domingo, 27 de março de 2016

A Páscoa como abertura de sentido






Uma das inúmeras coisas que aprecio na igreja católica é a forma como se fala quando alguém morre. É algo muito comum ouvir de vários padres a fala : "Fulano realizou sua páscoa hoje", ou seja, esse alguém faleceu naquele dia, realizando assim sua Páscoa; sua passagem desta vida. 
Essa pequena fala sempre me remete à Páscoa judaica, à "passagem do anjo" no Egito onde todos os primogênitos egípcios teriam sido mortos e os do povo judeu teriam sido poupados. 

No cristianismo a Páscoa remete à ressurreição do Cristo, i.e, o mais importante não é a morte, mas a ressurreição; não mais a passagem, mas a esperança que o Cristo nos traz de que há algo para além da mera morte sem sentido, de que a vida pode sim superar todas as expectativas calculadas, de que há algo nela que escapa à determinação inexorável das coisas. A Páscoa nos faz lembrar não que a morte não significa nada; muito pelo contrário, ela nos lembra que até mesmo aquele que vários viam como salvador do mundo passa por ela, que ela se impõe a todos independente da sua missão, independente da sua visão de mundo. No entanto, a ressurreição do Cristo abre as portas para a esperança para além de toda esperança diante de um mundo onde cada vez menos se pode esperar algo de bom. 

Para alguns a ressurreição é visto como uma negação da finitude humana, pois mostra que a morte significaria apenas realmente essa "passagem" para uma outra vida em que não haveria mais morte nem dor, mas apenas alegria e a vida seria eterna. Para mim o mérito da ressurreição celebrada na Páscoa não é esse, não é uma negação da finitude humana, mas exatamente o seu oposto, ou seja, a aceitação plena de que somos finitos, a aceitação plena de que a nossa vida adquire sentido a partir daquilo que nos é possibilitado desfrutar plenamente enquanto humanos. A ressurreição do Cristo se torna um símbolo dessa possibilidade de sentido. Ele abre para nós tal possibilidade e isso é realmente algo sem preço. 

Dessa forma o mais importante não se torna o fato concreto da ressurreição de Jesus, (que obviamente se pode crer que tenha de fato ocorrido) mas muito mais o símbolo que tal discurso traz, a esperança que tal discurso carrega, a fé que tal discurso é capaz de mobilizar. Nesse sentido podemos dizer claramente que Jesus venceu a morte, pois rompeu para nós com a ideia de que ela seria o último discurso possível, de que nela todas as outras coisas se tornam vãs e abriu para nós a possibilidade de uma vida em abundância.

A Páscoa se mostra assim como uma grande virtude teologal, ou seja, como algo vindo de Deus para nós, como um remeter diretamente à esperança concedida como dom divino. Ao dizermos que Ele ressuscitou remetemos a essa esperança em nós e por isso somos capazes de crer que o futuro será melhor que o passado, de que a vida pode adquirir um sentido para além de todas as evidências do contrário. Como diz um cântico famoso na igreja protestante, "porque Ele vive posso crer no amanhã!" e isso é muita coisa.


Feliz Páscoa !




sexta-feira, 18 de março de 2016

Nós, os administradores








Nós, os administradores - Em todo tempo como quem balança sobre uma fina corda sobre um abismo, tentamos fazer com que ninguém veja sobre o que estamos caminhando na tentativa de fazer o outro se sentir seguro. Felizmente, de vez em quando, somos conclamados pelo outro ou por nós mesmos a olharmos para nós e percebemos que a corda bamba na qual nos encontramos também está sendo administrada por nós e por isso exige que prestemos atenção sobre ela e sobre nós mesmos na jornada. Queremos dar atenção a todos da mesma forma, mas nunca conseguimos. Primeiramente porque há outros mais importantes que outros, há outros que demandam mais atenção que outros, há aqueles que não demandam nada de nós, mas nós demandamos muito deles. Nessa difícil equação na qual nos colocamos não raras vezes nos sentimos culpados, piores, desorientados; quer seja por não conseguir atender a todas as demandas como gostaríamos, quer por demandar do outro mais do que gostaríamos. Estamos então em um constante administrar dos recursos, do tempo, dos sentimentos, do trabalho, das expectativas dos outros para conosco, das nossas expectativas  para conosco, das nossas expectativas  para com os outros, e nisso balançamos com mais força a corda sobre a qual caminhamos.  Bem-aventurados aqueles dentre nós que dominaram a arte da administração e, que por isso, conseguem caminhar calmamente naquela corda sobre o abismo.




