quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Mt 5,3. Mestre Eckhart e os pobres em espírito.





"Bem aventurados os pobres em espírito porque deles é o Reino dos Céus." (Mt 5,3)


Este versículo é em si extremamente interessante e uma leitura muito interessante é a leitura que Mestre Eckhart faz desta passagem. Segundo Eckhart poderíamos distinguir dois tipos de pobreza. A primeira seria a pobreza externa e a segunda a pobreza interna. Neste primeiro tipo de pobreza fica muito óbvio que não é para isso onde o texto aponta principalmente, embora em diversos momentos da vida cristã se tenha enfatizado bastante esse ponto. É muito claro, no entanto, as admoestações que o texto bíblico faz sobre o acúmulo de riquezas e as condenações que diversas vezes Jesus fez para que não se acumulassem tesouros na Terra, mas que o interesse do cristão estivesse voltado para as coisas do reino. 

No entanto, mestre Eckhart chama a atenção para aquilo que ele chama de "pobreza interna", ou seja, a pobreza que estaria no espírito dos homens e que o coloca como alguém que não se satisfaz com nada que Deus criou. Neste sentido, Mestre Eckhart extrapola essa noção e afirma que o homem pobre seria aquele que nada quer, nada sabe e nada tem. 
No decorrer do seu sermão 52, Mestre Eckhart desenvolverá o que entende por "nada querer", "nada saber", e "nada ter. 

Mestre Eckhart inicia o seu sermão afirmando que o homem que nada quer é aquele que não tem nem sequer a vontade de querer cumprir a vontade de Deus. Enquanto o homem conservasse alguma vontade dentro de si, ainda não teria sido capaz de alcançar a pobreza que o versículo propõe. O homem que quiser ter a verdadeira pobreza precisaria estar desligado das suas vontades, pois querer alguma coisa não é ser pobre como o versículo propõe, uma vez que o pobre nada quer. 

Algo interessante notar é que Mestre Eckhart entende que a relação do homem com Deus é uma relação de co-pertença, ou seja, Deus só é Deus por causa da criatura e a criatura só é criatura porque está em Deus. Dessa forma, antes de existir criatura, Deus não era Deus, mas apenas era o que era, e quando as criaturas são criadas, Deus não é mais em si mesmo Deus, mas sim Deus nas criaturas. Essa noção de co-pertencimento entre Deus e homem é que permite a Mestre Eckhart propor a noção de pobreza enquanto nada querer, pois segundo Eckhart, "se o homem quiser ser pobre de vontade deverá querer e desejar tão pouco quanto queria e desejava quando não era. É dessa maneira que é pobre o ser humano que não quer nada." (Sermão 52)

Partindo do mesmo pressuposto Mestre Eckhart mostrará que o pobre é também aquele que nada sabe, ou seja, o homem que nada sabe deve viver de tal maneira que nem saiba que não está vivendo nem para si nem para a verdade, nem para Deus, mas deve estar desligado de todo saber  que não conhece e nem sente que Deus vive nele, pois quando o homem estava no ser eterno de Deus, não vivia nele nenhuma coisa, mas apenas o próprio homem. Sendo assim falta-lhe o conhecimento de que Deus age nele, pois ele mesmo frui a si mesmo à maneira de Deus. Por este motivo que a pobreza que propõe o versículo também seria uma pobreza que não sabe nada, pois não deseja conhecer nada, nem das criaturas, nem mesmo de Deus. 

