
No entanto, essa suposta solidão que nos assola pode sempre ser mitigada pela presença do Outro. Algo que a psicanálise nos ensina, e antes dela o próprio mito do jardim no Éden nos aponta é que o ser humano nunca é causa de si mesmo. Ele sempre é produzido e dependente de um outro em algum momento da sua vida. No mito do jardim do Éden, mesmo depois de se encher de trabalho, nomear os animais, cuidar dos jardins e etcs, faltava a Adão alguma coisa. Por mais que ele pudesse “ter domínio sobre tudo”, a ele escapava uma dimensão da qual nenhum domínio era possível. Ele carecia do Outro. Apenas esse Outro seria capaz de dar um sentido humano à sua vida. Quando o Outro entra em cena, Adão é capaz de se acalmar.
Gosto de pensar que esta relação vale também para o próprio Deus no relato mítico. Ele também precisa de um Outro para que sua vida de alguma forma esteja “completa”. Como alguns filósofos antes de nós já perguntavam: “Quem é Deus se não houver quem o adore?” Obviamente que Deus para ser Deus precisa existir por si mesmo, ou seja, ele teria que ser causa de si mesmo, mas algo espetacular no relato do texto bíblico é que o Deus bíblico nunca se coloca como absoluto, mas sempre como relação, ou seja, é um Deus que mesmo sem “precisar” diretamente de alguém para se constituir como Deus anseia por um Outro com quem possa em uma tarde “passear pelo jardim”.
A resposta da psicanálise também passa muito próxima da resposta proposta pelo mito bíblico. Para a psicanálise a vida humana também só ganha sentido quando o grito solitário do bebê é respondido pelo Outro. Massimo Recalcati nos diz que a vida sem resposta de um Outro é apenas um “grito na noite” que não encontra nada a não ser escuridão. Apenas quando esse Outro responde ao meu clamor é que esse grito adquire um caráter humano; apenas aí surge um sujeito, que só se constitui porque é marcado por essa resposta desse Outro. O Outro traz uma resposta que humaniza o indivíduo. Ele agora percebe que sua vida não é um mero grito sem sentido na noite, mas é iluminada pela presença do Outro.
Obviamente que o Outro não é responsável por nós ou por nossas ações; somos sempre responsáveis por nós mesmos, mas algo interessante é que nunca podemos prescindir do Outro. A grande ilusão da nossa época é querer nos fazer pensar que podemos ser sem esse Outro, que podemos ser ens causa sui.
Ao mesmo tempo que somos responsáveis por nós mesmos e por nossas ações de forma que não podemos culpar o Outro pelo que somos, também somos sempre convocados por esse Outro a dar uma resposta a ele, de forma que não podemos existir sem a presença desse Outro. Dançamos entre a não-dependência-do-Outro incitada pela nossa época caracterizada pelo excesso de individualismo e narcisismo e a dependência-patológica-em-relação-ao-Outro que caracteriza em grande parte o sujeito hipermoderno que não quer se responsabilizar por nada nem por ninguém.
Em nosso mundo atual, hipermoderno, individualista, somos sempre levados a crer que nós somos totalmente responsáveis por nós mesmos, de que os nossos problemas devem ser resolvidos apenas por nós, afinal, ninguém tem nada a ver conosco e se fomos capazes de entrar no problema devemos ser capazes de sair dele com nossas próprias forças. Um senso de responsabilidade um tanto quanto distorcido que nos faz cair na ilusão de que não precisamos de ninguém (e às vezes até tomamos isso como uma obrigação, pois nos é ensinado por vários que depender do Outro é sinal de fraqueza), o que várias vezes nos impede de assumir nossa incompetência e nossa dificuldade em diversas situações.
Compreender que não somos capazes
de fazer tudo sozinhos é um passo importante que aponta para um grau de amadurecimento
de nossa parte. Sem esta compreensão
corremos o risco de querer nos responsabilizar por aquilo que não o somos e não
raras vezes ficaremos à mercê das frustrações que virão sobre nós quando
depararmos com a nossa limitação.
