quarta-feira, 16 de outubro de 2013
Trabalho, Internet, Paradoxo...
Sei que já se tornou um grande clichê falar do paradoxo aproximação/afastamento provocado pela internet, mas olhando para trás em minha trajetória em diversos empregos é muito claro para mim o afastamento que a internet provoca criando a ilusão de proximidade. Cito apenas dois exemplos de dois lugares onde trabalhei.
Há cerca de uns 10 anos atrás, eu trabalhava em um lugar onde tinha-se muito pouca coisa para fazer. O trabalho propriamente dito era uma parte esporádica do dia, e na maior parte do tempo ficávamos apenas lá à espera de que alguém procurasse o setor para resolver alguns problemas. Pouquíssimas pessoas chegavam na maior parte das vezes, em uns raros momentos havia "horários de picos" que eram facilmente resolvidos por quem trabalhava lá.
Um dado que acho importante ressaltar é que no setor trabalhavam uma média de 10 pessoas entre chefia, auxiliares administrativos, vigilância, etc. no entanto, havia apenas 1 computador no setor. Este 1 computador ficava na sala do chefe e era usado para os lançamentos de dados nas planilhas e os acessos à internet que alguém quisesse fazer. A meu ver, o fato de haver apenas um computador e este ficar na sala do chefe propiciava para os funcionários um tempo de conversa entre si que não aconteceria se cada um tivesse um computador à sua disposição. Como não havia muito para fazer em questões de trabalho, e não havia um computador para cada pessoa de forma a cada um se distrair com seus afazeres particulares, restava à maioria o convívio pessoal regado a muita conversa e cafés.
Estes momentos de conversa eram muito bons na maior parte do tempo e nos fazia entrar em direto contato com o outro e desenvolver uma verdadeira amizade que cooperava muito para o bom andamento do setor. Nos diversos diálogos que tínhamos éramos capazes de compartilhar dificuldades em casa, estudos, marcarmos de sair, ir na casa um do outro, enfim, desenvolver uma amizade que transcendia a esfera do "mundo do trabalho".
Atualmente trabalho em outro lugar onde também há muito pouca coisa para fazer. O trabalho aparece em pequenos momentos também e raramente temos horários de pico onde uma ação mais efetiva seja necessária. São também uma média de 10 pessoas no setor, mas ao contrário do primeiro exemplo, cada um tem seu próprio computador com conexão a internet e isso a meu ver provoca um grande afastamento nas relações humanas. Já trabalho neste setor há 6 meses e conheço muito pouco a respeito das outras pessoas que trabalham comigo. Não sei direito onde moram, nem se tem irmãos, família, se preferem churrasco ou saladas, se são cruzeirenses, atleticanos ou se nem ligam para futebol, etc. Praticamente não sei nada sobre as pessoas que trabalham comigo. A meu ver isso se deve em grande parte ao fato de na maior parte do tempo cada um estar preocupado com sua conta no facebook, sua série americana preferida, seus livros, e tudo isso facilitado pelo simples fato de ter um computador conectado à internet bem a sua disposição.
Neste caso, a internet promoveu um grande afastamento das relações humanas. É como se elas não precisassem se relacionar no mundo do trabalho. Não é porque elas têm muita coisa para fazer, ou esteja passando mal, ou coisa do tipo, é simplesmente a grande ausência de interesse pelo contato com o outro que acaba sendo substituído pela internet muito facilmente. Como já expus em outro texto, há toda uma concepção de diferenciação entre o "mundo da vida" e o "mundo do trabalho". (Você pode acessar o outro texto aqui)
Este afastamento acaba propiciando um ambiente de trabalho um tanto quanto "mecanizado" onde se perde um certo "quê" de "humanidade". Entramos e saímos sem trocas simbólicas, apenas "fazendo nosso trabalho". Esta ausência de troca simbólica a meu ver é prejudicial e é algo que precisa ser mudado para um funcionamento mais humanizado do setor.
