terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Questões a partir do materialismo aleatório de Althusser




 Althusser , em sua última filosofia, faz uma crítica a vários conceitos do materialismo dialético entre eles o conceito de “origem-fim”. Althusser critica esse conceito afirmando que o tipo de materialismo que isso visa não passaria de um idealismo. A filosofia de Althusser não parte de problemas filosóficos, mas pretende eliminar esses problemas para começar de um vazio filosófico.

Para Althusser, um materialismo que visa uma teleologia, no final não passaria de um idealismo, uma vez que a própria origem será vista já visando um fim. A origem é construída a partir de um fim. A crítica de Althusser parte de um vazio filosófico para poder a partir daí construir algo que não seja um idealismo. É preciso portanto desconstruir o conceito de origem-fim para que se possa entender o mundo como um processo aleatório.

O filósofo desloca portanto a ideia de mundo necessário e coloca em seu lugar a contingência. A contingência não seria apenas uma modalidade ou uma exceção dentro de um mundo necessário, mas o necessário é constituído a partir de encontros de contingentes. Os acontecimentos contingentes é que geram o que se torna necessário e não o contrário. O mundo portanto nada mais é do que encontros aleatórios que geram necessidades a partir disso. O mundo não é conseqüência de um princípio-ordem, uma ordenação, um logos do mundo. Ele é apenas um fruto de uma conjuntura-acontecimento (Nessa mesma linha desloca a filosofia de Badiou em "Ser e evento" tentando mostrar como se daria a "lógica do mundo" a partir da noção de "acontecimento).

O mundo nesse sentido continua sendo objetivo e independente em relação ao sujeito, no entanto ele não é assim por causa de um princípio que ordena as coisas, mas ele é fruto de um encontro que poderia ter acontecido de outra forma. Segundo Althusser, todo estado do mundo pode ser mudado de maneira imprevisível acrescendo ou subtraindo algum elemento no mundo. Não tem como estabelecer leis da história, o máximo que podemos fazer será apenas extrair do mundo algumas constantes e tendências pelo hábito que temos de ver as coisas acontecendo como acontecem. Althusser portanto caminha na contramão de uma filosofia idealista. Não há um fim nas coisas. Há apenas acontecimento-conjunção em uma formalidade vazia. 

Algo que fica claro na proposta de Althusser é que, para ele, o materialismo do encontro não critica apenas o fato do idealismo ser regido pelo principio da razão. Este seria um instrumento de poder político, de imposição de suas verdades, e que a tradição racionalista da filosofia mascara como sendo o poder da “Verdade”. A filosofia reconhece a realidade exterior, mas estabelece com esta uma relação de apropriação. O conceito se impõe à prática, tenta colocar a verdade da filosofia (suas ideologias política, religiosa, moral e estética) como sendo sua verdade. A realidade é tragada e reformulada segundo este princípio da razão sem que sua natureza própria seja levada em conta. Pelo contrário, é preciso corrompê-la para que o domínio da verdade da filosofia se efetive.

O materialismo aleatório não exerce sobre as práticas uma  “violência do conceito”. Elas são justamente aquilo que pode questionar a filosofia, seu outro, algo que está aberto a contingência do acontecimento e da experimentação, indeterminado em relação a um objetivo último. A crítica da filosofia idealista e do princípio da razão tem por objetivo livrar os campos filosófico e histórico da submissão que as categorias filosóficas (princípio de razão, como conceito-verdade, e as noções de Sentido, de Sujeito, de Substância e de Origem-Fim) impõem às práticas sociais dos homens. A partir da desconstrução que materialismo do encontro faz da maneira idealista de pensar, seus elementos teóricos tornam-se como os átomos que caem no vazio do clínamem, instâncias passíveis de novos encontros e combinações. O materialismo aleatório promove a abertura do acontecimento, a possibilidade de outros mundos filosóficos.  

A proposta althusseriana se mostra extremamente interessante para pensarmos as relações humanas e a própria relação do homem com a religião. Obviamente que Althusser não era um religioso, e sua proposta materialista de cara já elimina qualquer proposta metafísica por parte dele relegando qualquer adepto de sua teoria ao ateísmo. No entanto, a sua proposta de um encontro aleatório para além de uma noção de origem-fim é uma proposta vigorosa na nossa época contemporânea ausente de referenciais teóricos. A ausência de um princípio organizador e a ausência de um télos no mundo coloca o indivíduo diante de um grande vazio que clamará por algum tipo de preenchimento, mesmo que parco. Neste sentido a própria filosofia poderá se colocar como uma tentativa desse preenchimento, mas não no sentido de "organizar o mundo conceitualmente", mas tendo como tarefa abraçar toda a aleatoriedade do mundo. No entanto, talvez haja outras saídas para além das filosóficas para tentar lidar com a aleatoriedade e é exatamente essa a proposta instigante que Althusser nos relega. 