sexta-feira, 11 de março de 2016

Estas pouquíssimas pessoas









Certa vez escrevi sobre os pequenos gestos e a cada dia fico mais impressionado com a atitude destas pouquíssimas pessoas que insistem em se fazer presentes de forma tão ímpar em nossas vidas. 

Diante dessas pouquíssimas pessoas somos capazes de nos mostrar fracos, impotentes, confusos sem precisar temer nada, pois saberemos que o outro nos acolherá e fará o possível para que nos sintamos melhor diante daquilo que nos assola.

Diante destas pouquíssimas pessoas somos capazes de nos mostrar como realmente somos, mostrar as nossas neuroses mais estranhas e ainda assim nos sentirmos acolhidos. 

Diante destas pouquíssimas pessoas somos capazes de perceber que o outro é capaz de abrir mão do seu conforto, do seu tempo, para que você se sinta melhor, para que possa de alguma forma te ajudar, e isso é sempre sem preço. 

Estas pouquíssimas pessoas não irão tentar racionalizar a sua situação no intuito de fazer você parecer ridículo. Elas não vão falar apenas um "você não pode ficar assim" e fingir que por meio dessa expressão mágica tudo se resolverá. Muito pelo contrário, elas serão capazes de, várias vezes, reorganizar o seu próprio tempo para que possam te ajudar da melhor forma possível.

Estas raras pessoas são capazes de compreender suas "neuroses", mas ao invés de desprezá-las e julgá-las sem sentido, elas compartilham contigo tal vivência, procuram entender; às vezes são capazes de fazer determinadas coisas por que sabem que o momento demanda não uma luta contra tal "neurose", mas sim a sua vivência. No entanto, ao invés de apenas reforçar o comportamento neurótico, de dentro da própria situação, procuram te ajudar a não deixar que tal "neurose" te sucumba. 

Estas raras pessoas não te deixarão sozinho em meio a angústia, mas se mostrarão como "socorro bem presente na adversidade" (Sl 46,1). Diante delas nos sentiremos amados e acolhidos. 

Quão difícil é, várias vezes para nós, aceitar esse tipo de atitude vindo do outro! Várias vezes queremos manter firmes em nós certa visão polarizada do amor, não o entendendo como troca mútua, mas como depósitos bancários que esperamos resgatar em momentos oportunos, colocando-o como algo que pode ser cobrado, pois já foi investido antes. Nesta dinâmica corrosiva esquecemos que o amor é sempre também graça, e por isso também, "dom imerecido". 

Estas pouquíssimas pessoas tornam o ato de "deixar ser amado por elas" muito mais simples, pois suas ações não refletem nenhum tipo de obrigação, nenhum tipo de "tarefa a ser feita", mas refletem pura gratuidade, pura liberdade, pura leveza; enfim, refletem um puro amor por nós!

Estas pouquíssimas pessoas são as que queremos por perto em todos os momentos, tanto os tristes quanto os alegres, pois diante delas somos capazes de revelar o melhor e o pior de nós. 










quarta-feira, 2 de março de 2016

Entrevista sobre Religião e Hipermodernidade no programa Religare da PUC Minas





Recentemente tive a oportunidade de participar do programa Religare da TV Horizonte e ser o entrevistado sobre a questão religiosa no âmbito da chamada hipermodernidade. Foi uma experiência muito boa e compartilho o link para quem tiver interesse em assistir.

https://www.youtube.com/watch?v=n-Zj9-Yn6Tk





segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Platonicamente: Retratos de um nada




Eu acabo que me sinto meio bobo escrevendo para você sabendo que provavelmente não terei respostas dos emails, ou das cartas que poderia enviar, ou das mensagens que poderia escrever, ou qualquer outra forma de comunicação que eu pudesse tentar. 

