quinta-feira, 20 de março de 2014

Insatisfação









O mundo,
Ah, o mundo....
Se ele fosse perfeito como nós o idealizamos em nossas mentes...
Se todas as pessoas fossem como sempre sonhamos...
Se pudéssemos muda-lo sempre que quiséssemos...
Penso que ainda assim estaríamos escrevendo essas linhas lamentando e dizendo:

"O mundo,
Ah, o mundo....
Se ele fosse ..."







sábado, 15 de março de 2014

Reflexões sobre Salmos 116:11 - Generalização e Esperança





"E na minha perturbação disse: Todos os homens são mentirosos" (Sl 116:11)

Estava meditando no Salmo 115 e 116 hoje pela manhã e dentre tantos versículos belíssimos, este acima me chamou muita atenção. O salmista em seu momento de aflição expõe um julgamento sobre o mundo, uma generalização que me fez lembrar muito de como nós mesmos fazemos diante dos momentos de aflição.

Acabamos generalizando nossos momentos como forma de lidarmos com a situação. Nossos olhos ficam condicionados pelo momento que estamos passando. Vemos tudo por meio dessas lentes provisórias e criamos para nós a ilusão de que se dermos uma resposta "definitiva" para todos os nossos problemas os colocando em uma espécie de "grande balde" tudo se resolverá.

Generalizamos pois isso nos serve como uma grande defesa. Afinal, se todos são dessa forma, o que sofro faz parte da natureza. Seria assim de uma forma ou de outra. Não raras vezes caímos em um grande sentimento de autodepreciação, em um processo de nos colocarmos como incapazes de mudar, ou com pensamentos do tipo: "Os outros nunca me verão de forma diferente, pois sempre foi assim". Estas generalizações da mesma forma que funcionam como formas de defesa, acabam funcionando como grandes armas para nos afligir. Uma defesa que tem em uma espécie de masoquismo a sua grande arma.

O salmista nos mostra que nos momentos de aflição temos tendencia a estas generalizações. Quantas pessoas diferentes já ouvi fazendo vários destes discursos em momentos de aflição. Olham para o passado, e como as coisas nem sempre caminharam da melhor maneira possível, mas terminaram de forma como não queriam, acabam projetando que no futuro as coisas acontecerão da mesma forma. Se esquecem que a cada novo dia novas oportunidades aparecem, novos horizontes se abrem. Se esquecem que a generalização acaba sendo uma grande perda de tempo na busca de encontrar um sentido para a situação, embora seja a primeira que aparece no cenário.

O sentido de determinada situação deve sempre ser buscado, mas a generalização não parece ser o melhor caminho para se obter isso, pois apenas exacerba o nosso atual momento de forma a não nos possibilitar sair dele, mas apenas se afundar em um grande processo de generalizações.

A generalização, na lógica, se constitui uma grande falácia. Pois ao generalizar acabamos chegando a conclusões que não me são permitidas a partir das premissas ou dados que possuo. A generalização se torna uma grande tentação na busca da resolução de um problema ou, no caso da lógica, na resolução de um silogismo. Geralmente é um péssimo passo argumentativo pois os dados não me permitem afirmar o que a generalização pretende.

No entanto, temos a tendência a generalizar as coisas. Ela torna tudo mais fácil. Ao invés de nos abrir para o novo ela nos encerra em uma espécie de repetição ad infinitum do mesmo. O salmista no momento de aflição também sucumbe a tentação e generaliza o mundo ao seu redor, afinal, se todos os homens são mentirosos, a sua situação encontra uma resposta. A situação se encerra e me permite me isentar da minha responsabilidade diante dela. A generalização me leva não raras vezes ao comodismo. E esta talvez seja a ruína que vem com a promessa de uma suposta resposta definitiva para o momento.

