segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Sobre o que Jesus não disse






Jesus nunca disse nada sobre a questão de gênero.
Jesus nunca disse nada sobre casamento gay
Jesus não disse nada sobre o uso de contraceptivo
Jesus não disse nada sobre o aborto
Jesus não disse nada sobre regime político
Jesus não disse nada contra os imigrantes
Jesus não disse nada sobre sistema econômico
Jesus não disse nada sobre sexo antes do casamento
Jesus não disse nada sobre sexo de maneira geral
Jesus não disse nada sobre comer ou não comer algo
Jesus não disse nada sobre cigarro
Jesus não disse nada sobre maconha
Jesus não disse nada sobre drogas de maneira em geral
Jesus não disse nada sobre futebol
Jesus não disse nada sobre uso de roupas
Jesus não disse nada sobre formas de se relacionar com seu corpo
Jesus não disse nada sobre televisão
Jesus não disse nada sobre religiões de matrizes africanas
Jesus não disse nada sobre os negros
Jesus não disse nada sobre os imigrantes
Jesus não disse nada sobre socialismo
Jesus não disse nada sobre fetos
Jesus não disse nada sobre bons costumes
Jesus não disse nada sobre internet
Jesus não disse nada sobre ideologia
Jesus não disse nada sobre direita
Jesus não disse nada sobre esquerda
Jesus não disse nada sobre centro
Jesus não disse nada sobre intervenção do Estado na economia
Jesus não disse nada sobre a proposta liberal
Jesus não disse nada sobre comunismo
Jesus não disse nada sobre ideologia
Jeus não disse nada sobre tatuagem
Jesus não disse nada sobre bebida alcoólica



Esse é o Jesus dos evangelhos. Se para você isso soa por demais estranho sugiro que releia os evangelhos e tente encontrar alguma fala de Jesus sobre estas coisas apontadas aí acima. Como você não vai encontrar absolutamente nada sobre esses temas, pare de forçar textos bíblicos como pretexto para preconceitos institucionais, culturais, sociais, etc. 


No entanto, os evangelhos nos mostram um Jesus super preocupado com a justiça social, com a vida em comum de todos os que o seguem, com o não acúmulo de riqueza. Jesus se mostrou muito preocupado quanto à hipocrisia daqueles que guardavam a lei, mas se esqueceram do espírito dela, ou seja, se preocupavam com a letra da lei, enquanto maltratavam o próximo, expulsavam os imigrantes, roubavam dos pobres, maltratavam as mulheres, não cuidavam dos órfãos, ignoravam as viúvas, etc. 
Jesus se mostrava extremamente preocupado em acolher as prostitutas, os ladrões, os considerados impuros, os leprosos, os convalescidos, em lhes dar uma dignidade que o status quo não lhes permitia ter. 

Jesus se preocupava constantemente com a humanidade dos que com ele conviviam, com o questionamento que os seus próximos levantavam, com as questões que eles lhe faziam. O Jesus dos evangelhos nunca incitou o ódio, nunca incitou o discurso xenofóbico, excludente, machista, misógino, desumanizador, colonialista; pelo contrário, Jesus esteve sempre ao lados dos mais pobres, dos que não tinham parte na terra. Esse é o Jesus descrito nos evangelhos; um Jesus que foi considerado um criminoso por Roma por ir contra a casta sacerdotal de sua época, um Jesus que morreu como ladrão, como presidiário, como quem sofredor da injustiça de um regime opressor. 

Jesus é um exemplo de que nem sempre a lei é justa, que nem sempre a legalidade anda de mãos dadas com a justiça. Já em Jesus percebemos claramente que a justiça em sua forma institucional está sempre ao lado dos poderosos, está sempre do lado de quem tem poder e raramente em favor do pobre. Por isso talvez que a proposta de Jesus se torna extremamente subversiva, pois propõe um novo olhar sobre a justiça, não a legalidade da lei escrita, mas a avaliação da humanidade da pessoa em primeiro lugar; não a condenação indiscriminada, mas o avaliar atento das demandas que coloca o sujeito sempre como centro da lei e não a letra morta que não vivifica absolutamente nada. Jesus denuncia constantemente que uma lei que abre mão da humanidade do sujeito não deve ser cumprida; se isso soa muito estranho, apenas relembre o caso da mulher adúltera em que a fala de Jesus foi simplesmente "nem eu tão pouco te condeno".  , relembre o caso de Jesus sobre curar no sábado, sobre os sacrifícios no templo, sobre as regras de pureza e impureza, sobre a cura dos leprosos, etc. etc. etc. 

Em todos esses casos a prioridade de Jesus nunca foi a letra da lei, mas sim o espírito da lei que tem no homem a sua prioridade. A partir do momento que a lei é utilizada para desumanizar o homem, para o humilhar, para lhe roubar a dignidade essa lei não é para ser cumprida. Isso pode soar extremamente estranho para os nossos ouvidos tão acostumados a vincular a execução da lei com "ordem de Deus", mas para Jesus o homem está acima da lei e é esse o ponto esquecido constantemente na subversiva proposta de Jesus. Uma lei só é boa se humaniza o homem, e é má quando desumaniza o homem. Esse é o Jesus dos evangelhos.