Em terceiro lugar, Mestre Eckhart nos dirá que o pobre seria aquele que não tem nada, ou seja, ele não possui nenhum desejo, nenhum saber e além disso nada tem; ele é, portanto, desligado de sua própria vontade e da vontade de Deus como quando ainda não era. Dessa forma o homem tão desligado de Deus e de todas as suas obras abre espaço para que Deus aja na alma do homem e o homem sofre a ação de Deus como o próprio lugar de suas obras, pois Deus agiria em si mesmo. É neste sentido que Mestre Eckhart entende a noção de graça de Deus que permite que Deus esteja em nós plenamente, pois não haveria um "lugar" em que Deus agiria, mas agiria livremente. Segundo Mestre Eckhart, onde há um lugar, há diferenciação. Por isso ele pedia que Deus o desligasse de Deus, pois o seu ser essencial estaria acima de Deus. Este ponto da proposta de Mestre Eckhart é extremamente interessante e dá a noção de co-pertencimento uma dinâmica muito própria.

Segundo Mestre Eckhart, o ser que se é está acima de Deus desde que consideremos Deus como origem das criaturas, e naquele ser de Deus em que Deus está acima de todo ser e de toda diferença o homem também esteve, também se quis e se conheceu para se fazer ser humano. Segundo o próprio ser, o homem é eterno, mas possui um ser de acordo com a nascença que é perecível. Esta cisão estaria no cerne da humanidade do homem. Segundo Eckhart 

"Com o meu nascimento nasceram todas as coisas e eu era a causa de mim mesmo e de todas as coisas; e, se eu quisesse, não seria nem eu nem seriam todas as coisas; e, se eu não fosse, tampouco seria "Deus. Eu sou uma causa de Deus ser "Deus"; porque, se eu não fosse, Deus não seria "Deus"."

Mestre Eckhart deixa bastante nítida neste terceiro ponto a sua noção de co-pertencimento entre o homem e Deus em uma espécie de vinculação íntima entre Deus em seu ser e o homem em seu ser. Para Eckhart o homem é ao mesmo tempo uma emanação de Deus e uma irrupção Dele. Na emanação de Deus, todas as coisas apontam para o fato de que Deus é, mas ao afirmar isso eu me reconheço como criatura; no entanto, na irrupção, quando se está desligado da própria vontade, da vontade de Deus, de todas as obras e até do próprio Deus, se está acima de toas as criaturas e neste momento não se é nem Deus, nem criatura, antes é apenas aquilo que se era e que se continuará sendo. Na irrupção é dado ao homem ser um com Deus. ("Eu e o pai somos um" (Jo 10,30)). Neste sentido, Deus não encontra lugar no ser humano para se manifestar, pois com essa pobreza o homem alcança aquilo que era desde sempre. Deus é um com o espírito sendo essa a pobreza máxima que se pode encontrar. 

Dessa forma é que Mestre Eckhart entende a noção de que os pobres em espírito são bem-aventurados, pois ao não querer nada, não saber nada, e não ter nada, permitem-se serem um com Deus, e não há maior bem aventurança do que ser um com Ele. 

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

O Funk Gospel como discurso moralizador sobre o sexo na igreja evangélica






Uma das coisas mais empolgantes de se dar aula é o fato de se aprender constantemente com seus alunos. A dinâmica da sala de aula é extremamente interessante e muito boa para estarmos sempre diante de novidades, diante de coisas que nem imaginávamos que poderia existir. Neste sábado estava dando aula para uma turma muito querida e falávamos um pouco sobre o pensamento de Habermas e a sua distinção entre ação comunicativa e ação estratégica para mostrar a diferença entre ambas concepções no pensamento habermasiano.  

Os alunos sabem da minha área de atuação enquanto pesquisador na área de filosofia da religião e teologia e sabem do meu interesse por temas relacionados à religião de maneira geral, etc. Por conta disso, um aluno, durante a exposição sobre Habermas me pergunta: Fabiano, você já ouviu falar do "crentezilla", um canal do youtube de funk gospel? 

Eu nunca tinha ouvido falar do "crentezilla" e fiquei tão curioso para saber do que se tratava que pedi para alguém acessar o site para ver o que tinha lá. Os alunos então acessaram o site, e a primeira música que aparece é uma música chamada "crente é crente né, pai", em que o autor da música exalta as supostas vantagens de ser crente em nossa sociedade. (Posteriormente fui informado pelo meu irmão formado em música que a música seria paródia de uma outra música de funk chamada "chefe é chefe né, pai"). 