Que o nosso desafio seja o não generalizar nossas situações, que seja o de se abrir para os possíveis horizontes que nos apresentam e que as generalizações insistem em negar. Que ao invés das generalizações que nos encerram diante do mesmo, possamos nos abrir para a esperança do provisório e encarar os fatos que nos assolam no momento como possibilidade de um outro algo que as generalizações não são capazes de prever.

segunda-feira, 10 de março de 2014

"Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mt 11:30) Um convite à leveza.




Essa é uma pequena reflexão feita a partir de Mateus 12:1-13 que está logo na seqüência do versículo supracitado no início desse texto. 
O trecho de Mateus 12 mencionado acima mostra Jesus tratando a questão da lei a partir de dois exemplos. 

O primeiro exemplo se dá a partir de uma crítica dos fariseus de que os discípulos de Jesus estavam colhendo espigas no sábado contrariando o quarto mandamento, o qual Jesus rebate afirmando que Davi comeu os pães da propiciação no sábado, coisa que lhe não era lícito fazer, e depois afirma que até mesmo os sacerdotes violam o dia de sábado no próprio templo e nem por isso são culpabilizados pelo feito.

O segundo exemplo se dá com a cura do homem da mão ressequida que também se dá no sábado apontando para o valor da pessoa humana que sempre deve sobrepor à lei.

Jesus, ao apontar a dimensão humana da lei, (aparentemente desconhecida pelos fariseus) propõe uma nova abordagem do mandamento não mais atrelado à sua forma, mas ao seu significado. A lei, quando tomada apenas como obstáculo para a realização humana, tem como grande destino ser transgredida. Se a entendemos como possibilidade de humanização do sujeito, como diferenciação deste do reino animal, a lei não se coloca como limitadora da liberdade, mas como condição para a vida humana e condição para a própria liberdade.

Jesus, ao propor um repensar a lei a partir dos dois exemplos citados, quer mostrar que a lei não deve ser vista como algo que tem como fim cercear o homem da sua liberdade, ou inseri-lo em uma dimensão neurótica de estar sempre em débito com algum mandamento, mas visa inserir o homem no mundo da cultura que para além de toda limitação da liberdade, visaria exatamente o seu contrário, que é a humanização do sujeito. 

A reinterpretação da lei, como proposta pelo Cristo, visa colocar o homem, e não o mandamento, em primeiro lugar. Daí podermos entender quando Jesus nos afirma que "não foi feito o homem por causa do sábado, mas o sábado por causa do homem", (Mc 2:27) ou seja, a primazia é a humanização do sujeito pela lei e não a subjugação do sujeito pela lei. A lei tomada como cerceadora da liberdade traz um jugo enorme, pois como já nos adverte o próprio Tiago, "quem peca em um aspecto da lei é condenado por ela toda" (Tg 2:10), ou seja, ao se pautar pela tentativa de "cumprir toda a lei" o homem se insere em uma dimensão neurótica onde o débito em relação à lei sempre se sobressai ao seu cumprimento, de forma que não raras vezes a culpa é companhia presente para este indivíduo. 

A lei, como instância humanizadora do sujeito, pressupõe que o limite seja estabelecido por ela. Esse limite me é imposto por um Outro que me castra do meu desejo de onipotência e me faz ver que o acesso ao gozo sempre precisa passar pela lei, que em última instância, é a lei da linguagem. É a lei da palavra.

No princípio do sujeito sempre há um verbo, pois sem a palavra nunca há sujeito, afinal,  a partir da interdição da lei da palavra surge no homem o desejo. Lei e desejo humanizam o homem, e é esta a dimensão da lei que Jesus propõe aos fariseus. A ênfase não está na forma da lei, mas em seu significado humanizador. Não está em seu cumprimento cego, mas está em compreender que o homem é sempre mais importante que a lei. 

Talvez por isso seja possível a Jesus resumir toda a lei e os profetas no "Amarás a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a ti mesmo". Amar a Deus sobre todas as coisas pressupõe que a relação com Deus não pode se dar no mesmo nível que a minha relação com as coisas do mundo. Deus não pode ser apenas mais um objeto com o qual tento preencher o vazio estrutural provocado pela palavra que me humanizou. Deus precisa estar para além de um mero objeto. 