Nestas horas que o Outro pode
aparecer de forma substancial em nossa vida. Esse Outro pode se mostrar como
alguém que está disposto a carregar o fardo junto conosco, pode aparecer como
alguém que será um ouvido atento mesmo sem ter todas as respostas, pode
aparecer como alguém que será a companhia silenciosa que indica que não estamos
sozinhos, pode aparecer como aquele que se preocupa, que sofre, que confia, que
sustenta, que alivia, que acalma, que
acaricia, que chora, que ri, sem que isso em nada tire de nós a nossa
responsabilidade pela situação, mas mostra que não estamos sozinhos para
enfrentar o que nos assola. Abrir mão da presença desse Outro não é uma sábia
decisão; e por experiência própria afirmo que se cercar desse Outro é o melhor
que podemos fazer para que a escuridão não nos domine.

sábado, 21 de fevereiro de 2015
Diálogo entre o "discurso evangélico" e outras áreas?
Confesso que me espanta às vezes o nível raso de várias pregações e comentários bíblicos que vejo tanto no mundo virtual quanto no mundo real. Geralmente as interpretações bíblicas que são apresentadas não passam de pequenas paráfrases de Salmos, ou então paráfrases dos evangelhos ou das cartas de Paulo. Muito raramente se consegue um diálogo mais interessante com o próprio texto bíblico ou então (e talvez aqui já seja querer demais) com outras áreas de conhecimento como a filosofia, a psicologia, psicanálise, etc.
Tal "falha" no meio do povo evangélico a meu ver é bastante sintomática e remete a uma conjuntura de cunho mais histórico da formação do evangélico brasileiro. Como sabemos a grande parte dos evangélicos no Brasil são advindos de ações missionárias americanas no início do século XX. Esse evangelho de missão chegou de forma avassaladora por aqui e se instaurou muito rapidamente nas diversas camadas da sociedade. O exemplo mais paradigmático que teríamos desse movimento é o da Assembleia de Deus que chegou ao Brasil por volta dos anos 10 do século XX e rapidamente se instaurou em nosso meio e até hoje está bastante atuante em diversos estados brasileiros.
O evangelho de missão, como o próprio nome já diz, está muito mais preocupado com uma propagação da mensagem do que propriamente com o fazer dialogar a fé com outras áreas de conhecimento. (Obviamente que existem vários seminários, escolas de teologia desta vertente que aqui chamamos de evangelho de missão preocupados com o ensino mais sistemático do texto bíblico etc. No entanto, é visível que a preocupação se dá mais do ponto de vista de treinar o sujeito para manusear bem a bíblia do que propriamente instigar um maior diálogo da fé com outras áreas de conhecimento) Neste sentido já é um avanço significativo em relação a outro segmento muito aclamado no Brasil que é o da teologia da prosperidade, que nem mesmo se preocupa com o ensino do texto bíblico.
As igrejas que adotam a teologia da prosperidade (aqui a igreja paradigmática é a Universal do Reino de Deus (IURD). Embora atualmente haja diversas igrejas que são frutos de um evangelho de missão que assumiram o discurso da teologia da prosperidade de forma muito visível. Como exemplo destas igrejas podemos falar da Igreja Batista da Lagoinha e Igreja Batista Getsêmani, ambas em Belo Horizonte) possuem uma preocupação muito grande com a arrecadação de dízimos e ofertas e deixam de lado um ensino mais sistemático do texto bíblico. E é de se inferir que se deixam de lado um ensino mais sistemático do texto bíblico, o diálogo com as outras áreas de conhecimento nem mesmo é cogitado.