O nazismo era legal
A ditadura era legal
O apartheid era legal
A escravidão era legal
O Klux Klux Klan era legal

Se você pensa que Jesus teria apoiado qualquer um desses movimentos, então sugiro veementemente que releia os evangelhos. 






quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Édipo sem complexo.





Édipo Rei

A história do Édipo Rei de Sófocles é um clássico da tragédia grega e foi muito utilizado por Freud para expor sua teoria, embora muito contestada a forma como ele utiliza este mito.
O mito do Édipo Rei de Sófocles, se insere dentro do cenário da tragédia grega antiga e reflete exatamente como que ela era vista pelos gregos dessa época.
A tragédia grega se destaca por colocar o herói em uma situação que lhe é contrária àquilo que se espera, deslocando portanto o foco da trama. Segundo aponta Jean Pierre Vernant em seu livro o herói na tragédia grega é tipo como pego pela palavra, assim como acontece na história do Édipo Rei. A história de Édipo Rei nos traz uma riqueza de detalhes sobre como era o poder e o regime jurídico das cidades gregas daquela época.

Algo que é identificado no estudo do Vernant, é a questão da ambigüidade e da reviravolta, que segundo ele é algo que todos os trágicos gregos recorriam como meio de expressão e modo de pensamento. Essa ambigüidade reflete-se segundo uma tensão de valores que se tornam inconciliáveis a despeito de sua igualdade. Segundo Vernant a ambigüidade se refletia em cada herói em seu universo próprio, e ele era como que pego na palavra que proferiu, e isso era algo recorrente e ele o chama de ironia trágica. Essa ironia, consistia no fato de que àquilo que era dito pelo herói acabava retornando para ele mesmo, como uma forma de punição dos deuses, pela falta de conhecimento por parte do herói sobre o que era a verdade dos fatos. Isso é muito bem visto na história do Édipo, quando àquilo que ele deseja que aconteça ao personagem central da trama volta-se a ele mesmo no decorrer da peça. A mensagem trágica torna-se-lhe inteligível na medida em que arrancado de suas incertezas e de suas limitações antigas percebe a ambigüidade das palavras, dos valores, da condição humana.
Vernant trata também dos subentendidos utilizados de forma consciente, e isso depende de um certo conhecimento anterior por parte dos espectadores da peça, que já iam para o teatro com todo um conjunto de informações que seriam necessários para a compreensão da tragédia.
A verdade na tragédia grega, está sempre presente, só que na maior parte dela de forma oculta, de forma que, só os espectadores que no caso de estar assistindo os dois lados da história se assemelham aos deuses, que conseguem conhecer todos os discursos e prevê o que vem à frente. A diferença é que ao contrário dos deuses, os espectadores não interferem no desenrolar da peça, já os deuses, sempre são recorrentes nas tragédias gregas. Édipo mesmo atribui aos deuses o seu afortunado destino. Quando Édipo fala o que será feito ao assassino de Laio, ele se coloca como juiz de si mesmo, pois o que ele deseja ao malfeitor, irá acontecer a ele também. Essa é a forma como a tragédia se desenvolve normalmente, mas no Édipo- Rei ela não acontece como uma oposição dos valores nem em uma duplicidade de personagens , mas diverte-se com a vítima. No caso de Édipo, é ele quem é o joguete em toda a trama. É a sua vontade de descobrir o assassino e desmascarar o culpado, mesmo tentando ser impedido por Jocasta, Tirésias e o pastor , achando com isso que está cumprindo seu papel diante da cidade é o que o leva de herói para vilão, pois ao descobrir o assassino de Laio, Édipo se descobre na trama. 
Essa atitude Édipo faz parte de sua personalidade. Ele não é homem de desistir das coisas, gosta de ir até o final mesmo que com isso possa descobrir algo que não lhe agrada que é o fato de saber que é ele mesmo o joguete do início ao fim. Édipo é portanto duplo, quando ele fala, acontece-lhe dizer outra coisa contrária ao que ele está dizendo. Ele é portanto um enigma que só se resolve quando ele mesmo descobre que o que ele tinha por verdade não o é mais. Édipo portanto não escuta o discurso que ele mesmo diz sem saber, e é exatamente essa a verdade que está oculta; a única coisa autêntica.
Essa verdade oculta só é compreendida por quem tem o dom da dupla escuta ou da dupla visão como é o caso do adivinho Tiréisias. O discurso de Édipo se distingue entre o humano e o divino que irão se encontrar no final da peça, quando o problema estará resolvido e o enigma desfeito. É nessa hora que se dá a “reviravolta” da ação em seu contrário.
Quando Édipo soluciona o enigma, ele encontra ele mesmo, e esta identificação do herói provoca uma reviravolta completa da ação. A atitude de Édipo inverte as posições dentro da tragédia formulada por Sófocles.
Ao final da pesquisa feita por Édipo o justiceiro se identifica com o assassino e portanto descobrir quem matou Laio, é também descobrir quem é Édipo. A pesquisa por justiça por parte do rei de Tebas, torna-se uma pesquisa sobre quem realmente é o rei de Tebas. Essa reviravolta e ambigüidade é bem destacada por Vernant quando cita que o estrangeiro de Coríntio é, na realidade nativo de Tebas; o decifrador de enigmas, um enigma a ser descoberto, o justiceiro, um criminoso; o clarividente um cego; o salvador da cidade, sua perdição. Édipo que para todos era o maior dos homens, e o melhor dos mortais, se torna o mais infeliz e pior dos homens, um criminoso, e objeto de horror aos seus semelhantes, odiados pelos deuses reduzidos à mendicância e ao exílio.
A tragédia grega usava palavras gregas semelhantes para dizer coisas que no contexto da peça eram contrárias. A situação de Édipo depois de sua descoberta se torna a de um miserável que não merece o convívio com a cidade. A sua descoberta o expulsa do mundo visível e o coloca no mundo de Tirésias o vidente que pagou com seus olhos o dom da dupla visão.
Considerando o ponto de vista humano Édipo é o chefe clarividente, igual aos deuses, mas considerando do ponto de vista dos deuses ele aparece cego e igual ao nada. A reviravolta da ação, como a ambigüidade da língua, marca a duplicidade de uma condição humana, que, à maneira do enigma, se presta a duas interpretações opostas. A linguagem humana se inverte quando os deuses falam através dela.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Da Doxa à Episteme na época da pós-verdade. A tarefa da Filosofia