Amar o próximo como a mim mesmo pressupõe ao mesmo tempo o reconhecimento do meu valor enquanto pessoa, uma dose de narcisismo (que é necessário para todo amor possível), mas pressupõe também o valor do outro na dinâmica da humanização do sujeito (que não pode se constituir sem esse Outro).  Sem o Outro não há sujeito para se relacionar com a lei, sem o narcisismo não há a possibilidade do amor ao próximo, e sem ambos não há como haver um sujeito que se relaciona com Deus. 

A proposta de Jesus passa por um amar a si mesmo para que me seja possível amar o próximo e depois disso fazer o salto em direção a Deus como aquele que deve ser amado para além das coisas. Eu, o Outro e Deus. 

Para haver lei é preciso haver um Outro que me coloca essa lei, a partir disso, eu sou capaz de me constituir como sujeito e me tornar essa estrutura desejante, que por causa deste grande "furo" na minha estrutura tentará preencher este vazio de todas as formas. Se Deus aparece apenas como esta tentativa de tampar este buraco, ele se transforma em uma grande ilusão, no entanto, a proposta do Cristo é para que esse Deus esteja acima de todas as coisas, pois apenas estando acima de todas as coisas ele poderá ser visto não no seu caráter ilusório, mas talvez como uma grande aposta na busca de um sentido para a existência. 

Esse Deus, visto desta forma, necessita que o Eu e o Outro já tenham se encontrado para que só depois disso, ele possa aparecer no cenário. A lei vista em seu caráter humanizador coloca o ser humano em primeiro plano e assim torna o jugo suave e o fardo leve, pois em sua base não está mais uma forma rígida, mas o amor que me une ao próximo e conseqüentemente me leva a Deus. 

Vejo a proposta de Jesus como um convite à leveza. Para além da rigidez cega da lei, uma proposta humanizadora. Um fardo suave, um jugo leve. 






terça-feira, 4 de março de 2014

Uma borboleta no carnaval





Hoje pela manhã uma borboleta entrou em meu apartamento.
Ali ficou o dia todo de asas fechadas, no chão, como quem descansava depois de voar por muito tempo. Quando começou a escurecer, ela despertou do seu aparente sono, abriu suas asas e parou novamente. Suas asas eram muito bonitas. Tinha uma cor amarela em ambas as asas que contrastavam com o preto do seu corpo.
Parou agora na janela do apartamento de asas abertas como alguém que olha para o horizonte à espera que algo ocorra.
Depois de meditar por um tempo, bateu asas e se foi.
Sua companhia durante o dia foi muito boa. Era um elemento diferente em meio a tantos livros e notebooks.
Sempre que olhava para ela sentia paz, tranquilidade e sempre me vinha à mente as palavras de Jesus que nos diz: "Não se turbe o vosso coração." (João 14:1)

Queria tê-la agradecido pela companhia nesta terça de carnaval, mas ela se foi brevemente.
Foi às vezes levar paz para outro apartamento.
Tomara que onde ela pousar, encontre outra pessoa que precise de sua companhia.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O lava pés e o bom samaritano - Reflexões esparsas sobre o amor cristão




"Senhor, tu lavas-me os pés a mim?" João 13:6
"Qual, pois, destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?"
Lucas 10:36


Muito se fala sobre o amor dentro do cristianismo e realmente é algo que deve sempre ser falado , afinal esse é o núcleo de toda a proposta cristã. Queria fazer uma breve reflexão sobre esses dois versículos que coloquei no início desse texto.