Será que a religião seria capaz de oferecer algum tipo de resposta à aleatoriedade sem ter como meta eliminar tal aleatoriedade? Como seria uma religião que abarcaria a aleatoriedade althusseriana? E o conceito de "Deus"? Como ele seria pensado a partir dessa proposta? Resta a ele apenas sair de cena em um materialismo cego, ou será que há a possibilidade de pensar tal conceito a partir da noção de aleatoriedade? Essas são perguntas obviamente sem respostas ainda, mas que instigam o nosso pensamento. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Reflexões sobre Deus a partir de um inseto







Ontem um inseto entrou em minha casa enquanto assistia televisão. Depois do susto provocado por uma entrada tão súbita, a primeira reação que tive foi a de pegar o chinelo no intuito de matar tal invasor. Foi o que fiz. No entanto, enquanto pegava o chinelo e o lançava em direção ao inseto indefeso diante da minha onipotência circunstancial uma imagem me veio à cabeça e me imaginei como se eu fosse aquele inseto diante de um Deus que teria todo poder para me esmagar a qualquer momento que ele quisesse sem que eu de nada soubesse sobre isso. 

Esse Deus todo poderoso teria todas as coisas ao seu dispor, ou seja, assim como eu, ele também teria um chinelo, um tênis, ou qualquer outro objeto para me esmagar a qualquer momento, e fiquei pensando: - Mas por que razão ele não me esmaga sem misericórdia alguma? Com certeza eu nunca saberia que teria sido esmagado por aquele Deus e minha vida simplesmente acabaria ali, sem sentido algum, fruto de uma vontade desconhecida, que talvez por nada melhor pra fazer resolvesse matar um inseto que adentrou em sua casa.

Nessa hora me veio à mente duas referências bíblicas. A primeira foi aquela  referência bíblica de Isaías 41,14 que chama o povo de Israel de "vermezinho de Jacó", ou seja, algo insignificante diante do poder de Deus que supostamente poderia fazer qualquer coisa para com aquele ser desprezível. E a segunda referência que me veio foi a referência de Lamentações 3,22 que afirma que "As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque a sua misericórdia não tem fim", ou seja, se Deus não me esmaga como eu fiz com o inseto é porque a sua misericórdia para comigo é sem fim, e para ele, de alguma forma, há um interesse na minha existência, ou até mesmo um desinteresse passivo quanto a eu existir ou não. 

Agora a tarde tive outra experiência interessante. Como estou de férias, dei uma cochilada na parte da tarde e quando acordei, acordei com fome e então fomos à padaria para comprar coisas. Eu queria comer pão com queijo e por isso fomos à padaria e compramos pão com queijo, pois esse era o meu desejo no momento. Ao mesmo tempo eu fiquei pensando que diversas pessoas tem o desejo apenas de "comer" e nem isso lhe é dado, pois diversas vezes elas simplesmente não tem o que comer, enquanto eu posso escolher e ter acesso àquilo que quero. 

Se pensarmos que Deus seria responsável para com isso cairíamos naquele velho debate despropositado que coloca a culpa de todas as coisas em Deus como aquele que seria uma espécie de sádico brincando com os desejos e as condições de vida das pessoas. Particularmente não penso que estas questões sejam da alçada de Deus, mas se vinculam muito mais à dinâmicas estruturais dos modos de produção capitalista. Deus não tem absolutamente nada a ver com isso, mas sim as condições materiais de existência que geram um disparate que permite que enquanto alguns tenham muito e acesso a qualquer que seja o seu desejo, outros nada tenham e por isso mendigam e até morram por não conseguir comer. 

Para mim é bem claro que a visão que temos sobre Deus condiciona de forma cabal a forma como nos relacionamos com ele. Se eu vejo  Deus como esse ser sádico que pode me matar a qualquer momento, mas não o faz simplesmente porque não quer ou está desinteressado em minha existência, mas ao mesmo tempo seria o responsável por alguns poderem comer o pão com queijo quando querem enquanto outros não podem nem mesmo escolher se comerão ou não, então a minha relação com ele será extremamente ambivalente, como já mostrou Freud em diversos textos. Vou amá-lo porque a sua misericórdia me mantém e me permite escolher o que quero comer e ter aceso a isso, mas ao mesmo tempo vou temê-lo porque a qualquer momento ele pode resolver me matar sem me dar nenhuma explicação. Essa ambivalência fará com que a minha relação com ele sempre esteja oscilante; e diante das perguntas da vida eu ficaria completamente sem resposta, pois não teria como escolher entre o Deus de amor e o Deus sádico. 

