terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Eclesiastes 1:1 - Demasiado humano
O livro do Eclesiastes, como várias pessoas que me conhecem sabem, é meu livro favorito da Bíblia. Não apenas pela temática envolvida nele, mas por ser um dos livros mais "humanos" das Escrituras Sagradas. Esta humanidade que o próprio Cristo procura ressaltar aparece vivamente no livro de Eclesiastes.
O Eclesiastes já começa com uma mentira. Seu primeiro versículo não nos traz uma informação verdadeira, mas traz o relato de alguém que quer que seu livro seja lido, comentado, estudado por outras pessoas. O primeiro versículo do Eclesiastes diz:
"Palavras do pregador, filho de Davi, rei em Jerusalém." - Tais palavras procura atribuir a autoria do texto ao rei Salomão, filho de Davi, cujo texto do próprio Eclesiastes chama daquele que "sobrepujou em sabedoria a todos os que houve antes de mim em Jerusalém" (Ec: 1,16), no entanto, estudos diversos já nos comprovaram que o livro do Eclesiastes não foi escrito por Salomão, mas data provavelmente do Séc II a.C, provavelmente escrito por um judeu que vivia sob o domínio dos Selêucidas. (Sobre este ponto recomendo o excelente trabalho de José Vichel Lindez chamado "Eclesiastes ou Qohelét - Grande comentário bíblico" Paulus 1999 onde Lindez traz inúmeras referências e estudos de outros pesquisadores do Eclesiastes que comprovam a datação provável do texto do Eclesiastes entre os séculos II e III a.C)
O próprio Lindez defende que o "argumento de autoridade" do primeiro versículo tem em vista a propagação do texto, e é um fator decisivo para que o Eclesiastes entrasse no cânone bíblico. Talvez por ser um texto tão marcado pelo tempo de opressão vivido pelo povo judeu, o livro do Eclesiastes seja tão humano e fale tão bem ao coração daqueles que sofrem. É tudo muito cru, tudo muito humano, demasiadamente humano de forma que o próprio Deus fica em segundo plano.
Ao invés de Salomão, um rei super conhecido e admirado, temos um ilustre desconhecido. Talvez o chefe de uma congregação judaica, nada demais. Um homem simples que fala a apenas alguns interessados que querem ouvir a sabedoria adquirida com o tempo. Um homem que ensina aquilo que aprendeu com o tempo, que talvez por ser tão calejado veja a vida com outros olhos, sem muito ânimo. Que aprendeu a enxergar Deus não como o interventor indiscriminado, mas como uma presença constante que talvez pouco fará para a situação, mas estará ao lado para quem quiser um refúgio. Um homem que aprendeu que na vida, nem tudo se resume ao certo e errado, mas que às vezes as fronteiras são impossíveis de serem distinguidas. Só um homem que percebe isso é capaz de dar um conselho do tipo: "Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio, pra que te destruirias a ti mesmo?" (Ec 7,16) Instrução esta inconcebível em outros livros das Escrituras tais como Levítico ou Malaquias.
Mesmo o texto se iniciando com uma mentira, seu texto traz verdades que nenhum outro texto das Escrituras traz. Ele mostra um homem que sofre, que não tem nenhuma esperança de ressurreição, redenção, ou nada que o faça esperar algo além desta vida. Resta a ele em alguns pequenos momentos a esperança de que crer em Deus seja melhor que não crer, mas isso ele o diz timidamente, como alguém que quer crer apesar das evidências dizerem o contrário.Ele diz : "Ainda que o pecador faça o mal cem vezes, e os dias se lhe prolonguem, contudo eu sei com certeza, que bem sucede aos que temem a Deus, aos que temem diante dele" (Ec 8,12).
A humanidade do livro de Eclesiastes se mostra já no seu primeiro versículo. Apenas o humano é capaz de mentir. Apenas ele é capaz de dizer de algo aquilo que ele não é. Dizer o falso como quem diz o verdadeiro. Isso é algo demasiadamente humano. E todo o restante do texto diz o demasiadamente humano, sem rodeios, sem falsas esperanças. Enfrentando a vida como ela se mostra, se mantendo "fiéis à esta terra" como queria o Zaratustra de Nietzsche. Assim como o Cristo, o Eclesiastes é tão humano que nos constrange, e daí sua beleza e sua contemporaneidade para os nossos dias.