Não sei porque insisto em seguir escrevendo, continuo pedindo notícias, continuo tentando me fixar em algum pequeno sinal dado de 3 em 3 meses quando por algum acidente alguma resposta chega. É como se por algum motivo eu tentasse manter viva a esperança de que em algum momento seríamos capazes de voltar a experienciar nossos momentos, que seríamos capazes de reviver tudo aquilo que vivemos, mas por algum motivo não fomos capazes de persistir. Ou melhor, você não foi capaz de persistir, afinal, eu persisto até hoje como quem ficou preso a um passado que paradoxalmente não pode a ele retornar. 

Fui eu que me prendi a você em tempos idos e agora não consigo mais deixar de experienciar a perda a que fui submetido. Talvez desse sentimento de negação de uma perda, e apenas daí, eu tire uma pequena gota de esperança que me move em direção a uma tentativa de reencontro. Mas qual o sentido de negar um fato consumado, experienciado, traumático como esse? Se o mundo da vida se impôs de maneira tão fulcral, porque insistir em manter uma esperança vazia? O que isso poderá trazer senão apenas mais sofrimento? Em que medida se agarrar ao passado fará surgir perspectivas novas? 

Ah se pelo menos eu tivesse a resposta para essas perguntas... Se por algum motivo eu vislumbrasse algum tipo de saída possível para essa situação... Quem sabe assim eu não seria um pouco mais feliz? Um pouco mais animado com a vida? Menos depressivo? Quem sabe eu até poderia me engajar em outras empreitadas que envolvem uma outra pessoa e finalmente esquecer tudo o que você representou para mim... 

Infelizmente, como todo neurótico, me agarro às fantasias do passado e platonicamente imagino momentos em que nada é diferente, e que por ser assim, tudo se torna diferente. Imagino o que seria de nós se por algum motivo você não tivesse decidido ir e me deixado sozinho; penso em que medida não poderíamos agora celebrar bons momentos, experienciar novas coisas, reviver outras... Tudo poderia ser tão aprazível novamente...

No lugar disso resta  um grande vazio potencializado pela ausência de notícias. Resta uma distância intransponível que mesmo se nos encontrarmos algum dia penso que será irremediável e não por minha causa. Não, não por minha causa, mas novamente por sua e apenas sua causa. A raiva que isso me traz várias vezes me consome e me pego tentando lhe desejar mal, mas sem conseguir. Mas nem por isso guardo rancor, nem por isso te aprecio menos. Apenas tento entender o porquê de tamanha distância, o porquê de tanto ostracismo. Enquanto não compreendo, sigo enfrentando os trabalhos e os dias tentando esquecer, mas sabendo de antemão que não conseguirei cumprir tal tarefa...

E tudo isso ocorre sem que você ao menos saiba disso, e talvez isso seja o mais angustiante...



terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Dostóievski e a Graça







"- Ter pena! Por que haviam de ter pena? - exclamou, de repente, Marmieládov, levantando-se de mão estendida, tomado de uma firme exaltação, como se estivesse apenas à espera daquelas palavras. - Mas por que teriam pena de mim? Digam! É assim mesmo. Não há motivo. O que devem fazer é me cravar numa cruz e sem pena de mim. E então eu mesmo irei procurá-lo para sofrer o suplício, pois não é de alegria que tenho sede, mas de tristeza e de lágrimas! 