A minha proposta é que Deus deva ser visto para além dessa dimensão ambivalente. Deus não é o responsável por eu ter o que comer e beber, nem mesmo responsável por eu estar vivo, mas posso ser sempre grato a Ele por isso. A ideia que coloco aqui é a de que Deus pode ser entendido como um sentido que organiza o mundo sem fazer com que o mundo dependa dele e nos excusemos da nossa responsabilidade. Se sou grato a Deus por eu ter o que comer e o que vestir isso não quer dizer que tudo venha Dele, mas apenas quer dizer que eu resolvo ler o mundo de uma forma em que me vejo não como causa de mim mesmo, mas dependente de uma esfera de ação que me ultrapassa. Posso até mesmo significar o mundo dizendo que "tudo vem de Deus", mas significando por Deus não um ser todo poderoso, mas um Sentido para a minha existência.  Dessa forma perseveramos a dimensão do mistério, perseveramos a dimensão de Deus e eliminamos a dimensão sádica daquele Deus todo-poderoso que brinca com meus desejos, ora possibilitando satisfações, ora não e que poderia me esmagar a qualquer momento.

Finalmente percebemos que as coisas no mundo dependem de relações que são determinadas internamente e não por Deus que esteja coordenando todas as coisas, no entanto, eu, quando vou ler o mundo, procuro dar um significado para esses acontecimentos e para isso eu escolho ler o mundo a partir da dimensão do Sentido. Esse Sentido me coloca de uma maneira diferente diante do mundo, encarando todo o vazio e sem sentido de diversos acontecimentos, mas sem esquecer que a aposta é sempre a do Sentido para além do mero vazio e acaso. Acredito que isso nos coloca em um meio termo entre um materialismo cego e ingênuo que é incapaz de apostar no sentido, e uma explicação completamente metafísica que faz tudo depender de um Deus todo poderoso colocando o homem apenas como um verme diante de um poder pleno. A proposta aqui faz com que encaremos a nossa responsabilidade na construção de um mundo melhor, encaremos a nossa responsabilidade diante das nossas vidas, e permite ao mesmo tempo admitir a possibilidade do aparecimento de Deus, mas um Deus fraco, vazio, que se mostra apenas em pequenas gotas de esperança diante do mundo caótico. Esse Deus visto como esse Sentido é o que nos faz lutar para que todos tenham o que comer, que todos tenham o que vestir, que tenham o que beber, onde morar, etc. Deus se esvazia de metafísica e se transforma em horizonte para onde todos navegamos. 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

[... escolhe pois a vida, para que vivas... Dt 30,19]










Enquanto podia, aconselhava, ouvia, ponderava, levantava prós e contras, contava de sua própria experiência, projetava algumas delas, ocultava outras, etc. 
Fez tudo o que pode para que ele não fosse pelo caminho que parecia traçar para si. No entanto, a partir do momento que  ele decidiu seguir o caminho que escolheu, ela fez de tudo para ajudá-lo. Até testemuhou o que aos olhos dela era um erro. Aceitou o fato de que ele tomou a decisão que achava melhor para si. 

Isso quando abandonou o emprego, isso quando resolveu morar de aluguel ao invés de comprar uma casa, isso quando resolveu namorar alguém que claramente não tinha nada a ver com ele. Mesmo com todos alertas ela resolveu deixá-lo seguir o que achava melhor. Não se eximiu da sua responsabilidade enquanto quem ama, não tomou para si responsabilidade que não era dela, não foi indiferente à demanda do outro, mas deixou o outro livre e ajudou no que pôde e o quanto pôde. Mas fez assim porque o amava, porque compreendia que por mais que discordasse, por mais que alertasse, a decisão, por mais errada que fosse a seus olhos, cabia somente a ele. Nada fez para se colocar como obstáculo, pelo contrário, tudo o que pôde fazer para ajudar, ela fez. 

Não mereceria ela a mesma credibilidade agora que a situação se inverteu? Não deveria ele agora fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para ajudá-la a levar a cabo sua decisão? No entanto agora ele se esconde atrás de racionalizações, se esconde atrás de planilhas. Planilhas essas que não fez diferença alguma na hora  de abandonar o emprego. Racionalizações essas que foram deixadas de lado quando a sua demanda se impôs, mas que agora serve de desculpas para se eximir da ajuda possível.

É sempre possível usarmos um juízo para o outro e não sermos coerentes o suficiente para usarmos o mesmo juízo para nós mesmos. Da mesma forma que há pessoas que são muito duras com os outros mas ao mesmo tempo são bastante condescendentes consigo. Para o outro todo o peso das racionalizações, para mim nem tanto peso assim, e assim a vida segue como que normalmente diante das incongruências destas posições. Os já conhecidos "dois pesos e duas medidas" acabam falando mais altos diante dos nossos interesses e isso é algo extremamente humano, mas nem por isso seja algo que devemos nutrir, afinal, seria bom se fôssemos justos o tempo todo; tanto conosco como com os outros.

Há também aqueles que são extremamente severos consigo e extremamente condescendente com o erro dos outros. Esse segundo tipo também encontramos aos montes em nossa vida. O grande desafio é encontrar o meio-termo entre essas duas situações e tentarmos, na medida do possível, nos tornar melhores em relação ao outro. Ajudar o outro sempre que possível e não ser empecilho para que o outro tome as suas decisões. No que depender de nós devemos ter sempre o coração disposto a ajudar o próximo para que ele se realize e para que ele sempre se responsabilize pelos seus atos.