Como todos sabemos, o grande paradoxo da internet consiste em nos aproximar do mundo e nos afastar das pessoas próximas dificultando as trocas simbólicas que envolvem um outro que não eu mesmo narcisicamente projetado em relacionamentos virtuais. Para mim, este distanciamento se faz notar de forma muito nítida a partir destes dois exemplos tirados da minha experiência. Obviamente que eu mudei, que as pessoas mudaram de um lugar para outro, mas o que se perdeu não tem a ver com as mudanças das pessoas, mas com a mudança das "formas" de relacionamentos criadas hoje, que várias vezes tem muito pouco de "relacionamento" e mais de "ensimesmamento". Este "ensimesmamento" acaba isolando o sujeito do mundo humano, configurando não raras vezes em um grande vício que se atentarmos bem funciona de forma parecida com uma droga na qual o sujeito se isola tentando narcisicamente encarar o mundo sem o outro.
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segunda-feira, 7 de outubro de 2013
Digressões
Que houvesse flores em todo o canto e nada as impedissem de crescer.
Nada o impedisse de crescer.
Diante da beleza o que resta é apenas o silêncio.
Como bons místicos que finalmente se entregam diante do nada e tudo ao mesmo tempo
onde o que resta é apenas o Eu diante do mistério.
O paradoxo do silêncio que invade a alma e faz vir a paz que excede todo entendimento...
A contemplação da vacuidade, mas ao mesmo tempo, a percepção do propósito...
A entrega.
A aposta.
A fé.

terça-feira, 3 de setembro de 2013
Um pequeno gesto como subversão
Às vezes não é muito o que é necessário para se fazer uma pessoa feliz. Os pequenos gestos fazem toda a diferença em qualquer relacionamento, seja ele um namoro, um casamento, uma amizade. E talvez o fato dos pequenos gestos fazerem tanta a diferença é que geralmente eles vêm em horas que você não está esperando. Esta surpresa dos gestos simples é realmente encantadora.
Os pequenos gestos, talvez por serem pequenos, geralmente vêm de quem se importa. Raramente uma pessoa que não dá a mínima pra você fará um gesto pequeno que mudará o seu dia.
Primeiramente porque apenas quem está próximo será capaz de sentir sua falta.
"Segundamente" porque para que o gesto ocorra é preciso que você ocupe um lugar no coração do outro que várias vezes não é preenchido por ninguém mais. Não que isso o torne mais especial que outras pessoas, mas isto te torna único no coração do outro.
O gesto simplesmente acontece e você fica ali, sem ter palavras para dizer o quanto tal gesto significou para você em um determinado momento de sua vida. Poderia ser uma ligação, um email, mas era uma pequena mensagem que, de tão simples que era, fez toda a diferença na minha tarde. Era apenas uma mensagem, mas que trazia consigo todo o carinho, toda a preocupação, toda uma história de uma saudável amizade. E o que mais me impressiona é o que motivou tal mensagem. O que a motivou foi um pequeno comentário meu sobre uma situação minha. Isto fez o coração desta outra pessoa se mobilizar de tal forma que mesmo distante fisicamente, sua presença se faz mais constante que várias.
Ser um outro para o outro está cada vez mais difícil em uma sociedade tão narcísica como a nossa onde cada um preocupa-se apenas com seus problemas, onde o outro some muito facilmente pois com ele vem uma demanda que não é o "eu mesmo" e desta forma não é digno de importância. Um lugar onde este narcisismo se mostra de forma clara é o das redes sociais.