A tarefa da Filosofia, desde Platão, tem sido a de fazer o homem sair do campo da Doxa em direção a Episteme. Tal caminho, no entanto, se torna extremamente árduo, cansativo, demanda um esforço hercúleo por parte da pessoa que almeja de fato sair do reino da opinião em direção ao conhecimento. Não é atoa que entre os gregos era muito conhecida a noção de "Filoponia", ou seja, o "amor pela dor" como forma de se alcançar a "Filosofia", o "amor pela sabedoria". Sem esse caminho árduo do abandono das opiniões é impossível alcançar o conhecimento. 

Por mais que o esquema platônico pressuponha uma certa divisão entre mundo sensível e inteligível que hoje em dia basicamente não se aceita mais, a noção platônica de que o caminho para o conhecimento se dá pela constante eliminação da "opinião" para irmos alcançando o conhecimento ainda se faz extremamente pertinente para pensar a nossa época. Nossa época que curiosamente cada vez mais faz o caminho contrário ao proposto por Platão. A nossa época hipermoderna se caracteriza por aquilo que Lyotard chamou de época da queda dos metarrelatos, ou seja, uma época em que as instituições, ou os discursos que organizavam a vida do sujeito passaram a não mais fazer sentido, perderam o seu caráter explicativo, etc. Se antes o acesso do sujeito à realidade se daria permeado por esses metarrelatos, hoje com a queda deles, a relação do sujeito com a realidade se dá de forma não-mediada por esses discursos. Basicamente a segurança oferecida por tais discursos é refutada em nome da liberdade de poder cada sujeito criar o seu próprio discurso. Esse é o famoso drama apontado por Bauman de que a grande questão contemporânea seria de fato encontrar uma forma de fechar a equação entre "segurança" e "liberdade", pois quanto mais se tem segurança, menos se tem liberdade, e quanto mais se tem liberdade, menos se tem segurança. 

Se por um lado os metarrelatos ofereciam a segurança para o sujeito lidar com o mundo, entrando nele por meio de discursos já pré-estabelecidos, ao mesmo tempo eles cerceavam o sujeito de várias coisas. O sujeito pagava a segurança que os metarrelatos garantiam com uma diminuição da liberdade. Os movimentos contestatórios da década de 60 contestam exatamente esses discursos "aprisionadores" tais como a "religião", "família", "estado", "política", etc. como instituições que limitam a liberdade do sujeito e por isso devem ser eliminadas para que o sujeito possa de fato ser livre. Dessa forma abrem mão da segurança que os discursos proporcionavam em nome da liberdade de ser quem quiser, fazer o que quiser, etc. 

Concomitante a isso vemos o crescimento e o aprofundamento do capitalismo e o surgimento daquilo que ficou conhecido como "capitalismo tardio", ou seja, o capitalismo pós década de 70 em que as relações de consumo já estão extremamente consolidadas, e o capitalista se torna muito mais um capitalista especulativo do que propriamente um capitalista que simplesmente "detém os meios de produção". Esse refinamento da posição do capitalista contemporâneo, aliado à disseminação massiva da ideologia consumista em todas as esferas da sociedade coloca esse sujeito sem metarrelatos em uma situação extremamente conflituosa e angustiante. Diante das diversas opções de consumo e sem nada para regular o seu gozo, o que resta para tal sujeito é apenas a sua opinião, os seus gostos pessoais como forma de lidar com as diversas demandas da vida cotidiana. Na queda dos metarrelatos a própria noção de "verdade" se perde e o sujeito da nossa época é aquele que toma como verdade basicamente a sua opinião sobre um determinado fato. 