Toda escolha envolve uma perda. Escolher é sempre perder algo. Enquanto adultos cabe a nós reconhecer o direito do outro de tomar as suas próprias decisões, o direito do outro de escolher o que achar melhor para si. Por mais idiota que possamos achar a escolha do outro não compete a nós decidir por ele. Se solicitados podemos expor nossas opiniões, nossos pontos a favor e contra tal decisão, mas sempre tendo em mente que cabe apenas ao outro tomar tal decisão. A nós cabe respeitar  e torcer para que o outro escolha o que for melhor, cabe a nós torcer para que o outro escolha a vida e viva. E isso é sempre um grande desafio para nós.

Que estejamos sempre prontos a aconselhar e ajudar o outro naquilo que sabemos, mas sem nunca tirar do outro a responsabilidade e o seu direito/dever de escolher o seu próprio caminho.


quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Aspectos de Deus em um texto de Leibiniz





Um texto de 10 anos atrás encontrado nos escombros do computador. 

O problema de Deus em Leibniz é um problema extenso e não pretendo aqui esgotar o assunto. O que eu pretendo aqui é fazer uma pequena reflexão sobre o papel de Deus na metafísica de Leibniz.
Em seu texto intitulado “Uma Definição de Deus, ou, de um Ser Independente.”(Definitio Dei Seu Entis A Se), de 1676, Leibniz afirma que Deus é um ser de cuja possibilidade (ou, de cuja essência) segue-se Sua existência. Se um Deus, definido de tal modo, é possível, segue-se que Ele existe. 
O tema da metafísica de Leibniz é a pergunta de como deve ser o mundo, se temos a noção de Deus ? Para Leibniz, Deus é o criador de todas as coisas e é absolutamente perfeito, e uma vez que Ele é um ser perfeito, a sua criação será a mais perfeita possível. Leibniz afirma que a coisa é boa e por isso que Deus faz, e não que Deus faz algo ser bom ou não. A potência máxima para Leibniz não é criar a razão, mas sim, criar de acordo com a razão. Isso segundo ele é o que é ser livre.
Leibniz tem a idéia dos mundos possíveis. Segundo ele, Deus contempla todos os mundos e cria o melhor dos mundos possíveis . Deus age desta forma porque Ele não pode ferir o princípio da não contradição. Criar o melhor dos mundos possíveis é agir de acordo com a razão. A posição de Leibniz se assemelha com a visão medieval que afirmava que Deus não pode fazer contradições lógicas. Deus está também sujeito aos princípios lógicos.
Essa sujeição de Deus a esse princípio no entanto, não limita o poder de Deus. Deus tem todo o poder para fazer todas as coisas, Ele não faz porque se fizesse, implicaria em contradição à sua obra, e uma vez que Deus é perfeito, ele não pode cair em contradição. Por exemplo: Deus não pode criar um mundo onde não existisse o princípio da não contradição, isso porque seria inconsistente ele contemplar um mundo melhor e criar um mundo pior.
Deus também é um ser onisciente. Ele já criou todas as coisas com tudo pré-determinado para elas. As substancias já contem em si tudo que lhe aconteceu, acontece e acontecerá. Só que a substância não sabe disso. Somente Deus sabe de todas essas coisas. Essa onisciência de Deus faz com que Ele tenha a noção completa da substância com todos os seu acidentes. Havia um posição escolástica que defendia que Deus sabe as coisas que a substância fará pelos futuros contingentes. Leibniz no entanto discorda dessa visão e afirma que Deus não pode prever algo que é livre e indeterminado, ao contrário ele já cria a substancia com tudo o que vai acontecer a ela.
Segundo Leibniz, o melhor sempre implica em perfeição, e Deus escolhe sempre o melhor. Leibniz em sua metafísica, quer explicar o problema do mal, e Leibniz resolve este problema pela teoria dos mundos possíveis. O mundo sem o mal, seria contra o princípio de não contradição. Para ele, o mal veio ao mundo para que Deus pudesse colocar neste um bem. A queda de Adão para Leibniz comprova que o melhor mundo possível seria aquele em que Deus se fizesse presente fisicamente nele, e por isso a queda do homem.
Leibniz afirma que o pecado é necessário para um bem maior, pois sem ele, não haveria como implantar a justiça, uma vez que a justiça precisa do pecado para existir. Deus não poderia criar um mundo justo, se não existisse o pecado.
Leibniz não questiona a necessidade de um mundo sem justiça, ou sem pecado. Para ele isso seria possível, uma vez que não havendo pecado, não haveria a necessidade da justiça. Isso não implica em contradição, portanto é possível pensar em um mundo assim.
Deus sendo onisciente e conhecendo todas as coisas, o homem como emanação de Deus, também é um ser livre e age livremente. Leibniz enfrenta um problema que é o de tentar conciliar a graça de Deus com um certo “determinismo” da parte de Deus. A discussão não é própria de Leibniz e remonta a autores medievais que discutiram largamente essas questões.
Segundo Leibniz, o homem peca porque age precipitadamente, mas esse acidente já fazia parte de sua composição. Leibniz resolve o problema da liberdade afirmando que ser livre é agir de acordo com a razão. Deus não determina que alguém vai pecar, o homem peca livremente. E peca livremente porque era possível que ele não pecasse. Segundo Leibniz, o homem pecou porque agiu precipitadamente, mas esse pecado é necessário para um bem maior.
Deus em Leibniz assume um papel central, uma vez que dependemos de Deus para viver e para todas as outra coisas. Ao dizer que o homem é uma emanação de Deus, Leibniz dá ao homem um status de criatura prima de Deus.
Há uma passagem bíblica que diz que os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento as obras de suas mãos. (Salmos 19:1). Leibniz afirma a mesma coisa ao dizer que olhando para o mundo conseguimos enxergar o criador. Essa idéia de Leibniz acerca desse vislumbramento do mundo reflete a perfeição da obra divina em todos os seus detalhes.
Concluindo: Leibniz com os seus mundos possíveis resolve um problema até então insolucionável que é o problema de como deve ser o mundo. O Deus perfeito de Leibniz cria todas as coisas com uma harmonia pré-estabelecida e dá aos homens tudo o que é necessário para que eles vivam bem. Infelizmente agimos precipitadamente, e segundo Leibniz, é por isso que pecamos, mas a graça de Deus faz com que esses nossos erros se convertam no melhor possível para nós.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A insistência no sentido - Gideão