O que se percebe é que desde a formação dos pastores (que no caso da IURD pode se dar em apenas 6 meses, i.e, o sujeito se converte e dentro de 6 meses, se for do seu interesse, já está apto a pastorear uma igreja, e no caso da Batista da Lagoinha vários pastores são formados pelo Carisma que é um curso implementado na Lagoinha onde os alunos escutam palestras de outros pastores da igreja e depois de algum tempo se formam líderes. Talvez um caso bem curioso seja o da Batista Getsêmani em que várias pessoas com título de pastor não possuem nenhum tipo de formação teológica, mas mesmo assim são "ungidas" pastores e pastoras.) não se é incentivado um diálogo com outras áreas de conhecimento, mas se ensina um manusear mínimo do texto bíblico de forma que os versículos chaves sejam decorados. Versículos como João 3,16, ou I Pe 5:7, obviamente Ml 3,10, etc. Um uso extremamente instrumental do texto bíblico onde se prima por uma leitura literalista do texto sem nenhuma preocupação com um contexto mais amplo que fomentaria discussões interessantes.
É bastante claro que esta instrumentalização do texto bíblico geralmente visa interesses institucionais e não precisa ser um exímio conhecedor do texto para saber que vários são usados de forma errada e várias vezes de forma perversa. A meu ver, se o diálogo com outras áreas de conhecimento fosse incentivado dentro das igrejas, isso geraria um debate muito mais profícuo, e um entendimento muito mais saudável do próprio texto bíblico. Obviamente que quando proponho tal diálogo, proponho que o mesmo seja honesto, ou seja, não vise apenas "comprovar" as coisas que estão na Bíblia de tudo quanto é jeito. Já perdi as contas de quantas vezes tentaram usar o texto bíblico para explicar a existência ou a não existência de dinossauros, ou "usar a ciência" para comprovar que o sol realmente parou depois da oração de Josué, etc. Este tipo de diálogo, por mais que seja interessantíssimo durante um almoço em um retiro, a meu ver em nada coopera para um melhor entendimento do texto.
Enfim, gostaria muito de ver a igreja evangélica brasileira desenvolvendo uma fé mais madura, que não se nega a debater assuntos importantes com uma mente mais aberta ao invés de sofrer da sina de enfiar um "evangelho" goela abaixo de qualquer um sob o pretexto de "pregar a tempo e fora de tempo." No entanto, para que seja capaz de tal diálogo, é preciso que tal igreja esteja disposta a ouvir um outro discurso que não o seu, assimilá-lo para depois debater, mas para isso exige-se que tal igreja não seja uma igreja infantilizada, mas que seja uma igreja adulta.
É bastante claro que esta instrumentalização do texto bíblico geralmente visa interesses institucionais e não precisa ser um exímio conhecedor do texto para saber que vários são usados de forma errada e várias vezes de forma perversa. A meu ver, se o diálogo com outras áreas de conhecimento fosse incentivado dentro das igrejas, isso geraria um debate muito mais profícuo, e um entendimento muito mais saudável do próprio texto bíblico. Obviamente que quando proponho tal diálogo, proponho que o mesmo seja honesto, ou seja, não vise apenas "comprovar" as coisas que estão na Bíblia de tudo quanto é jeito. Já perdi as contas de quantas vezes tentaram usar o texto bíblico para explicar a existência ou a não existência de dinossauros, ou "usar a ciência" para comprovar que o sol realmente parou depois da oração de Josué, etc. Este tipo de diálogo, por mais que seja interessantíssimo durante um almoço em um retiro, a meu ver em nada coopera para um melhor entendimento do texto.
Enfim, gostaria muito de ver a igreja evangélica brasileira desenvolvendo uma fé mais madura, que não se nega a debater assuntos importantes com uma mente mais aberta ao invés de sofrer da sina de enfiar um "evangelho" goela abaixo de qualquer um sob o pretexto de "pregar a tempo e fora de tempo." No entanto, para que seja capaz de tal diálogo, é preciso que tal igreja esteja disposta a ouvir um outro discurso que não o seu, assimilá-lo para depois debater, mas para isso exige-se que tal igreja não seja uma igreja infantilizada, mas que seja uma igreja adulta.