As redes sociais ao mesmo tempo que visam aproximar as pessoas uma das outras por meio da tecnologia promovem uma completa "monadização" massiva. Isto é, pequenas mônadas, aparentemente completas em si mesmo compartilhando, tweetando coisas que na maioria das vezes passa apenas uma imagem (e muito distorcida) da pessoa que posta ou tweeta um assunto. Dentro deste contexto é muito fácil ser uma pessoa legal, inteirada, com visões políticas atuais, sem preconceitos, livre de todas as amarras, que lê apenas coisas interessantes, que tem amigos legais, que tem posições políticas interessantes, vanguardistas, reformistas, esquerdistas, que é a favor do homossexualismo, pansexualismo, teoria queer, que é favor da não-discriminação dentro do futebol, que é favor do feminismo, contra o machismo, contra a igreja, a favor dos médicos cubanos, etc... Curiosamente, os mais "vanguardistas" do mundo cibernético assumem quase sempre a posição "mainstream" dos meios cibernéticos e não raras vezes vemos se formar aí um discurso extremamente fundamentalista em torno de alguns assuntos. É como se a "mente aberta" do vanguardista só comportasse assim na presença do que pensa igual e nunca com o que pensa diferente. A meu ver isto é um estranho paradoxo.
É fácil ser qualquer coisa no mundo cibernético, e isso a meu ver faz com que cada vez mais o sujeito perca a dimensão do outro em meio a tantos posicionamentos, em meio a tantos subterfúgios para sempre parecer "in" sobre todos os assuntos. A busca por uma espécie de aceitação (na defesa das posições mainstream) acaba fazendo com que o sujeito se volte apenas para si, apenas para sua auto-imagem reproduzida em sua timelinte e neste contexto o outro some em meio ao narcisismo da aparência promovido em grande parte pelas redes sociais.
Mas ao mesmo tempo este tipo de comportamento nas redes sociais mostra uma dinâmica muito hipermoderna que é o simples fato de ver como negativa toda forma de limite. O limite é encarado como algo prejudicial pois cerceia o sujeito de alguma forma. Se instaura uma espécie de "cinismo contemporâneo" onde o que se coloca como ideal é a completa ausência de leis, a completa ausência de limites, e isto visto como uma espécie de liberdade. (Para quem não se lembra, o cinismo é uma escola helênica que pregava uma espécie de "prazer desmedido". Eles se consideravam cidadãos cosmopolitas e por isso afirmavam que não precisavam respeitar nenhuma lei da sua cidade, daí faziam o que queriam, qualquer coisa que lhes dessem prazer. Dessa forma veio o nome "cínico" que em grego seria algo como "Kynikós" que significa "cachorros".)
Desta forma se evidencia neste meio cibernético algo que podemos chamar de "narcinismo", ou seja, um narcisismo cínico onde a única coisa que importa é o gozo que o sujeito vai usufruir ao ver sua imagem imaginária estampada na timeline, onde ele pode fazer "o que quiser" pois de fato, no mundo da internet, quase nada o limita. Com isto este sujeito se fecha cada vez mais sobre si mesmo, mas o faz sob as vistas, "curtidas" e "compartilhamentos" de vários.
Qualquer pessoa que utiliza estas redes percebe claramente este movimento narcínico em prol de sua auto-imagem cibernética. É um dado que está aí. Esta atual conjuntura faz com que os pequenos gestos como o que ocorreu comigo hoje faça toda a diferença.
O pequeno gesto que cito no início deste texto, dentro desta configuração mostrada, se coloca como uma espécie de subversão. Como um algo que se recusa a se encerrar em um narcisismo doentio em nome de uma imagem. O pequeno gesto coloca a dimensão do outro em evidência. Faz surgir para o sujeito este lugar vazio que a auto-imagem não é capaz de preencher e que apenas o reporte ao outro é capaz de mediar. O outro adquire assim uma dimensão que lhe é negada constantemente.
Esta conjuntura do "narcinismo" descrita um pouco acima me faz admirar ainda mais o pequeno gesto de uma amiga querida, pois são nos pequenos gestos onde encontramos a maior beleza de um relacionamento saudável, uma vez que nos pequenos gestos somos capazes de ver o quanto somos importante para o outro, e isso é sempre sem preço.