Imaginas tu, taberneiro, que esta meia garrafa me trouxe a felicidade? Sofrimento, o sofrimento é que eu procurava no fundo dela; tristeza e lágrimas, e encontrei-as, realmente; quanto à piedade, há de ter piedade de nós Aquele que de todos se apiedou e tudo compreendeu; Ele, que é o amigo e também é o juiz. Nesse dia Ele há de aparecer e perguntará: "Onde está essa pobre moça que se vendeu por uma madrastra má e tísica e por umas crianças que lhe são nada? Onde está essa pobre moça que teve compaixão pelo pai, bêbado inveterado, sem se assustar com seu embrutecimento?" E depois dirá: "Anda, vem cá! Eu já te perdoei uma vez. Já te perdoei uma vez. Perdoados sejam agora os teus muitos pecados, porque amaste muito." [...] E há de julgar a todos e a todos perdoará, tanto aos bons como aos maus, aos prudentes e aos pacíficos... E depois de julgar todos, se inclinará também para nós: " Vinde cá", dirá, "vós outros, também, vós os bêbados, vinde cá, desavergonhados; vinde cá, porcalhões!" E nós nos aproximaremos, sem nos envergonharmos, e nos deteremos. E ele dirá: "Meus filhos! Imagem bestial é a vossa e tendes a sua marca; mas aproximai-vos também." E intervêm os castos, e intervêm os prudentes: "Senhor! Mas vais admitir estes também?" E ele dirá:
"Pois eu os admito, ó castos! Aqui os acolho, ó prudentes! Porque nunca um só deles se julgou digno de tal mercê..." E nos estenderá as suas mãos, e nós nos entregaremos nelas e romperemos em pranto e compreenderemos tudo... Então, havemos de compreender tudo! E todos hão de compreender... [...] Senhor, venha a nós o vosso reino..."


DOSTOIEVSKI, Fiodor. Crime e Castigo. 2008 p. 33-34



terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Templo de Salomão - Parte 3 - O pastor R.






Uma das coisas que acho muito interessante em qualquer viagem que faço é conhecer o modo de vida das pessoas que residem no local. Sempre dou preferência por andar de ônibus, metrô, a pé, ou seja, experienciar a cidade em que estou e tentar viver ao máximo como se fosse um residente daquela cidade. Dessa forma, procuro ir aos lugares onde as pessoas vão para almoçar, passear e etc. Obviamente que quando vou a turismo acho interessante visitar os pontos centrais das cidades, mas procuro sempre fazer isso da maneira mais "local" possível. Esse tipo de experiência é muito interessante e, pelo menos para mim, faz com que a cidade pareça mais verossímil do que simplesmente entrar em um táxi ou uma van e sair de um lugar diretamente para outro sem perceber as vivências sociais, pessoais, etc. 

A mesma ideia caminha comigo quando vou em algum restaurante, mercado, ou coisas do gênero. Sempre procuro conversar com a pessoa que está executando determinado serviço para saber sobre a sua satisfação em fazer determinada coisa, saber se o valor que recebe de salário é um valor que lhe agrada, saber se a pessoa se sente bem fazendo o que faz, se as leis trabalhistas são cumpridas quanto a jornada de trabalho, valores recebidos, etc. Acho muito bom ouvir as pessoas sobre essas questões e é algo que se tornou bastante natural para mim. Sempre faço esse tipo de coisa e várias vezes é uma experiência muito interessante. Lembro de certa vez que reparei que as atendentes de uma determinada loja na praça de alimentação de um shopping não tinham lugar para sentar em seu balcão e daí perguntei se lá dentro havia algum lugar para descansarem e elas me responderam que não, que elas tinham que ficar em pé durante todo o turno de trabalho sendo que uma delas até comentou com a outra para não comentar nada sobre o assunto. Fiz uma reclamação com o gerente no dia e depois ainda mandei um email para a rede de alimentos relatando o fato. Dias depois passei lá e vi que já tinham colocado um banco para as funcionárias sentarem durante o expediente. (Obviamente que não sei dizer se minha denúncia cooperou ou não para isso, mas pelo menos o problema se resolveu aparentemente)