domingo, 15 de fevereiro de 2015
Um pouco sobre o amor
"Porque eu te amo, tu não precisas de mim. porque tu me amas, não preciso de ti. No amor, jamais nos deixamos completar. Somos, um para o outro, deliciosamente desnecessários." Roberto Freire
Via Isabela Martinez !
Pelo que vejo, a maioria das pessoas querem um outro para se sentirem completos.
Precisam da presença para que a solidão não assole.
Neste contexto, esquecem que o amor é sempre falta.
É sempre não ter o outro, e por isso é sempre escolha.
Mas não escolha pela presença do outro, mas escolha pela ausência dele,
Pois apenas pela ausência a presença se torna constante e não fugaz.
Lacan já nos dizia que amar é dar ao outro o que não se tem. Pois no amor o outro se coloca como aquele capaz de alguma forma tampar o vazio que habita o sujeito, mas ao mesmo tempo é ele mesmo fundado sobre o vazio o qual não pode ser tamponado por nada nem por ninguém.
No entanto nesta promessa de ser o Um para o Outro o outro se conforta e se apazígua.
Talvez os felizes sejam aqueles que mesmo sem precisar escolhem esse outro para caminhar junto consigo, e nesse caminho vão se completando sem nunca estarem completos.
Grande aposta é sempre o amor.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
Triste momento de Horácio
E a angústia o assaltava como há muito tempo não acontecia. Mas dessa vez era uma angústia que se misturava com expectativa, que ganhava contornos de ansiedade e o fazia perder um pouco a noção do tempo e das coisas.
Era como se Horácio fosse um grande fã da permanência, e qualquer mudança que acontecia em seu mundo o colocava em um não-lugar que ia ficando cada vez mais difícil de controlar. Sua obsessão pela repetição beirava a compulsividade e não raras vezes podíamos perceber que isso também o incomodava bastante.
Várias vezes ele não queria ser assim, afinal esse tipo de prática trazia sobre ele um enorme desconforto e sem contar que inúmeras vezes ele se sentia como que sendo um estorvo para os mais próximos dada a sua extrema fragilidade demonstrada pela sua obsessão.
Que ele tinha vários problemas familiares era algo que poucas pessoas sabiam, afinal ele não era também muito de comentar sua vida com estranhos, mas quase sempre lhe acometia um medo de ser abandonado pelos seus, medo de ser esquecido, um medo desesperador que inúmeras vezes o fazia querer agarrar-se a qualquer a qualquer mínima fagulha de companheirismo.
Talvez pelo fato de sua mãe ter sido muito ausente, ou pelo fato do pai, mesmo sendo aquele que o acompanhava à igreja, nunca tenha se feito participativo do processo educacional, sempre terceirizando os serviços educacionais na forma de babás, empregadas, etc.
Talvez um pouco daí a sua obsessão e o seu desejo homeostático. Ao tentar manter tudo em perfeita ordem, fazendo o possível para que o presente e o futuro fosse exatamente como foi o passado, Horácio se sentia mais seguro e o abandono parecia menor, afinal era como se para ele aquilo servisse de garantia de alguma coisa; garantia de que não precisaria novamente batalhar por tudo que já tinha conquistado.
Esta análise selvagem (para falarmos como Freud) que fazemos da figura de Horácio talvez em nada nos ajude a compreender o porque de tamanha ansiedade, o porque de tamanha preocupação, mas talvez de alguma forma nos ajude a compreender um pouco da figura de Horácio. Como já comentamos um pouco sobre Horácio outras vezes, não cabe aqui ficar repetindo o que já sabemos.
Esta compulsão pelo mesmo demonstrava um caráter tipicamente neurótico de Horácio, e acredito que qualquer psicanalista veria nele uma espécie de "tipo ideal do neurótico", mas para todos os efeitos Horácio nunca tinha ido a um psicanalista, na realidade ele achava essa noção de inconsciente, recalque, etc. meio estanha demais para ele. A ideia de que no ser humano haveria algo que o incita a autodestruição soava muito estranho para Horácio, que todos sabemos era um sujeito bem tranquilo e bondoso.