terça-feira, 27 de agosto de 2013
Algum "Tu"
Diante do caos, calei-me
Diante do silêncio também
O que as palavras falariam
Pouca ou nenhuma diferença faria
Nesta incompreensão de mim mesmo e do Tu
Apenas o silencio restou
E então cá estou
apenas eu, o mundo e o Tu inacessível...
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sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Sobre o Reconhecimento e o Limite
Penso que o objetivo de todo líder que exerce uma função de guia deveria ser a de se tornar dispensável. à medida que vamos crescendo, amadurecendo, é preciso reconhecer que o outro também passa por este mesmo processo que nós passamos. O outro também vai se desenvolvendo, vai amadurecendo de forma que se antes sua ajuda era crucial em várias demandas, agora ela vai se tornando cada vez menos necessária.
Geralmente esta perda da dependência é vista por alguns como descaso, como abandono, como ingratidão frente a toda ajuda já prestada em momentos às vezes tão complicados, mas eu prefiro olhar como sendo uma espécie de corolário de um bom trabalho.
O fato de alguém não precisar mais de nós para resolver alguns dos seus problemas não indica que perdemos a importância para ela, significa apenas que tal pessoa está amadurecendo, e está se tornando apta para tomar suas próprias decisões a partir dela mesma. Sinal de amadurecimento.
Acredito que este tipo de relação seja muito próxima à relação que os pais estabelecem com seus filhos. Se desde o nascimento os pais são aqueles que ensinam, estimulam, mostram o caminho à criança de forma que ela tome boas decisões, saiba se portar no mundo, etc. quando esta criança começa a crescer, se transformar em adolescente, adulto, etc. e passa a tomar suas próprias decisões, este sentimento de abandono pode vir de forma muito forte. Daí várias vezes a tendência dos pais de tentar segurar ao máximo seus filhos próximos a si, de propor diversas "chantagens emocionais", insinuar a suposta ingratidão frente a todo sacrifício feito para que o filho chegasse a se estabelecer, etc. Uma atitude que demonstra certa imaturidade dos pais de não reconhecer o desejo do filho como um desejo autêntico, separado do desejo dos pais. O velho conflito geracional se dá muitas vezes neste contexto.
Penso que os pais devem aprender a se tornarem dispensáveis. Ou seja, aprender que seus filhos se tornaram pessoas capazes de tomar suas próprias decisões. Por mais erradas que sejam, por mais que se discordem delas, o ato de tomar tais decisões implica que algo do que foi ensinado permanece e foi condição de possibilidade para que isto acontecesse. A decisão tomada contra o nosso conselho, ainda assim é uma decisão de um ser pensante que por isso deve ser reconhecida em todo o seu valor simbólico.
Obviamente há diversas decisões que as pessoas tomam que achamos estúpidas, que nós mesmos não faríamos, que sabemos por diversos motivos que trará prejuízos enormes a longo e talvez a curto prazo, decisões que colocam o indivíduo em diversos problemas que ele não precisaria enfrentar se apenas te ouvisse em um conselho. Mas mesmo assim, a decisão do indivíduo tem todo o valor de uma tomada de atitude que, dependendo do grau da atitude, demonstra todo o amadurecimento do outro.
Este reconhecimento do desejo alheio, da dimensão do diferente, é um sintoma de amadurecimento para todo aquele que exerce alguma função de liderança, paternidade, maternidade, pastoreio, etc. Reconhecer que o desejo do outro é diferente do meu, que a forma de ver do outro é diferente da minha, ver que as decisões a seu ver erradas tomadas por seus amigos ainda assim são decisões dignas de respeito é sinal de maturidade.