Uma das coisas interessantes sobre o texto bíblico é a sua insistência na não ausência de sentido do sofrimento. É como se o texto bíblico ousasse sempre afirmar que por mais tenso que possa parecer o momento enfrentado pelo  protagonista da história, sempre haverá um sentido para além do mero ocorrido. Podemos ressaltar diversos personagens, desde o principal deles, Jesus, até alguns outros como Gideão, Davi, Salomão, Raabe, Judas, João, etc. em todas essas histórias a insistência em afirmar o sentido para além do aparente sem sentido do sofrimento se faz presente.

Uma característica dessa insistência no sentido do texto bíblico é a de nos mostrar que, mesmo diante da dor mais forte, há sempre a possibilidade de esperança e nunca a opção do abandono. Quem não se lembrará do próprio Jesus na cruz clamando "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste" como um grito que aponta para uma suposta ausência de sentido em todo aquele sofrimento, mas que no final revela que o salto da fé ainda pode ser dado confiando o seu espírito a quem nunca o abandonou?

Paulo nos dizia que a paz de Cristo excede a todo entendimento e ao mesmo tempo o Eclesiastes nos afirma que há tempo para todo propósito debaixo do sol. A paz que excede o entendimento e a temporalidade que nos cerca parece nos remeter a uma dimensão curiosa da nossa relação com Deus. O Deus que nos transcende e que por mais que tentemos explicá-lo acabaremos apenas falando um pouco mais de nós mesmos e nossas convicções é o mesmo que só pode ser experienciado "debaixo do sol", ou seja, na temporalidade, na nossa finitude, na nossa existência no mundo. O sentido do aparente paradoxo se mostra para além da mera dicotomia entre transcendência e temporalidade. É como se em última instância só pudéssemos vislumbrar um sentido oculto quando percebemos que há algo que não entendemos. De alguma forma é como se o pensamento apressado fosse o que insistisse na ausência de sentido, enquanto o olhar detido buscasse incessantemente tal sentido. 

Um exemplo interessante é o das "provas de Gideão" para saber se Deus o havia escolhido mesmo para a tarefa descrito no livro de Juízes capítulo 6. A situação em Israel estava péssima, pois eles estavam sob domínio dos midianitas. Nesse contexto Gideão recebe a visita de um "anjo do Senhor" que afirma que Deus livraria Israel dos midianitas por intermédio de Gideão. Na história Gideão se mostra muito cético quanto a proposta do anjo e pede então um sinal para ter certeza de que Deus lhe enviara para derrotar os midianitas. Depois das duas provas serem satisfeitas por Deus, Gideão acredita e passa a guerrear para livrar Israel dos midianitas. 

A história de Gideão nos mostra um pouco disso que estamos falando sobre a insistência de sentido que o texto bíblico nos aponta. Aparentemente as provas de Gideão se mostram como infundadas, afinal, é um enviado de Deus que já realizou um milagre na sua frente quem está falando com ele; já está mais que "provado" que Deus estaria enviando Gideão de forma que pedir "mais duas provas" soa algo que nenhum ser humano faria diante de Deus. No entanto, a insistência de sentido se mostra no fato de que é a partir das provas que a temporalidade é capaz de transcorrer e Gideão é capaz de aceitar a tarefa que lhe tinha sido designada. Gideão precisa de tempo para assimilar a tarefa, e as provas dão a ele algo além da mera prova, mas dá a ele um tempo para pensar, refletir e finalmente se encorajar para a tarefa.O tempo é capaz de nos tornar corajosos e sábios para perceber qual a nossa tarefa e o quanto estamos preparados ou não para executá-la. 