Enfim, o que tinha naquele momento era apenas aquela angústia vazia, destituída de todo objeto, que nada nem ninguém o ajudaria a superar. Era como se a fixação de Horácio sobre os pequenos detalhes fosse um grande empecilho para coisas mais profícuas para si e esse excesso de detalhe gerava nele aquela angústia que ele lutava com todas as forças para não aparecer. Olhava demais para o micro e isso gerava aquela angústia no macro. Triste momento de Horácio.
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Horácio

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
O exemplo de Procusto e o exemplo de Jesus
Por favor me perdoe se para mim o mundo é assim. O que posso dizer além disso? Se nossas visões sobre as coisas são diferentes, se nossos valores são outros, se nossas lutas são tão distantes? O que dizer a não ser tal pedido de perdão?
Em vão será tentar convencer o outro daquilo que ele não acredita. Toda tentativa de convencimento acaba no final parecendo uma triste tentativa de reproduzir o mito de Procusto, aquele que procurava incessantemente uma mulher perfeita, mas sempre que encontrava alguma mulher era necessário levá-la para casa e a fazer deitar em sua cama de pedra. Se a mulher fosse menor que a cama de pedra, ele se sentia compelido a esticar a mulher para que ela ficasse exatamente do tamanho da cama. Se ela fosse maior que cama de pedra, ele simplesmente serrava os pés dela para que ela ficasse do tamanho da cama de pedra. Mais importante que a mulher era a cama para Procusto. (Há várias versões do mito de Procusto. Alguns afirmavam que sua cama era de ferro e ele seria uma espécie de sádico que mantinha duas camas diferentes de forma a cortar ou esticar qualquer um que deitasse na cama, mas eu gosto desta versão de alguém que procura alguém a partir de um padrão.)
Em que medida isso não beira às nossas inúmeras tentativas de convencer o outro de algo que para nós geralmente aparece como algo inegociável?
De alguma forma é como se todos nós estivéssemos serrando, esticando pessoas para que elas sempre se ajustem à nossa cama de pedra, pois só assim elas poderão ser vistas como perfeitas para nós.
Triste Procusto que não enxergava a perfeição senão comparando com um modelo ideal. Triste de nós que várias vezes agimos igual Procusto sempre querendo que o outro seja de acordo com aquilo que imaginamos, de acordo com aquilo que esperávamos delas.
A nossa cama de pedra é muitas vezes mais importante que a própria pessoa que procuramos incessantemente. Nossos padrões às vezes são tão altos, tão rígidos, tão estanques que não admitimos por um segundo sequer que possa haver alguém que seja bom para nós sem fazê-la passar pela nossa cama de pedra.
Em um mundo onde supostamente as camas de pedra estão abolidas, uma vez que qualquer tentativa de padronização, qualquer tentativa de normalização é vista como abusiva, ou como algo que não deve ser feito, é de se espantar que ajamos cada vez mais como Procusto.
Uma grande hipocrisia nos habita nesse sentido, pois ao mesmo tempo que negamos e lutamos contra qualquer tipo de normalização ou padronização do que quer que seja, saímos todas as noites procurando alguém que seja do tamanho da nossa cama de pedra. É como se o laissez-faire valesse apenas enquanto estamos peregrinando, mas assim que chegamos em casa lá está a cama de pedra que se impõe a nós e nos vemos quase que compelidos a seguir o seu comando.
Curiosamente todos nós agimos inúmeras vezes como Procusto e quase sempre achamos que não estamos agindo de forma a imitá-lo.
Por isso que talvez a noção de "convencimento" me pareça estranha. Note-se que aqui não falo de "esclarecimento", ou "explicação", ou dar a entender a um outro sobre determinado assunto. Não se trata disso. A noção de convencimento que comento aqui é aquele convencimento um tanto quanto falacioso que várias vezes fazemos com quem nos cerca. Quando convencer o outro se torna serrá-lo ou esticá-lo para que pense como eu penso, para que aja como eu ajo, para que seja como eu sou. Esse tipo de convencimento é que me lembra Procusto e sua cama de pedra.