Curiosamente dentro das igrejas evangélicas tal amadurecimento é muito pouco estimulado. A dinâmica pastor/ovelha se torna paradigmática do membro que geralmente permanece infantilizado diante da tomada de decisões. Não é raro vermos diversos membros que precisam do aval do pastor para tudo. O pastor substitui o "pater familis" de onde provém toda a palavra positiva ou negativa. Incapaz de tomar uma decisão, o membro precisa da aprovação do pastor para tudo, e obviamente isto gera uma relação de dominação entre pastor e membro que muitas vezes nunca é desfeita.
Esta relação de poder favorece o domínio do pastor, a manipulação em nome de interesses escusos como várias vezes vemos sair na mídia. A infantilização do membro, que se recusa a crescer, é incentivada pelo pastor. E a própria nomeação da relação como sendo "pastor e ovelha" favorece tal dinâmica da dominação. Escrevi sobre isto aqui.
O pastor não quer se tornar dispensável, pois a partir deste lugar assumido por ele, sua própria identidade se estabelece, e ao mesmo tempo a identidade do membro fica totalmente submetida à identidade do pastor...
Esta mesma relação pode ser vista na relação "Homem-Deus". Não raro vemos que Deus acaba se colocando como projeção da figura paterna (como já nos mostrou Freud muito bem) onde de alguma forma faz com que tudo dependa Dele. Esta suposta dependência infantil do homem para com Deus se torna várias vezes um grande entrave para que esse homem se desenvolva. Acredito que o propósito de Deus esteja muito bem resumido nas palavras do Cristo que nos dizia: "não os chamo mais servos, mas sim amigos". Não uma relação infantilizada, mas uma relação adulta, uma relação de amizade para com Deus. Ou seja, uma relação onde eu vejo a Deus como um amigo, e não como alguém de quem eu dependa o tempo todo para qualquer coisa. Um Deus que não está sempre disponível é algo impensável para a maioria das pessoas. (Este tema é interessante e talvez um novo texto no blog trate deste assunto)
Assim como dito no começo deste texto, os amigos também podem exercer uma função "paternal" em relação aos outros. Lacan mesmo já nos mostrou que na época da evaporação da figura paterna na contemporaneidade, basicamente qualquer indivíduo pode assumir a função paterna perante outro indivíduo. Os amigos várias vezes se tornam nossos pais, mães, irmãos mais velhos, etc. Obviamente apenas alguns dos nossos amigos exercem esta função, e como ela se desenvolve varia bastante caso a caso.
Uma relação adulta entre amigos, pais, liderança passa pelo reconhecimento do desejo do outro como diferente do meu. Sem este reconhecimento temos a enorme tendência de querer colocar todas as pessoas próximas a nós como iguais a nós mesmos, querendo impor a eles uma certa visão de mundo que o outro não compartilha. Obviamente que há tantas visões de mundo quanto há pessoas no mundo, no entanto não podemos cair na grande falácia contemporânea do relativismo de forma a pensar que todas as visões de mundo são igualmente válidas pelo simples fato de serem visões de mundo de seres singulares. Tal relativismo nos conduz não a um reconhecimento do diferente, mas a uma igualação de todos os pontos de vista sob a égide de um único ponto de vista.
O relativismo acaba nos levando para a ausência de limites, o que é visto por muitos como um grande lucro na contemporaneidade acaba por se mostrar como um grande promovedor de um gozo cego e sem limite que não dá lugar para o nascimento do desejo, nos colocando como meros animais na busca de satisfação. Algo muito bem explicado pela psicanálise é que o desejo só nasce a partir do limite. A partir da interdição da lei da palavra surge no homem o desejo. Lei e desejo humaniza o homem, e isto cada vez mais tem se perdido na contemporaneidade onde o grande imperativo se torna a ausência do limite como forma de satisfação do homem.
Reconhecimento e limite: Duas palavras que precisam ser retomadas na contemporaneidade em toda a sua acepção de humanização do sujeito.
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quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Texto que não merece ser lido. Sinceramente !