Para além disso há o fato de que Gideão não passa do "menor na casa de seu pai", ou seja, é uma "escolha de Deus" extremamente sem sentido para um comandante de um exército no contexto bíblico. A suposta ausência de sentido se mostra também nesse fato de uma escolha pelo menos óbvio, pelo último, pelo fraco, mas nessa escolha o texto visa mostrar um sentido que aponta para o fato de que Deus é capaz de capacitar até o mais fraco, no momento mais difícil, no contexto mais desfavorável. A escolha de Deus e as provas de Gideão nos mostram essa insistência de sentido que aludimos mais acima.

 

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Esdras, Neemias, Trump - O discurso xenofóbico







A Bíblia conta em um dos chamados "livros históricos" a história de Esdras. Esdras era um escriba que voltou do cativeiro juntamente com o povo de Israel para reconstruir os muros da cidade e também reconstruir o templo de Jerusalém que havia sido destruído na invasão babilônica. Esdras havia sido enviado pelo rei Artaxerxes com autoridade para recolher ofertas para a reconstrução do templo, bem como com o poder de nomear juízes e magistrados para Jerusalém. O texto bíblico conta que Esdras era muito zeloso para com a lei de Deus e isso é algo que queria ressaltar a partir da história desse escriba. Depois de iniciar o seu propósito em Jerusalém, Esdras se volta para a lei de Deus e percebe que o povo de Israel está vivendo em grande pecado, pois vários homens das tribos de Israel tomaram para si esposas que não eram israelitas, fazendo com que o povo caísse em pecado e misturasse-se com quem não deveria. 

Podemos perceber que há uma certa noção higienizadora (e porque não dizer, xenofóbica) no meio do Israel bíblico que retorna do cativeiro na Babilônia. A relação com os povos estrangeiros foi sempre problemática se pegarmos alguns relatos do antigo testamento. Mesmo diversas passagens do Deuteronômio admoestando para que se preserve o direito do estrangeiro, admoestando que o estrangeiro deva ser tratado como um igual diante do povo, ainda assim parece que a necessidade constante de reafirmação do direito do estrangeiro aponta para uma falha no mecanismo interno de funcionamento do Israel bíblico. Esta noção xenofóbica fica muito clara nos dois grandes representantes da volta de Israel do exílio, a saber, Neemias e Esdras. Ambos procuram "limpar" Israel de todo contato mais próximo com o estrangeiro. Esdras propõe que os homens casados com mulheres estrangeiras as mandassem embora para as suas terras, e Neemias entra até em brigas para que o povo se afaste dos estrangeiros que estão entre eles. 

A eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos me fez lembrar o caso de Esdras e Neemias. O discurso xenofóbico de Trump (aqui como um representante de um discurso que permeia também toda a Europa com a crise dos imigrantes) se assemelha de forma muito grande ao discurso promovido por esses dois líderes de Israel no período pós-exílico. Curiosamente ambos os discursos são feitos em momentos de extrema confusão social. No caso de Neemias e Esdras a confusão é nítida, ou seja, o povo está retornando do exílio, muita gente já com outra vida feita fora de Israel, com outra visão de mundo sendo agora levado a habitar com outro tipo de gente (basta lembrar que há um remanescente de Israel que não havia sido levado para o cativeiro), com outras visões de mundo. As leis que regiam o povo no exílio não são mais válidas no novo contexto, ou seja, o povo se encontra sem nenhuma referência para lidar com suas novas demandas. Esse é o período propício para que os discursos  mais rígidos, fundamentalistas encontrem morada nas mentes e nos corações. 

Diante da ausência de referencial, os discursos de Neemias, Esdras, Malaquias (profeta do período) e recentemente o discurso de Donald Trump contra os estrangeiros (latinos, mexicanos, muçulmanos) soam como "boa saída", soam como "norte" para um povo desbussolado. O caráter xenofóbico desses discursos aponta para uma dimensão interessante em relação ao diferente. Esta aversão ao diferente, ao estrangeiro que habita entre o povo é bastante sintomática. Algo interessante que a psicanálise nos mostra é que nós mesmos somos habitados por um estranho que nos domina sem diversas vezes tomarmos conta desse fato. O inconsciente enquanto instância psíquica nos apresenta como esse grande estrangeiro que habita em nós e que nos incita que o aceitemos. Esse reconhecimento de que eu mesmo não sou senhor em minha própria casa, mas sou assenhorado pelo estranho que em mim habita deveria soar para nós um grande convite para que o diferente fora de mim fosse aceito com mais facilidade. No entanto, essa resistência ao diferente aponta para um grande dificuldade de aceitar o diferente em mim mesmo e quando isso encontra formas de extravasar a xenofobia se faz presente de forma nítida. 