Aqui não tem como não lembrar dos inúmeros evangelismos que já participei na vida. Sempre que saíamos para evangelizar nos era proposto que falássemos do texto bíblico no sentido de "convencer" o nosso interlocutor daquilo que estávamos falando. Obviamente que não cabia a nós "convencer", mas sim ao Espírito Santo, afinal, é Ele que nos convence do pecado da justiça e do juízo como nos afirma o texto bíblico. No entanto, algo extremamente curioso é que o Espírito Santo nunca "convencia" ninguém de algo diferente daquilo que nós acreditávamos. É como se o convencimento do "Espírito" de alguma forma corroborasse sempre a nossa fala. É como se de alguma forma Ele quisesse serrar ou esticar pessoas assim como nós queríamos que acontecesse. Lembro que achava isso muito estranho. Em 2009 já falava que talvez isso seria um grande problema ontológico e hoje ainda mantenho a minha posição daquela época.
A meu ver a posição hipermoderna do "cada um por si contando que não me perturbe", não funciona, pois aqui novamente é como se a indiferença se transformasse também em uma grande cama de pedra a qual todos devem se submeter, e isso novamente nos coloca diante de Procusto. Aparentemente o nosso desafio se torna encontrar um justo meio entre o querer que o outro seja como eu, e o ser completamente indiferente em relação ao outro. Ou seja, o desafio em um mundo onde todas as camas de pedra são criticadas se mostra o tentar aceitar o outro na sua diferença, mas sempre lembrando que toda aceitação remete a um se importar com esse outro.
Aceitar algo é uma atividade e não apenas passividade. Quem aceita o Outro, deve aceitar por livre e espontânea vontade, e para isso é preciso que haja uma disposição, uma vontade em receber esse Outro sem fazê-lo deitar em nossa cama de pedra. Se na maioria das vezes não somos capazes de quebrar a nossa cama de pedra, afinal ela foi construída ao longo de toda a nossa história, pelo menos somos capazes de não obrigar ninguém a deitar sobre ela.
Ao invés da cama, uma mesa onde dois diferentes se sentam e dialogam mostrando com isso que se importam um com o outro, mas nenhuma das partes visa subjugar o outro. Por que não dizer que esse seja um excelente caminho para pensarmos os nossos relacionamentos de amizade, os relacionamentos amorosos, o diálogo ecumênico e interreligioso?
Ao invés de seguirmos o exemplo de Procusto por que não seguimos o exemplo de Jesus que em nenhum momento tentou convencer ninguém de nada, mas ao invés disso sempre se mostrou disposto a aceitar o outro na sua diferença? Por que não aceitar o convite de Jesus que ao invés de tentar se impor por meio de um modelo, retorna aos discípulos para perguntar: "Quem vocês dizem que eu sou?" Do fechamento de Procusto em torno de sua cama de pedra de onde tinha olhos apenas para o seu modelo construído, à abertura da proposta de Jesus que culmina na cruz e se abre para todos que querem se aproximar. Talvez essa abertura seja um excelente meio termo entre o aprisionamento em torno de um padrão e a completa indiferença em relação ao outro. Talvez aqui esteja a possibilidade do justo meio que remetemos mais acima nesse texto.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015
A falta
Era o ônibus que não passava
O celular que não carregava
A carta que não vinha
A mensagem que não chegava
O telefone que não tocava
A palavra que não se ouvia
A notícia que demorava.
Era a quebra da rotina
A vida diferente
O momento que não passava
A solidão do trabalho
O ócio da existência
O medo do desamparo
Era o coração apertado
A dor que batia
O medo que rondava
A esperança que não vinha
Era tudo isso
Mas tudo isso representava apenas a falta.

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