A partir do momento que a própria noção de verdade se torna obsoleta o que vemos acontecer é a propagação daquilo que o dicionário Oxford definiu como palavra do ano de 2016 que é o conceito de "pós-verdade", ou seja, a predominância da opinião do sujeito sobre os fatos. Não importam os fatos, o que importa é apenas a opinião do sujeito, o que ele resolve acreditar e cada vez mais o diálogo se torna extremamente impossível, pois o que se percebe a cada dia é uma resistência muito grande para o debate, para a argumentação e isso se evidencia em todas as esferas da vida cotidiana. Desde assuntos menos sérios até assuntos mais complexos a preguiça para o diálogo, a apropriação de frases prontas sem reflexão, a tentativa de "igualação de discursos" como forma de evitar o debate são práticas extremamente comuns a quem tenta qualquer tipo de debate. Na religião e na política esse tipo de argumento se sobressai na maioria das vezes. Sob a assertiva "todos os políticos são farinha do mesmo saco", ou, "todas as religiões estão buscando ao mesmo Deus apenas de maneira diferente", o que está envolvido senão a recusa de toda forma sistemática de diferenciação de discursos? O que está em jogo senão o abrir mão do caráter dialogal em nome de uma "saída fácil" para questões complexas? Não seria esse o grande sintoma contemporâneo da eliminação do diferente em nome de uma pseudo-aceitação de todos em um processo de igualação que longe de "aceitar o diferente" o elimina no seu núcleo mais profundo?

Nessa recusa do diálogo vemos acontecer o inverso daquilo que Platão propunha que deveria ser o caminho para o conhecimento. Na épóca da hiperespecialização em que o conhecimento se torna extremamente ramificado, hiperespecializado, é impossível para qualquer indivíduo manter-se atualizado de todas as áreas, mas paradoxalmente, dele é exigido respostas para todas as questões do seu tempo, desde questões éticas como aborto, eutanásia, a questões políticas, religiosas, familiares, etc. O sentimento de preguiça (ou má-fé) toma conta do indivíduo de forma que ele se recusa a pensar de fato as coisas e passa a assumir apenas a sua opinião como balizas para todas as questões se fechando para o diálogo que o levaria a sair da sua opinião em direção ao conhecimento. Curiosamente a proposta platônica de saída da doxa rumo a episteme envolve exatamente esse caráter dialogal e era de se esperar que em uma era "pós-iluminista", "esclarecida" o diálogo fosse de fato algo que a maioria das pessoas estivesse disposta a realizar. No entanto, cada dia o que se vê é o oposto. O sujeito contemporâneo caminha a passos largos para o interior da caverna onde reina a opinião e se afastando do diálogo se recusa a conhecer as coisas na suas nuances mais profundas. 

Neste sentido a filosofia se torna cada vez mais desprezada, mas cada vez mais necessária. Em uma época em que a noção de verdade se perdeu e se transformou em uma questão de opinião, resgatar a noção de verdade, não como verdade absoluta (a la Platão e alas mais conservadoras do cristianismo e outras religiões), mas como noção orientadora do diálogo se torna novamente uma tarefa árdua para a filosofia. Penso que sem se resgatar esta noção a tendência são discursos cada vez mais polarizados, cada vez mais conservadores, mais rígidos em que a vida vai se perdendo e discursos cada vez mais "totalitários" vão aparecendo. Árdua a tarefa da Filosofia em nosso tempo, mas seguimos propondo o diálogo, seguimos tentando o diálogo por mais difícil que ele seja, pois no meu caso, acredito que a verdade liberta, embora cada dia seja mais difícil encontrar e definir o que seja essa verdade. Uma coisa eu sei, verdade não é opinião, e essa defesa precisa ser feita cada vez mais enfaticamente em nossos dias de pós-verdade. "E conhecereis a verdade e ela vos libertará" já dizia o autor do evangelho de João, mas quando perguntado por Pilatos "o que é a verdade?" o próprio Jesus não deu resposta, ficou mudo, ou seja, a verdade liberta, mas defini-la, às vezes exigirá de nós um silêncio para a reflexão que se torna ouro em tempos hipermodernos. 

quinta-feira, 28 de junho de 2018

LGBTQIAAP+, Igrejas evangélicas e contemporaneidade. Desafios para o pensamento



Hoje se celebra o dia do orgulho gay, o que para mim é motivo de extrema alegria, pois acredito que mesmo que parcamente as coisas estão mudando para a comunidade LGBTQIAAP+. (Para quem não sabe a nova sigla representa os Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Queers, Interesexuais, Assexuais, "Alies" (do inglês), e Pansexuais).  Há tempos atrás o próprio fato de se assumir Gay, Lésbica, etc. já era motivo para exclusão de círculos mais próximos, familiares, etc. coisa que hoje em dia vai aos poucos sendo aceito de forma mais "light". Obviamente que esse olhar "otimista" não é ingênuo; se por um lado vemos diversos avanços no quesito aceitação, ainda não podemos dizer que chegamos nem sequer próximo de um nível de aceitação "aceitável". O Brasil continua sendo o país que mais mata transexuais no mundo, ainda é o país onde a média da população trans é de apenas 35 anos, etc. Esses dados em si já deveriam nos alarmar diante da crueza que os dados evidenciam. Fechar os olhos para esses dados também é simplesmente ignorar um problema social importantíssimo. Outro dado alarmante é que apenas no início deste ano é que a questão trans deixou de ser considerada "doença" pela DSM, o que evidencia que aquilo que chamei de "parco" no início do texto é de fato extremamente "parco" mesmo. 