Pensando outro dia resolvi partir de um pressuposto que seria a idéia de que se talvez pudéssemos por alguma vez fazer tudo da forma como gostaríamos, talvez o mundo seria pior do que ele é.
Pensei que a frase acima evidencia claramente uma antropologia mais " a la Hobbes" que "a la Rosseau", mas demonstra um certo "teor Freudiano" em relação a própria sociedade. (uma espécie de pessimismo frente ao próprio homem e as pulsões que o move). A limitação que sofremos se coloca como moldadora da nossa personalidade, mas ao meso tempo nos impulsiona a não querer nos sucumbir diante dela.
Paradoxo curioso diante da vida que todos nos tornamos invariavelmente fracos diante dele, e dessa forma agimos sem saber direito nesse emaranhado estranho entre desejo (de não sucumbir diante da limitação) e limitação (imposta pela própria estrutura social, biológica, etc. que vivemos) e isso nos constitui de forma inexorável.
As vezes, na tentativa de resolvermos tal paradoxo, remetemos este paradoxo não a algo próximo ou até mesmo intrínseco a nós mesmos, mas a uma causa além de nós, gerando uma culpa por sermos como somos (interessante porque se não somos os responsáveis por sermos como somos, a culpa não deveria estar ali), mas também colocando como uma espécie de "pecado de rebeldia" tudo que contrariaria as determinações a que estamos submetidos. Afinal, qualquer mudança neste cenário se constitui como rebeldia, não contra o indivíduo, mas contra a fonte de onde tudo provém.
Uma espécie de "rebeldia ontológica" que nasce de uma insatisfação, da percepção de não-onipotencia do sujeito diante da realidade. Claro que para se rebelar ontologicamente contra a "fonte de onde tudo provém" é preciso pressupor a existencia de tal fonte. Um compromisso existencial que precederia a rebeldia ontológica.
É como se o sujeito quisesse ser onipotente, mas não pudesse. A figura de Deus aparece então como aquele que se coloca como onipotente. A revolta se manifesta portanto contra Ele. Obviamente que esta atribuição a um Outro pressupõe um distanciamento de mim como causa sui da minha dinâmica. A "rebeldia ontológica" pode se fazer de mecanismo de defesa caindo então em um problema às vezes maior.
Mas como nascem os deuses? Apenas como personificação da rebeldia? Claro que não. Os deuses também nascem como personificação do amor, da bondade e de outras coisas que estão longe de qualquer tipo de rebeldia.
Estes eram alguns pensamentos esparsos, muito sem sentido a meu ver, mas que nem por isso deixa de ser interessante a se compartilhar. Querendo ir para vários lugares, talvez não tenha chegado a lugar nenhum. Sinceramente nem sei se seria interessante alguém ler este texto, mas...
Mas como nascem os deuses? Apenas como personificação da rebeldia? Claro que não. Os deuses também nascem como personificação do amor, da bondade e de outras coisas que estão longe de qualquer tipo de rebeldia.
Estes eram alguns pensamentos esparsos, muito sem sentido a meu ver, mas que nem por isso deixa de ser interessante a se compartilhar. Querendo ir para vários lugares, talvez não tenha chegado a lugar nenhum. Sinceramente nem sei se seria interessante alguém ler este texto, mas...
quarta-feira, 3 de julho de 2013
A igreja evangélica e o tabu do sexo antes do casamento.
Já há algum tempo que venho pensando em escrever algo sobre a tumultuada relação entre a questão sexual e o meio evangélico. Sei que muita coisa já foi escrita sobre isso, algo até com muito mais embasamento bíblico do que o que será exposto por aqui, mas mesmo assim achei interessante colocar minha opinião por aqui.
Vários que me conhecem já sabem minha opinião a respeito do tema pois já falei diversas vezes sobre ele em conversas informais e discussões não tão informais assim.