Em relação ao primeiro versículo, ele nos remete a uma cena muito conhecida no cenário cristão que é a cena do lava pés. Neste episódio, Jesus, próximo à Páscoa, se propõe a lavar os pés dos seus discípulos antes de comer a refeição com eles, o que gera uma grande estranheza em todos. O primeiro versículo é uma fala de Pedro se colocando veementemente contra a proposta de Jesus no momento.
Logo após esse episódio, Jesus afirma que um dentre os discípulos o trairia, o que nos remete à simples ideia de que qualquer um a qualquer tempo pode nos ferir mesmo depois de termos feito o melhor que pudéssemos fazer.

Nem todo serviço gera uma obrigação de retribuição e talvez por isso a proposta do amor gratuito do Cristo. Mesmo lavando os pés de seus discípulos, os alimentando, os escolhendo, os transformando em pessoas de destaque nas regiões vizinhas, trazendo uma dignidade maior a eles,  ainda assim um dentre eles o trairia. Ou seja, a gratuidade do nosso amor nem sempre leva o outro a me retribuir pelo que fiz, mas isso em nada invalida o meu amor pelo outro.

Outro exemplo muito bom dessa proposta de amor gratuito do Cristo reside na parábola do bom samaritano que provavelmente todos já ouvimos em algum momento da nossa vida. A parábola do bom samaritano conta a história de um homem que estava caminhando por um determinado caminho quando é assaltado por um grupo que o machuca e o deixam semi-morto caído à beira da estrada. Passam por ele um levita, um sacerdote que não o ajudam, mas depois passa um samaritano que o ajuda  e cuida dele com todos os cuidados possíveis.

Algo interessante na parábola do bom samaritano é o fato de que o que gerou a parábola foi a pergunta de um doutor da lei . A pergunta era "o que farei para herdar a vida eterna" ? Pergunta simples, mas ao mesmo tempo complexa, que ao mesmo tempo revela uma dinâmica de preocupação com a lei por parte do doutor (a qual Jesus sacia ao mostrar que o que o doutor anda fazendo está realmente de acordo com a lei),  mas ao mesmo tempo revela uma dinâmica bastante infantil de encontrar uma resposta totalizante para toda a ação possível. O anseio de um caminho único por onde eu possa trilhar e ter a certeza de que por ali nenhum mal me tirará dele. Desejo infantil de onipotência. (Desejo esse que Jesus não sacia).

No final da parábola, Jesus pergunta ao seu interlocutor: "Quem foi o próximo daquele que foi ferido?" Pergunta bem estranha se notarmos que o que gerou a parábola foi a pergunta "O que farei para herdar a vida eterna?" Esperaria-se que se perguntasse quem foi o próximo para o samaritano e não para o ferido. O ferido não fez nada a não ser aceitar o amor proposto pelo samaritano.  Ao perguntar quem foi o próximo para o ferido, Jesus está mostrando que o amor ao próximo não consiste sempre em um "fazer  para o outro", mas inclui o "deixar que o outro faça algo por mim". Uma proposta onde o amor fosse sempre ativo daria ao doutor da lei a impressão de que a vida eterna é alcançada dentro da dinâmica da retribuição. No entanto, Jesus aponta para a dimensão da passividade do amor que deve ser recebido em alguns momentos da nossa vida. Amor como dom imerecido, do qual nada precisamos fazer para merecer, que  nos garante uma identidade enquanto humanos, que não visa retribuição. Amor que supera uma mera dimensão narcísica projetiva que me leva sempre a me amar no outro. O deixar o outro fazer algo por mim  permite que unamos amor e graça.

Esse exemplo de amor também é visto no episódio do lava pés que Jesus faz com seus discípulos antes do anúncio que um deles o trairia. Pedro se coloca veementemente contra a proposta de Jesus lhe lavar o pé, demonstrando dessa maneira esta dificuldade em "deixar o outro fazer algo por ele", e a resposta de Jesus remonta novamente a esta passividade exigida pelo amor. "Se eu não lhe lavar os pés, não tem parte comigo." Ou seja, "se não me deixar ser aquele que faça algo por ti, você será como alguém que quer apenas polarizar a relação me tornando sempre alguém abaixo de ti."