Como provavelmente o leitor desse blog já sabe, sou protestante e a questão sobre a sexualidade é um tema considerado tabu dentro da maioria das igrejas protestantes e evangélicas. Chego a dizer que no meio evangélico neopentecostal o tabu em relação a sexualidade beira à insanidade. Se de uma forma geral a questão sexual é raramente comentada dentro da igreja evangélica, ela se mostra presente em basicamente todos os aspectos da vida da igreja evangélica. Para isso basta observarmos o silêncio como grande sintoma da questão que não pode ser enunciada, debatida, mas cabe apenas o lugar de "proibida" de formas cada vez mais velada. É bastante interessante o discurso evangélico sobre a questão da sexualidade, pois ela mescla discursos extremamente paradoxais para defender pontos de vista muito discrepantes. Já escrevi aqui no blog sobre a questão do "sexo antes do casamento" que é sem dúvida algo muito pregado dentro das igrejas evangélicas, mas hoje queria aproveitar a data do orgulho gay e comentar sobre a relação com a questão da sexualidade de maneira mais ampla. Já há aqui no blog também um texto sobre a questão de gênero e a igreja evangélica , então acredito que já possa ir direto ao assunto. 

Foucault já nos mostra na sua história da sexualidade, e Freud também antes de Foucault que a questão sexual é uma questão fundamental na vida do sujeito humano, de forma que o controle sobre essa esfera da vida do sujeito dá à instituição um poder extremamente grande sobre a vida do sujeito. Não é por coincidência que a igreja evangélica se preocupa de forma doentia com a questão sexual. Para além de uma leitura fundamentalista do texto bíblico (que retira todo o texto do seu contexto e quer ler a Bíblia sub especie aeternitatis ) a igreja evangélica em sua maioria tem sempre em mente exercer um domínio sobre a forma que o membro deve ou não deve viver a sua vida sexual. Daí vem muitos problemas entre casais heteronormativos, mas com certeza os que mais sofrem com isso são os casais homoafetivos. 

Via de regra a solução proposta para os homossexuais dentro da igreja evangélica é a abstenção do sexo com seu parceiro, pois segundo a ideologia extremamente perversa propagada, "Deus ama o pecador, mas não ama o pecado" (curiosamente a mesma exigência não é nem cogitada para o casal heteronormativo), de forma que o pecado está no ato da cópula, está no sexo em si. Esta visão além de retomar uma dinâmica extremamente medieval em relação à relação entre corpo e alma, aquele sendo taxado como impuro enquanto a alma seria pura, traz consigo uma noção de controle sobre os corpos que beira a insanidade. Uma das maiores bandeiras levantadas por Lutero durante a reforma protestante foi exatamente a liberdade do cristão diante de Deus, de forma que Deus e homem se comunicam diretamente sem a mediação institucional. (O que obviamente trouxe sérios problemas que é o que vemos hoje com diversas igrejas neopentecostais e suas leituras absurdas do texto bíblico) No entanto, dentro da maioria das igrejas evangélicas, a liberdade do sujeito só se faz presente na hora de assumir a culpa pelos seus atos e nunca na hora de se tornar de fato agente de si mesmo. Esta noção vai se tornando cada vez mais perversa e cada vez mais velada no discurso, tornada "soft" como forma de penetrar cada vez mais sutilmente como mecanismo de controle. Um exemplo bem vivo disso são os diversos cultos atualmente em diversas igrejas evangélicas voltadas para a comunidade LGBTQIAAP+ em que sob o nome de "inclusão" o que se vê na maioria das vezes é apenas o mesmo discurso fundamentalista, culpabilizador com uma roupagem diferente. Ao invés de ser um lugar em que a aceitação se dará, o que se vê é apenas uma culpabilização velada, uma ideologia extremamente perversa em que a igreja evangélica mostra sua face totalmente alinhada com a dinâmica exclusivista da heteronormatividade. 

Recentemente uma aluna minha me relatou uma experiência vivida no culto "Cores" da Batista da Lagoinha em que a líder do culto já iniciava a sua fala afirmando saber que estava em pecado mantendo a sua opção sexual, mas estava ali para honrar em engrandecer o nome de Deus. Supostamente esse culto é um culto voltado para a comunidade LGBTQIAAP+, mas o que traz consigo é apenas uma noção arcaica de que cabe à igreja dizer o que pode ou não pode ser feito com o corpo do sujeito. Extremamente interessante é o fato de que a igreja não assume que isso é uma postura/leitura própria dela, mas atribui a Deus uma discriminação que é estrutural, socialmente construída e que não tem absolutamente nada a ver com a proposta cristã em sua forma mais crua.
É fato conhecido que Jesus andava com prostitutas, ladrões, mendigos, pobres, excluídos, etc. e também é fato conhecido que o ensinamento de Jesus se volta sempre para a aceitação dos diversos modos de vida das pessoas que são baseados no amor, mas se volta contra os atos que não são baseados nesse mesmo amor. Não é sem motivo que a vez que os evangelhos mostra um Jesus extremamente violento é apenas com os comerciantes no templo. Em hora nenhuma essa violência de Jesus se mostra em relação a outras questão da vida das pessoas. Jesus não fala absolutamente nada sobre sexo, os evangelhos não falam basicamente nada sobre a questão, mas por diversos motivos (incluindo a questão platônica no início da patrística) a questão sexual se tornou o tema central da igreja cristã desde o seu surgimento. 