A questão sexual é um grande tabú dentro da igreja evangélica. Pouco se fala sobre o tema na maioria das igrejas que conheço, e quando é falado algo sempre é frisado a questão normativa como tema principal. O importante não é esclarecer nada, mas apenas tentar mostrar o que é certo ou errado em relação ao assunto.
No meio dos jovens a coisa ainda é pior. Na maioria das igrejas evangélicas, o que é defendido é que o sexo só pode ser feito após o casamento, embora não exista nenhum versículo bíblico que afirme este tipo de coisa. O versículo mais utilizados para justificar tal proibição sexual é aquele de Hebreus 13:4 "Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará."
No entanto, como qualquer leitor pode perceber, este versículo não está fazendo nenhuma referência ao sexo antes do casamento, mas apenas "venerando" o matrimônio. Outra coisa digna de ser notada, mas que não se é, é que o "leito sem mácula" inclui também o casal casado "formalmente". O leito sem mácula implica uma união entre os dois onde não há mácula alguma. Sabemos de diversos casais que vivem juntos apenas por comodismo, que um não conversa com outro, que vão dormir brigados, chateados com o outro. Este versículo me parece ser mais para este tipo de situação do que aquele primeiro do sexo antes do casamento.
Toda tentativa de legitimar o sexo antes do casamento como proibição por ordem divina acabam por perverter os textos bíblicos para interesses escusos. Alguns usam o versículo Mateus 19:5 que afirma que "então deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher", afirmando que o "ato de deixar pai e mãe", implicaria necessariamente o casamento, e só depois que ele poderia se unir à sua mulher. Além de não fazer sentido nenhum este tipo de "análise cronológica" do versículo, ainda se esquecem de uma parte, que eu considero ser a central no debate que é: "O que significa deixar pai e mãe? Poderíamos aqui falar da questão simbólica proposta pelo ensinamento do Cristo neste versículo, onde o lugar do pai e o lugar da mãe deve ser abandonado para que o filho possa surgir como ser independente, mas gostaria apenas de apontar na direção de que se formos olhar apenas a literalidade deste versículo (como várias igrejas insistem em fazer) deveria-se também proibir que filhos casados morem com os pais, ou na casa deles, ou no lote deles, não é? O mesmo versículo analisado cronologicamente permite imputar o jugo muito grande para quem "casa para não viver abrasado".
Um outro uso não pouco comum é usar o texto de I Coríntios 7:2 onde Paulo fala sobre o matrimônio "Mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido". Mesmo Paulo deixando claro no versículo 6 que isto era mais uma opinião dele do que um mandamento, a carta de Paulo é tomada como bússola para a questão. A maioria das "análises" deste versículo insiste em colocar o sexo antes do casamento aliado à "imoralidade sexual", assim como justificar a prescrição de Paulo fora de todo contexto da época.
Este a meu ver é um dos principais erros destas tentativas de legitimar uma instituição social que é o casamento a partir de uma ordem divina afirmando que o casamento enquanto instituição advém de Deus. Se quisermos ser bem honestos, vemos muito claramente que em nenhum lugar do texto bíblico Deus cria o casamento. Em nenhum lugar ele institui o casamento como "sacramento". O fato do relato bíblico dizer que Deus criou uma mulher para Adão não implica que Deus estava criando aí uma instituição, implica apenas a demanda do homem pelo outro. O outro era necessário para que Adão se humanizasse, talvez este seja um princípio interessante a se pensar no relato da criação. Eva não apenas como "mulher de Adão", mas Eva como "outro que humaniza Adão e é humanizado por ele".
Se olharmos o próprio texto bíblico veremos que o "casamento" acontecia NO ato sexual. O ato sexual marcava o homem e a mulher como casados. Pelos textos bíblicos (principalmente no Antigo Testamento) seria impossível o sexo antes do casamento, pois o próprio sexo era o casamento.