Esdras, Neemias e Trump representam para nós um mesmo tipo de discurso em nome de valores supostamente mais elevados. Esdras e Neemias leem o texto da lei e a interpretam de forma a esquecer o "espírito da lei" que aponta para o oposto do que é promovido por eles, ou seja, aponta para o respeito ao estrangeiro, aponta para o acolhimento do mesmo e não para a sua expulsão, e em nome de uma interpretação da lei promovem a expulsão de vários estrangeiros, o rompimento de diversas famílias e a instauração de um caos social no meio de Israel. Donald Trump da mesma forma, ao incitar os discursos de ódio, um fundamentalismo moral em nome de supostos valores mais elevados, valores "cristãos republicanos"  promove ondas de violência que começaram dias após a eleição presidencial com manifestações de grupos como Klux Klux Klan que pensávamos jamais teriam novamente representatividade para uma expressão pública. Os discursos de ódio contra os latinos, mexicanos, muçulmanos, negros encontraram uma certa legitimação com a eleição de Trump e isso é algo extremamente preocupante para o cenário mundial. 

Esse tipo de discurso sempre encontra resistência e no texto bíblico isso não foi diferente. Os textos de Jonas e de Rute são duas respostas ao discurso xenofóbico promovido por Esdras e Neemias. Jonas que é enviado aos ninivitas e vê que Deus é sempre misericordioso com todos, inclusive para aqueles que estão para além dos muros de Israel, e Rute, a moabita, que encontra graça diante de Deus e é restaurada do que seria a sua desgraça. Ambos os livros apontam para aquilo que a própria lei do deuteronômio insiste veementemente, ou seja, que o estrangeiro deve ser considerado como um igual entre o povo e que sua causa não pode ser deixada de lado ou menosprezada, pois ao fazer isso se desobedece aos princípios divinos. O convite de Deus em relação ao estrangeiro sempre foi o da acolhida, o do socorro, o de considerá-lo como um igual no meio do povo e nunca foi o de menosprezá-lo e expulsá-lo do meio do povo. Percebemos que facilmente nos esquecemos que o diferente deve ser acolhido, pois ele também é imagem de Deus e se mostra a nós como uma oportunidade para que a misericórdia se exerça mais fortemente no nosso meio. 


quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A universidade como grande bolha !








Sou habitante de dois mundos, além dos vários outros que todos nós pertencemos pelo fato de sermos seres no mundo. Queria ressaltar dois desses mundos a que pertenço.  O mundo universitário, uma vez que trabalho na UFMG, dou aulas, escrevo artigos e outras coisas referentes a esse ambiente, e também pertenço ao mundo dos cursinhos pré-vestibulares, uma vez que lá também dou aulas, monitorias e todas estas atividades referentes a esse ambiente. 
O que une os dois mundos é o fato de ambos serem ligados à área da educação, mas além dessa semelhança óbvia há uma semelhança ainda maior que é que ambos os ambientes vivem dentro de uma grande bolha. E essa bolha cria um ambiente extremamente ilusório para aqueles que nelas habitam. 

A bolha funciona como uma espécie de invólucro em que tudo o que é feito tem como referente apenas o mundo a que aquela bolha remete. A bolha tem, portanto, a capacidade de criar para si o seu próprio mundo e isso se dá de forma tão natural que raramente se percebe essa estrutura auto-referente, que tem no seu próprio funcionamento a sua razão de ser.  Ao invés de ser algo alheio ao indivíduo que participa da bolha, é como se a bolha se entranhasse no próprio indivíduo de forma que a sua maneira de pensar é condicionada pela própria estrutura a que a bolha sempre acaba remetendo. No ambiente universitário isso é facilmente percebido assim como no universo dos cursinhos pré-vestibulares. 

No ambiente universitário o simples fato de você "pertencer ao meio" já te coloca em condições bastante melhores do que qualquer pessoa que queira "entrar para o meio". Basicamente o ambiente universitário funciona dentro de uma lógica produtivista, ou seja, quanto mais se produz, (artigos, capítulos de livros, congressos, etc.) mais "status" se adquire dentro da bolha universitária e consequentemente mais se é possível solicitar bolsas para as agências de fomento. No final, o que acaba importando mesmo é apenas o status e o valor financeiro adquirido com tal status. Para de alguma forma "medir" as produções há toda uma qualificação de revistas científicas produzidas pela CAPES que variam de Qualis A1 a C2. Obviamente que as produções que de fato "valem alguma coisa" são as publicadas nas revistas Qualis A1 até a B2 e por isso há sempre o esforço para se publicar nestas revistas. Há toda uma questão envolvendo os critérios de avaliação e todos sabemos que a questão é muito mais "quantitativa" que "qualitativa". Longe de haver uma preocupação com a "disseminação do conhecimento" ou "com a discussão racional" o que se percebe é que esses ideais românticos já há muito foi abandonado nesse ambiente, e se resta algo nesse sentido, tem muito mais a ver com casos particulares do que com a estrutura do funcionamento da bolha. O objetivo último daquele que está dentro da bolha universitária é aumentar a sua renda e seu status, daí se instaurar a lógica da competitividade no ambiente acadêmico. 