Iniciei o texto afirmando que tem havido uma parca aceitação das questões homoafetivas na sociedade de forma que esses grupos tem ganhado cada vez mais espaço e suas pautas estão sendo cada vez mais debatidas. Até mesmo no meio evangélico somos capazes de encontrar grupos que debatem seriamente a questão e igrejas de fato inclusivas no sentido da aceitação plena da forma única que cada um tem de viver a sua sexualidade, entendendo que não cabe à instituição dizer o que pode ou não pode ser feito pelo sujeito no uso da sua livre vontade sobre o seu próprio corpo. Essa ausência do poder institucional, no entanto, evidencia a crise representacional vivenciada hoje em todas as instâncias da vida dos sujeitos contemporâneos. É impossível voltar para uma época onde essas instituições terão novamente o poder que tinham (embora esse seja o desejo de vários setores atuais que vêem no fortalecimento dos aparatos de controle uma saída para a crise contemporânea culminando não raras vezes em posturas extremamente fundamentalistas), essa fantasia de uma unidade primordial se perdeu definitivamente. A única possibilidade parece ser aquilo que diversos psicanalistas chamam de "pai enfraquecido", ou seja, uma referência mínima que apenas a partir do testemunho próprio seria capaz de orientar o sujeito. 

No entanto, a nossa crise representacional também se evidencia dentro do próprio movimento LGBTQIAAP+. Recentemente estava discutindo em uma das minhas aulas que o simples fato da sigla que começou com GLS, passou para LGBT, depois LGBTQI+ e agora LGBTQIAAP+ apontaria para a mesma crise representacional que o aumento das letras visa resolver. Na intenção de aceitar todas as minorias, o que aparentemente acontece é a criação de cada vez mais "microgrupos" em que a representação precisa ser cada vez mais específica para encontrar voz. É sabido que dentro do próprio movimento há diversas discussões sobre a questão de gênero e a questão racial, a questão de gênero e a questão econômica, de forma que há cada vez mais uma pulverização das letras na sigla de forma a representar cada vez grupos menores sob o nome da "aceitação das diferenças". A meu ver o aumento da sigla aponta exatamente para essa fissura contemporânea da ausência da representação; de alguma forma acaba-se caindo em uma espécie de narcisismo de grupos extremamente pequenos que no fim das contas não representam ninguém. O excesso de letras na sigla aponta para a mesma dificuldade de lidar com a questão da sexualidade que apontei acima no texto, ou seja, essa não é uma querela meramente da igreja evangélica, mas se mostra uma dificuldade contemporânea, hipermoderna. 

Ao tentar "definir" os microgrupos com letras cada vez mais específicas não estaria presente uma tentativa meio que desesperada de enquadrar a sexualidade dentro de padrões cada vez mais distintos? Essa fantasia da normatização não evidenciaria exatamente aquilo pelo qual as pautas identitárias de hoje visam eliminar? Paradoxalmente, quanto mais se prega a liberdade para a vivência da sexualidade, mais letras vão surgindo para "delimitar" quem é quem nessa relação. O caminho das siglas não deveria caminhar no sentido de redução das letras ao invés do seu aumento? E o que diríamos se outros grupos cada vez mais específicos quiserem ser representados? Todos os grupos devem ser aceitos e ter a sua própria letra na sigla? Isso não permitiria adesão de grupos que atualmente soam extremamente estranhos para nós? O que pensar sobre "sexo com robôs"? "Sexo com animais"? Coisas que hoje nos soam extremamente estranhas e perversas não estariam talvez próximas de acontecerem? Se a ideia soa extremamente estranha basta lembrar que há menos de 100 anos a questão homoafetiva também era considerada "aberração", "doença", "perversão", etc. e hoje não é mais. Qual seria o critério para se acrescentar uma nova letra nessa sigla? Esses grupos não teriam direito também à representação? Haveria um limite para essas representações?

 E o que dizer do "+"? Esse "+" aponta sempre para esse excesso indizível na vivência da sexualidade que nunca é eliminado. Os diversos movimentos atuais tem em vista sempre eliminar esse "+" de forma a se ver representado por um signo que contemplaria uma vivência específica, mas o que acontece é algo que Freud e depois Lacan apontaram muito bem que é o fato de que sempre que se tenta abarcar toda sexualidade algo sempre escapa, algo sempre resta. Sendo um bom freudiano diríamos que o que resta é a evidência de que o objeto da pulsão é sempre parcial, ou seja, aquele objeto último capaz de eliminar o "+" nunca será encontrado, sempre restará algo. Em lacanês diríamos que esse é claramente o objeto a. 