Marcadores:
Teologia
Filósofo. Especialista em Teologia. Mestre em Filosofia. Doutor em Psicologia. Doutor em Filosofia.
sábado, 2 de fevereiro de 2013
O cristianismo é a religião da espera
Fiquei pensando nisto ontem enquanto esperava uma querida amiga para um compromisso que marcamos. Fiquei pensando nos cristãos do primeiro século. Eles conviveram com Jesus, viram tudo o que ele fez, o que ele falava, as diversas vezes que ele anunciou o reino de Deus, dentre outras coisas.
No final da vida, ele diz aos discípulos: - Olha, para o lugar onde eu vou agora, vocês não podem ir, mas não se preocupem. Podem esperar que com certeza eu voltarei. Vou enviar o Espírito Santo para que vocês não se sintam órfãos e para que Ele os ajudem a esperar por mim. Mas não se turbe o vosso coração. Aguardem pacientemente que eu voltarei para vocês, e levarei todos comigo, para morarem comigo neste lugar para onde agora eu vou.
E então veio a crucificação, a morte, a ressurreição e a palavra dita continuava a mesma. "Esperem, que eu voltarei". Fiados nessa palavra, os discípulos do primeiro século se dispersaram, foram a Judéia, Samaria, até os confins da Terra anunciando as palavras que eles ouviram de Jesus. Eles anunciavam o que ouviram do mestre, ou seja, anunciavam a mensagem de que Jesus estava voltando, que eles também podiam esperar, assim como os discípulos estavam esperando. Esta mensagem ganhou adesão de vários povos e até hoje a mesma palavra continua viva no coração do cristianismo.
O cristianismo é a religião da espera. Todos nós aguardamos o cumprimento da palavra de Jesus, pois ele afirmou que voltaria e nós, enquanto cristãos, nos fiamos nessa palavra pois quem falou é por nós julgado como digno de credibilidade. Nós sabemos que ele voltará, embora já muito tempo se passou e nada dele voltar. Esta promessa de volta tão ansiada pelos cristãos foi o que moveu os primeiros discípulos, é o que move vários cristãos no mundo hoje. É um ato de fé. Cremos que ele voltará.
Mas como todo ato de fé, obviamente podemos estar errados. Ele pode nunca ter dito isso, ele pode nunca voltar, a suposta promessa dele pode ter sido uma mentira contada inúmeras vezes que se tornou verdade, mas mesmo assim a esperança de que ele voltará é o que nos move a continuar propagando as palavras ouvidas por aqueles primeiros homens que conviveram com ele. E o fazemos porque acreditamos (mesmo que erroneamente) que quem nos falou tinha credibilidade e disse a verdade. Talvez por isso o cristianismo seja a religião da palavra. O verbo se faz carne, habita entre nós, nos diz que voltará e por isso esperamos.
Mas quando isso vai acontecer? Não sabemos, mas apenas confiamos.
Mas como ele voltará? em forma física? como pessoa? Perguntas teológicas que não sabemos responder com certeza, mas que tentamos a partir de alguns textos bíblicos deixados para nós.
Ontem, enquanto esperava minha amiga, tinha certeza que ela chegaria. Ela me disse que chegaria. Ela goza de plena credibilidade para comigo. Eu acreditei, por isso esperei. Por isso fui capaz de sentar-me tranquilo naquele banco e contemplar o tempo que passava como anúncio de que ela estava vindo. A esperança palpitava a cada vez que passava um carro como o dela, até que chegou o grande momento em que sua presença fez feliz meu coração e a partir daí começaram momentos maravilhosos na companhia daquela por quem meu coração esperava. Com a sua presença, toda a espera se fez justificada. Todas as dúvidas se dissiparam. A espera valeu a pena. Ela estava ali, eu estava ali e isso era tudo o que importava naquele momento. A eternidade começou ali. O tempo já não mais importava, ele simplesmente deixou de existir enquanto desfrutávamos da presença um do outro.
"E ficamos como quem sonha, a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de júbilo", e para isso vale toda espera.
Marcadores:
Teologia
Filósofo. Especialista em Teologia. Mestre em Filosofia. Doutor em Psicologia. Doutor em Filosofia.
Assinar:
Postagens (Atom)