Outra experiência interessante que tive foi durante a visita ao templo de Salomão em SP no final de 2015. Dentro do templo encontramos o pastor R. que muito gentilmente nos conduziu pelo templo e nos explicou diversas coisas sobre o funcionamento do local. Durante nossas andanças pelo templo com ele lhe perguntei sobre a sua formação, se residia ali em SP, se estava gostando da experiência de ser pastor na Universal e ele me disse que aquilo era tudo que ele sempre quis fazer. Ele me contou que se converteu ainda adolescente na Universal da Paraíba e desde a sua conversão queria se tornar pastor da igreja, pois achava aquela função algo muito bonito e se totalmente se via exercendo tal função. Depois da conversão o pastor R. passou a frequentar os cultos e sempre com o desejo de se tornar pastor. Ao atingir uma idade maior o pastor R. entrou para o seminário de formação de pastores da igreja Universal e fez o curso para se tornar pastor ainda na Paraíba. Segundo ele, aquele primeiro passo era o início da realização de um sonho.
Quando ficou sabendo da construção do templo de Salomão, o pastor R. colocou em sua cabeça o sonho de ser um dos pastores no templo. Aquele era o seu novo sonho e ele nos contou que fez tudo o que podia para ajudar na construção do templo. Ele se recorda até com certo orgulho que ele mesmo contribuiu com o valor de 1 cadeira para o templo (O valor de cada cadeira do templo, segundo ele, é de R$ 2842,00) e que quando da inauguração do templo ele fez questão de viajar para SP e estar presente. Segundo ele a sua experiência ali foi maravilhosa e ele até hoje não consegue explicar a forma como foi parar como um dos pastores do templo de Salomão, mas se sente extremamente realizado por estar ali "cooperando" com o serviço exercido ali.
O pastor R. em toda a sua simplicidade e dedicação estava realmente convencido de que no templo de Salomão havia algo "diferente" que levava todos a se "aproximar de Deus" de forma que nos explicou o porquê da proibição de celulares e câmeras dentro do templo como aquilo que atrapalharia uma experiência genuína e quebraria a ambientação propícia para tal experiência. 

Uma coisa que achei interessante no pastor R. é que ele falava como quem realmente acreditava que o seu papel estava sendo extremamente bem executado e que aquele era de fato o lugar que Deus planejou para ele. Toda a discrepância entre o templo, sua estrutura, seu funcionamento e aquilo que ele realmente ganhava era deixado de lado em nome desse objetivo que traçou para si e que via como quem fazia parte daquilo. O pastor R. parece demonstrar para nós algo muito comum na relação entre a igreja e o mundo que a circunda. É como se para dentro dos muros do templo nada mais importasse além da própria estrutura do templo. Toda a pobreza que circunda o templo, toda situação marginalizante é deixada do lado de fora para que das portas para dentro a coisa funcione. Algo muito parecido reparei na visita a Aparecida do Norte no início de 2015. Dos portões para dentro uma realidade muito diferente daquela que é vista dos portões para fora. Enquanto do lado de dentro reina a opulência, a beleza, do lado de fora reina a pobreza, a sujeira e é como se os dois mundos jamais se encontrassem.

O pastor R. parece alheio a essa divisão entre o seu papel dentro do templo e o seu lugar que deve ser exercido fora dele, ou seja, enquanto pastor que deve cuidar de todos aqueles que necessitam, quer esteja dentro ou fora do templo. A vida do pastor R. nos pareceu se resumir à sua função no templo, e aqui o conceito de alienação aparece na sua forma talvez mais crua. Longe do clichê da alienação religiosa vinculada a ignorância, pois aqui não parece se tratar disso, mas antes uma alienação muito mais perversa, ou seja, aquela que faz o ser humano ser reduzido à sua função como algo da qual não deve sair nunca. Ele passa a se definir por aquilo que faz e isso é muito mais comum do que às vezes imaginamos. O pastor R. em toda a sua dedicação à sua função parece apontar para nós aquilo que várias vezes queremos esconder, ou seja, que no mundo do capital nos definimos a partir daquilo que fazemos, que nos definimos a partir da nossa relação com o capital, e nada além disso importa, exceto que executemos a nossa função da "melhor maneira possível". Podemos até não aceitar que "Deus nos colocou em tal lugar", mas colocamos outros "deuses" como responsáveis por nosso papel social.

Diante dessas impressões acredito que o pastor R. seja um exemplo paradigmático tanto da relação entre igreja-mundo, em que o lado de dentro dos muros fica em grande parte alheio ao lado de fora, quanto da relação sujeito-igreja, em que o sujeito se mescla à sua função exercida remetendo à dimensão sujeito-mundo-dominado-pelo-capital em que o sujeito se define apenas por aquilo que realiza no mundo do trabalho, e aqui podemos perceber algo que já é sabido de vários que é a estrita relação atual entre igreja e capitalismo que se acentua de forma extremamente peculiar no meio neopentecostal da qual a IURD é símbolo.