Percebe-se que a questão da sexualidade é algo extremamente intrigante e um assunto extremamente complexo de forma que nesse dia do orgulho gay, para além da celebração é preciso pensar de forma cada vez mais honesta o nosso desafio contemporâneo para que não caiamos em uma tentativa desesperado de um retorno à estruturas ultrapassadas que não tem nada a dizer (basicamente a posição da maioria da igreja evangélica atual), nem caiamos na falácia da liberdade sem limite que diversos grupos insistem em manter minando com isso toda forma de liberdade tipicamente humana. Se tem algo que a psicanálise nos ensina é que toda liberdade humana só se torna liberdade quando é fundamentada sobre um limite, sobre uma interdição; é só assim que é capaz de nascer o desejo que nos torna humanos. O desafio é grande tanto do ponto de vista teórico quanto prático, mas por isso mesmo instigante para a nossa reflexão, e o dia de hoje é propício para pensarmos sobre isso. 


quinta-feira, 21 de junho de 2018

"So love is the minimal form of communism." Alain Badiou sobre o amor



Os leitores do blog sabe que a questão do amor é algo recorrente nos textos por aqui  e por isso que este lindo do texto de Alain Badiou faz a sua entrada neste blog. Em grande medida Badiou coloca de forma bastante poética noções que ele desenvolve de forma mais filosófica em outros de seus vários livros. Para quem não conhece, Alain Badiou é um filósofo francês nascido em 1937, autor de vários livros e um dos principais pensadores contemporâneos vivos. Acesse aqui para conhecer um pouco mais sobre Alain Badiou. Segue abaixo o extrato do livro "In praise of love" publicado em 2012. 
“Love is not a contract between two narcissists. It’s more than that. It’s a construction that compels the participants to go beyond narcissism. In order that love lasts one has to reinvent oneself…Everybody says love is about finding the person who is right for me and then everything will be fine. But it’s not like that. It involves work. An old man tells you this!…I have only once in my life given up on a love. It was my first love, and then gradually I became so aware this step had been a mistake I tried to recover that initial love, late, very late – the death of the loved one was approaching – but with a unique intensity and feeling of necessity…There have been dramas and heart-wrenching and doubts, but I have never again abandoned a love. And I feel really assured by the fact that the women I have loved I have loved for always.
…Solving the existential problems of love is life’s great joy. There is a kind of serenity in love which is almost a paradise…’While desire focuses on the other, always in a somewhat fetishist[ic] manner, on particular objects, like breasts, buttocks and cock, love focuses on the very being of the other, on the other as it has erupted, fully armed with its being, into my life that is consequently disrupted and re-fashioned…’ The absolute contingency of the encounter takes on the appearance of destiny. The declaration of love marks the transition from chance to destiny and that’s why it is so perilous and so burdened with a kind of horrifying stage fright. Love’s work consists in conquering that fright…In love, fidelity signifies this extended victory: the randomness of an encounter defeated day after day through the invention of what will endure.
…In Paris now half of couples don’t stay together more than five years. I think it’s sad because I don’t think many of these people know the joy of love. They know sexual pleasure – but we all know what Lacan said about sexual pleasure…To an extent, I agree with him. If you limit yourself to sexual pleasure it’s narcissistic. You don’t connect with the other, you take what pleasure you want from them…I absolutely agree that sex needs to be freed from morality. I’m not going to speak against the freedom to experiment sexually like some old arse – ‘un vieux connard’ – but when you liberate sexuality, you don’t solve the problems of love. That’s why I propose a new philosophy of love, wherein you can’t avoid problems or working to solve them…But avoiding love’s problems is just what we do in our risk-averse, commitment-phobic society. [I] was struck by publicity slogans for French online dating site Méetic such as ‘Get perfect love without suffering’ or ‘Be in love without falling in love’. For me these posters destroy the poetry of existence. They try to suppress the adventure of love. Their idea is you calculate who has the same tastes, the same fantasies, the same holidays, wants the same number of children. Méetic tries to go back to organised marriages – not by parents but by the lovers themselves. Aren’t they meeting a demand? Sure. Everybody wants a contract that guarantees them against risk.
…Love isn’t like that. You can’t buy a lover. Sex, yes, but not a lover…I think that romanticism is a reaction against classicism. Romanticism exalted love against classical arranged marriages – hence l’amour fou, antisocial love. In that sense I’m neither romantic nor classic. My approach is that love is both an encounter and a construction. You have to resolve the problems in love – live together or not, to have a child or not, what one does in the evening…Simone de Beauvoir wrote that you are not born a woman, you become one. I would say you are not a subject or human being, you become one. You become a subject to the extent to which you can respond to events. For me personally, I responded to the events of ‘68, I accepted my romantic destiny, became interested in mathematics – all these chance events made me what I am…You discover truth in your response to the event. Truth is a construction after the event. The example of love is the clearest. It starts with an encounter that’s not calculable but afterwards you realise what it was. The same with science: you discover something unexpected – mountains on the moon, say – and afterwards there is mathematical work to give it sense. That is a process of truth because in that subjective experience there is a certain universal value. It is a truth procedure because it leads from subjective experience and chance to universal value…Real politics is that which gives enthusiasm. Love and politics are the two great figures of social engagement. Politics is enthusiasm with a collective; with love, two people. So love is the minimal form of communism.’”

Trecho do livro de Alain Badiou "in praise of love". Trecho originalmente publicado em https://brittlepaper.com/2012/09/love-contract-narcissists-alain-badiou-excerpt-praise-love/ acessado em 21/06/2018

quinta-feira, 14 de junho de 2018

O que é filosofia para Montaigne ?