Não se oferece saída para os jovens, adolescentes para lidarem com sua libido. Ou ele casa, ou ele tenta de alguma forma sublimar sua libido participando do louvor, teatro, reunião de oração, etc, uma vez que a masturbação também é visto como pecado. Não resta alternativa para o adolescente ou o jovem dentro desta perspectiva evangélica em relação ao sexo. Tudo isto embasado em uma noção de santidade que muito me espanta pois vê quase tudo que vem do corpo como algo digno de ser rejeitado, como algo menor, impuro por definição. Um platonismo/agostinianismo que permeia toda uma dicotomia entre corpo e alma, onde esta deve ser purificada e a aquele deve ser preso entre cadeias de barras grossas.
Consigo entender que este tanto de proibição tem como finalidade fazer com que o jovem, adolescente foque sua libido em outras coisas, etc. Em vários casos acredito que isso possa ser até bastante válido, no entanto tentar justificar isto como ordenação divina, citando textos bíblicos esparsos e sem muita contextualização, a meu ver é um uso perverso da Bíblia.
Por que não se investe em uma educação sexual de qualidade dentro da igreja, de forma a ensinar o jovem, adolescente a lidar com suas pulsões sexuais e não tentar apenas coibí-las por meio de um discurso vazio de santidade? O silêncio da igreja evangélica sobre o tema indica um grande problema, pois esta negação da fala coloca em evidência os diversos tabus sobre a questão no meio evangélico.
Podemos notar aqui também uma dinâmica muito hipermoderna que é o próprio fato da família se eximir desta função social da educação. No mundo onde todo tipo de informação está disponível muito facilmente, a maioria das famílias acaba por deixar que a informação sexual venha por outras fontes tais como a escola, a igreja, etc. Abre-se mão da responsabilidade de ensinar os filhos, e isso torna-os presas fáceis dos discursos tanto legalistas (advindos de várias igrejas) quanto "libertinos" (advindos muito da sociedade hipermoderna que cria a ilusão de uma liberdade sem limites).
Para mim, a principal questão em relação ao sexo é sempre a questão do amor. E acho que este ponto acaba se tornando o principal, até mesmo dentro do relato bíblico. O que torna a união sexual, a meu ver, algo de um valor especial (o que faz também ela se recobrir-se de tabus) é quando o ato sexual é a manifestação de duas pessoas que se importam uma com a outra e que se está disposto a se responsabilizar pelo outro, afinal o amor sempre envolve responsabilidade para com o outro. Neste sentido, se o sexo acontece entre duas pessoas que se amam, que estão dispostos a se responsabilizarem um pelo outro, então, a meu ver é completamente indiferente o fato de estarem ou não casadas.
Sei que este meu discurso soa muito "demodè" para uma sociedade onde o sexo perdeu o seu caráter de união e virou mero império de um gozo que Lacan chamaria "gozo mortal", um gozo que só se importa consigo, altamente narcísico, onde a dinâmica do outro some do cenário, e o corpo é apenas um objeto a ser usado para obtenção de prazer.
Também não ignoro que algumas pessoas consigam fazer a substituição do sexo sublimando isto por meio de leituras do texto bíblicos, envolvimento com outras atividades, orações etc. Várias igrejas fazem um esforço hercúleo para driblar os desejos sexuais dos jovens e adolescentes. Acredito que seja possível e várias vezes muito mais benéficas para o sujeito que uma relação sexual. A meu ver, a relação sexual demanda uma certa maturidade para que seja feita de forma saudável para ambos os participantes.
O ponto que gostaria de ressaltar aqui é que para tentar justificar a proibição do sexo antes do casamento por meio do texto bíblico várias vezes se faz um uso perverso do texto, forçando alguns, deixando de fora pontos muito mais importantes na dinâmica relacional em nome de uma fixação na proibição do sexo.
Queria fazer uma análise de todos os versículos utilizados para "proibir" o sexo antes do casamento, mas ainda não tive tempo para tal, quem sabe em outros posts aqui no blog?
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