Para que amemos um ao outro a igualdade tem que estar pressuposta. Apenas dessa forma o próximo pode ser amado como a mim mesmo não meramente como projeção narcísica, mas para além dela.  Tomar o amor sempre como algo ativo não raras vezes me causa a ilusão de que posso estar no controle da situação, posso sempre ser aquele do qual os outros dependem sem nunca precisar depender de alguém e sabemos que o amor passa longe dessa dinâmica. Para isso basta lembrarmos que o grande ato de amor do Cristo foi uma entrega. Um ato que remete a um deixar-se.

No lava pés, Jesus nos demonstra a dimensão do amor que  faz pelo outro sem esperar nada em troca, ou melhor, que faz pelo outro mesmo sabendo que algum dos próximos poderia o trair em algum momento. É uma atividade visando o bem do próximo. Na parábola do bom samaritano, Jesus nos mostra que o amor também possui uma dimensão passiva, que é o fato de "deixar o outro fazer algo por mim", que me tira da tentação de estar sempre no controle da situação e me coloca como um igual diante do meu semelhante.

Ao unirmos esta duas dimensões do amor que Jesus nos coloca somos capaz de entender em que consiste o amor cristão. É um amor que não visa apenas a um "acúmulo de atos", mas visa uma dimensão passiva, que coloca o outro no centro da proposta, mas agora não apenas um outro a quem devo sempre ajudar, mas a um outro que me constitui como sujeito a partir do momento que me deixo ser amado por ele.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Horácio ?





Horácio era um homem complicado, mas era um bom homem. Nele não havia nada demais que o pusesse acima da média, nem nada de menos que o colocasse abaixo dela. Era um homem normal, sem muitas qualidades e também sem muitos defeitos. Ou talvez as suas qualidades se equiparassem aos seus defeitos e todos ficavam com a sensação de um grande zero a zero.

Todos gostavam do Horácio. Ele era simpático, conversava bem; não era de tanto assunto assim, mas geralmente tinha alguma contribuição a fazer em assuntos variados. Alguns diria até que ele era um sujeito conversado que atraía as pessoas para si.

Aparentemente nada incomodava Horácio. O seu senso de normalidade espantava muita gente que o tinha como talvez um grande cosmopolita para quem pouco importavam as diversas moralidades contando que ao seu redor as coisas estivessem minimamente em ordem. Isso obviamente fazia com que fosse um sujeito agradável na maior parte do tempo. Raríssimas vezes vi Horácio tecer algum comentário mais taxativo ou de cunho moralista sobre algum assunto. A última coisa que ele queria era parecer um sujeito "mente fechada". Às vezes fazia um esforço Hercúleo para parecer não se importar com as coisas, mas geralmente surtia efeito. Pelo menos não incomodava muita gente com esse tipo de conversa.

Horácio teve uma boa criação cristã. Era filho de pai protestante e mãe católica. Cresceu a maior parte da sua infância dentro da igreja protestante pois sua mãe, apesar de ter a sua vivência de fé, não apreciava muito a igreja próxima à sua casa e por isso ia raras vezes. O pai por ser mais assíduo à igreja sempre levava Horácio para a escola dominical e o fazia ler minimamente os textos bíblicos. Seu pai era diácono na igreja e por isso sempre fazia questão de que Horácio o seguisse aos cultos. Não era daqueles que ia a todos os cultos, mas nos finais de semana sempre marcava presença. A formação protestante de Horácio foi feita em uma igreja nem tão fundamentalista, mas também nem tão liberal. Diria que o aspecto "morno" da igreja em que cresceu tenha contribuído para a forma de Horácio lidar com sua vida posterior.
Um excesso de apatia acometia Horácio de vez em quando de forma que ele ficava como que indiferente ao mundo e não raras vezes tentava aplicar alguma teoria a algum tipo de experiência que estava vivendo. Geralmente não obtinha sucesso nesse tipo de empreitada.