Infelizmente não achei o autor da foto.



Pequeno texto escrito em 2005 respondendo à questão: "O que é Filosofia para Montaigne?"

Michel de Montaigne nasceu na França em 28 de fevereiro de 1533 e faleceu em 13 de setembro de 1592 com 59 anos. Montaigne era um nobre francês que teve uma erudita educação e desde cedo aprendeu a falar latim e grego, línguas que o auxiliaram bastante no desenvolvimento do seu pensamento, pois lia bastantes textos nestas línguas. 


Montaigne dedicou grande parte de sua vida na política e exerceu vários cargos na administração francesa. Depois de um tempo na vida pública, Montaigne decide se afastar do cargo e dedicar um tempo para si mesmo. Neste momento, se abrigou em sua biblioteca e dedicou-se mais a leitura de textos que gostava e começou posteriormente a escrever seu ensaios. 


Nos ensaios de Montaigne ele define o que é filosofia para ele, e como que ela deve ser exercida, e aprendida. Ele mesmo não se denominava filósofo, mas sua obra influenciou bastante, vários filósofos famosos, dentre eles René Descartes . 


Montaigne sempre criticou a forma que a filosofia era praticada pelos “filósofos” de sua época, ele criticava o uso excessivo de palavras que não querem dizer nada na maioria das vezes, ou que apenas servem para ludibriar as grandes massas, pois são bonitas de serem ouvidas. ‘Segundo ele essa palavras são de “ nenhum uso e de nenhum valor”  e essa crítica ele as estica aos filósofos que assim fazem, e não se preocupam primeiramente com a verdade. 


Para Montaigne, a filosofia deve ser um reflexo de uma vida, e não simplesmente palavras soltas ao vento. A filosofia para ele, começa com a idéia de “digestão”, segundo ele a partir da quilo que se aprende de fora, devemos digeri-lo e a partir daí criarmos algo que seja nosso, segundo ele, filosofa-se para viver, ou para aprender a viver, e apenas isso é filosofia de verdade. A filosofia é portanto algo que não tem uma idade para iniciar, ela pode ser aprendida desde criança, e é o que Montaigne recomenda a Diane de Foix, a quem é dedicado o capítulo XVI do Ensaio I . 


Montaigne propõe a Diane que estimule o seu filho a pensar por si só, até um certo ponto, Montaigne recomenda a leitura de livros, como Aristóteles , mas não, como seu exemplo próprio indica, gastar muito tempo para entender aquilo que parece obscuro a primeira vista. Para ele, a filosofia é algo simples e deve ser falado de forma simples, e quando se fala de forma muito difícil, é porque não há uma idéia bem firmada em sua cabeça. Para ele, quando se pensa bem, se fala bem como conseqüência. 


Os ensaios de Montaigne são reflexões próprias, acerca de si mesmo, e a sua pretensão, é passar uma idéia de quem ele era . É interessante notar que Montaigne era muito reservado, e é algo que ele coloca em seu ensaio III quando fala que aquilo que não mostrava a ninguém decidiu ele mostrar o povo. Pois quando escreve, ele procura tornar-se conhecido a partir de sua obra. 


Fica aqui a sugestão dos Ensaios de Montaigne para quem quiser conhecer mais sobre o filósofo. A Martins Fontes publicou tais ensaios e outras editoras também. 








segunda-feira, 14 de maio de 2018

O céu estrelado e o inconsciente - Pensamentos esparsos








Kant já dizia que o céu estrelado sobre ele era algo que ele admirava enormemente. Como ele mesmo dizia em sua crítica da razão prática: "Duas coisas que me enchem a alma de crescente admiração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o pensamento dela se ocupa:o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim." Hoje com todo conhecimento que temos sobre o espaço, as estrelas, etc. para mim me faz maravilhar ainda mais com o céu estrelado. Pensar que quando olho para uma estrela estou contemplando algo que pode nem mais estar ali, que na realidade o que vejo é sempre o brilho do passado que aparece para mim agora sempre me deixa maravilhado. É intrigante pensar que aquilo que vejo às vezes já morreu há bilhões de anos atrás, mas apenas agora mostra a sua face. Como não lembrar do inconsciente freudiano que faz isso acontecer dentro de nós o tempo todo? Aquilo que julgávamos morto reaparece trazendo suas implicações em diversas áreas da nossa vida, e quando olhamos atentamente percebemos que na realidade aquilo que agora se mostra sempre esteve lá de alguma forma e está constantemente se atualizando em nós a cada dia. 
Como a luz da estrela que chega até nós vindo de tão longe, mostrando a nossa pequenez diante do universo, nos apontando para a memória do que um dia já foi, mas que nunca conheceremos, assim talvez nós estamos condenados a ter de nós mesmos apenas vislumbres, nunca nos sendo permitido conhecer o que, ou onde tudo começou em nós. Se Kant equiparava o céu estrelado à lei moral que estaria dentro dele, eu prefiro comparar o céu estrelado ao inconsciente que eu sou, ex-timo, sempre se atualizando e brilhando, mas por isso mesmo apontando apenas para uma parcela de mim, mas nunca a minha/sua totalidade.