Para se manter vivo nesse ambiente de competitividade os professores (e seus orientandos de mestrado e doutorado) se indicam entre si para a escrita dos artigos, para as participações e organizações de congressos, participação de bancas de mestrados e doutorados e isso vai sendo registrado no currículo Lattes (meio pelo qual é medido a produção universitária no Brasil) de cada um deles como forma de criar a "produção" do ano para que na hora dos relatórios anuais o currículo Lattes  esteja repleto de coisas feitas durante o ano. Essa produção por parte dos professores/alunos de pós graduação é o que será levado em conta para que a CAPES dê uma nota ao programa de pós-graduação de uma determinada universidade. Essa nota vai de 1 a 7, e quanto mais produção de artigos, congressos, etc. maior a nota do programa e consequentemente maior o número de bolsas de pesquisa concedidas pela CAPES ao programa, o que obviamente aumenta a renda do programa e dos professores vinculados ao programa. Talvez por isso podemos entender o porquê que as atividades de extensão, que tem em vista a comunidade fora da bolha, sejam as que menos recebem a adesão por parte dos professores. Essas atividades de extensão não contam muitos pontos para a avaliação da CAPES, logo podem ser deixadas de lado, ou deixadas para quem tiver algum interesse particular nisso. Dessa forma se instaura um ambiente em que os conchavos, as bajulações e todo tipo de artimanha seja válido para se adquirir um "lugar ao sol". Os comentários giram em torno do próprio mundo da bolha, ou seja, as conversas sempre giram em torno das participações em quais congressos, quantos artigos foram enviados/aceitos para publicação, em qual revista, quem se aposentou, qual a nota do programa de pós-graduação, etc.

Curiosamente, fora da bolha criada ninguém conhece absolutamente nada do que é produzido ali. Isso acaba se transformando em produções que apenas servem para massagear o ego dentro da própria bolha. Absolutamente ninguém fora da bolha universitária irá ler o artigo publicado, o livro organizado; fora da bolha ninguém participará do "congresso internacional", etc. Obviamente para quem está e vive dentro dessa bolha é completamente indiferente o fato de suas produções não saírem da bolha, afinal a produção é feita tendo a bolha como alvo, mas a meu ver isso mostra a que ponto chega o auto-envolvimento dos pertencentes ao que aqui estamos chamando de bolha.

Para qualquer pessoa fora desse grupo dos professores/orientandos que se indicam é praticamente impossível publicar coisas que serão levadas em consideração como "produção" para o currículo Lattes. Como o currículo Lattes é o único currículo avaliado para quem quer "entrar para o meio universitário" como profissional, facilmente se percebe que para se entrar para o meio é preciso que você já esteja no meio. Essa situação extremamente paradoxal é a tônica da bolha universitária e que deixa muita gente boa de fora do mundo da pesquisa pelo simples fato de não estar disposto a entrar na competitividade e bajulações que precisa acontecer para que se entre para a bolha, ou ainda pelo simples fato desta pessoa precisar trabalhar e não poder ficar por conta da universidade.

Qualquer pessoa dentro da bolha universitária sabe que o que está em jogo é apenas status e dinheiro, mas precisa se esconder atrás do discurso da "produção de conhecimento" como forma de apaziguar a consciência e talvez criar um "sentido provisório" para si. Na maioria das vezes quando se organiza um congresso o que se tem em mente não é a disseminação do conhecimento, mas a oportunidade de preencher mais uma linha no currículo Lattes e mais uma publicação advinda do congresso. Até mesmo o próprio questionamento do modo de funcionamento da bolha universitária é feito sob a forma de artigo que serve novamente apenas para preencher mais uma linha no currículo Lattes. Esse auto-envolvimento completamente fechado em si mesmo é o mais visto na chamada bolha universitária.

A ideologia reinante no ambiente universitário é o que permite que a bolha se mantenha. Como bem coloca Zizek, a formulação da ideologia não se dá apenas dentro do território de uma razão cínica (conceito profícuo formulado por Peter Sloterdijk) mas a ultrapassa saindo de sua forma ingênua que pode ser formulada como "eles não sabem o que estão fazendo, mas fazem", e se formulando dentro do registro do "eles sabem exatamente o que estão fazendo e ainda assim fazem." Esse tipo de relação é muito mais complicada de ser combatida, pois não é uma tarefa de "iluminação de consciência", mas sim de mudança de atitude.