Trazia consigo o peso da criação cristã. Esse era talvez um grande fardo para ele em vários momentos. À medida que foi crescendo foi aprendendo a lidar com essa culpa que o consumia, mas no momento atual de sua vida estava longe de obter êxito com esse problema e também podemos dizer que não estava tão preocupado assim com a questão. O que o incomodava, pelo que me disse recentemente, era uma certa sensação de vazio, um certo incômodo em relação a si mesmo que já vinha tentando lidar há algum tempo. Na maior parte das vezes vivia como se isso não fosse tão grande problema, mas de vez em quando caía em uma espécie de "reflexão" que o levava a devaneios existenciais. Ele não levava jeito para tais devaneios e por isso rapidamente desviava a cabeça para outra coisa.

Enfim, Horácio era um homem bastante normal que tinha como todo mundo certas crises existenciais às quais dava pouca atenção por achar que isso era coisa meio besta para se perder tempo, mas nem por isso poderíamos dizer que era um cara "superficial", afinal, ele tinha lá seus "insights", suas opiniões sobre as coisas, etc. Não sei porque resolvi falar da vida do Horácio nesse momento, mas sempre o achei um cara interessante e talvez por excesso de ócio e falta de assunto resolvi trazê-lo ao conhecimento dos demais. Quem sabe não fale mais sobre Horácio algumas outras vezes?

Confeso que eu não me surpreenderia se através de algumas vivências do Horácio descobríssemos um pouco de nós mesmos, nossos medos, esperanças, etc.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Uma companhia implacável





A tristeza que o assolava era sempre a mesma. Antiga companheira que há muito o acompanhava sem que nada e ninguém a fizesse sair de perto dele. Como uma sombra que sempre o seguia.

Implacável.

Nele sempre batia uma saudade que ele não sabia do que, uma vontade de tudo e nada ao mesmo tempo. A angústia o atormentava como se nada além dela importasse mais.

No meio da angústia ele procurava por todos os lados algo que nem mesmo sabia o que era. Olhava ao seu redor como quem procurava um algo desconhecido, mas que já presenciou alguma vez. Enquanto procurava, nada mais parecia fazer sentido, e em pouco tempo desistia da busca. Ele já sabia em sua mente que essa busca é vã, mas nem por isso de tempos em tempos voltava a se lançar sobre ela.

Novamente ele para, pega o celular e tenta se confortar com alguma notícia, alguma atualização. Olha, mas tudo parece tão monótono, tão sem vida que é como se tal atitude ao invés de o alegrá-lo apenas o fizesse mergulhar mais em si mesmo.

Ele espera que algo aconteça. Que alguém diga algo, mas ninguém nunca diz. Ou melhor, ninguém importante nunca diz algo. Pessoas estão sempre dizendo algo o tempo todo, mas nem por isso quer dizer que estejamos a fim de ouvi-las. E para o nosso sujeito, são raras as vezes que alguém diz algo que ele esteja minimamente disposto a ouvir.

Paradoxalmente ele possui inúmeros amigos nas redes sociais, vários seguidores em seu twitter, compartilha inúmeros vídeos, notícias, etc. mas nada disso faz com que ele sinta minimamente melhor em relação ao que sente. Sofre do mal contemporâneo do excesso de compartilhamento e o mínimo de troca simbólica. Talvez por isso se encerre em si mesmo se externando no vazio da internet, onde se cria facilmente a ilusão de uma companhia  perene.

Na busca de companhia, toda hora precisa olhar para o seu celular para ver se chegou alguma mensagem, se o ícone do whatsapp está em algum lugar,  se alguém curtiu alguma coisa, comentou algo, retweetou outra coisa, etc. Neste frenesi que o assola, novamente se vê mergulhado na solidão e nada parece aplacar a angústia e a tristeza que sente. Lá esta ela de novo o seguindo.

Implacável.