Fiquei curioso e à noite fui ouvir outras músicas do chamado "funk gospel" e algo muito interessante me chamou a atenção que foi o fato da maioria das músicas do chamado funk gospel possuir um caráter extremamente conservador do ponto de vista moral e apontar para uma leitura extremamente simplista e moralista da vida cristã e do texto bíblico. Esse dado em si já seria curioso apenas por si só, mas além disso percebi que os temas relativos à sexualidade são tratados de forma extremamente reservada e de forma muito conservadora também. 

Sempre podemos notar que as chamadas propostas mais liberais no meio evangélico na maioria das vezes vem acompanhadas de uma moralidade muito rígida. Nem precisamos ir muito longe para perceber esse tipo de prática. Igrejas como "bola de neve", as chamadas "igrejas inclusivas", ou igrejas que caminharam rumo ao neo-pentecostalismo mais recentemente como "Batista Getsêmani" ou "Batista da Lagoinha", todas elas adotam uma postura extremamente conservadora em relação à moralidade e principalmente em relação à sexualidade. Mesmo quando querem se mostrar com propostas de vanguarda (por exemplo as igrejas inclusivas), na hora de abordar temas mais espinhosos da fé cristã abordam de maneira extremamente conservadora. Onde isso se manifesta de forma mais nítida é a forma como se lida com a questão da sexualidade.  O tema do sexo é restrito apenas ao âmbito do casamento e toda prática fora dessa instituição é vista como pecaminosa. 

Já falamos aqui sobre o tabu da igreja evangélica em relação ao sexo e qualquer pessoa familiarizada com o meio evangélico pode constatar a dificuldade com a qual a igreja lida com essa questão. É extremamente interessante pensar que a forma de dominação exercida pelas igrejas evangélicas se dá exatamente do ponto de vista da sexualidade, uma das dimensões mais substanciais do sujeito. Ao domesticar a relação sexual e condicioná-la ao discurso aceito institucionalmente o que se consegue é incutir no sujeito uma culpa plena, que por mais que individualmente a questão se resolva, o ambiente social representado pela instituição funciona como agente repressor.

O que o funk gospel mostra para nós é essa mesma dominação do ponto de visa moral que se mostra liberal do ponto de vista do ritmo (todos os ritmos são criados por Deus), mas muito conservador do ponto de vista da visão de mundo e visão da sexualidade. Diversas músicas no canal evidenciam a santidade do funkeiro pelo fato dele não beber, não transar fora do casamento, não "ficar com as novinhas", etc. Além disso diversas músicas apontam para uma visão retributiva da parte de Deus que concederia bênçãos àqueles que seguissem estritamente a moralidade da abstenção em suas diversas modalidades, além de uma visão metafísica extremamente tradicional de uma divisão entre céu e inferno. Esse tipo de abordagem evidencia uma visão infantilizada em relação aos temas da fé e em relação à proposta do amor cristão, etc. 

O funk gospel se mostra como uma espécie de funk ostentação moral em que o sujeito ostentaria a sua suposta santidade em meio a um mundo mal no qual o seu testemunho será a chave para a sua salvação pessoal e ao mesmo tempo um instrumento para evangelização de uma esfera da sociedade que viriam a conhecer o evangelho a partir do fato da mensagem ser transmitida de forma inovadora. Ao mesmo tempo as músicas procuram deixar claro que a apropriação do funk por parte do funkeiro gospel não é em si uma atitude pecaminosa, mas cumpre uma função "questionadora" do status quo evangélico. Se por um lado tal atitude se mostra interessante do ponto de vista questionador, ao mesmo tempo evidencia toda a sua superficialidade por manter de forma intacta o rigorismo moral evangélico. 

O funk gospel também se coloca como uma tentativa de expressar a sexualidade do sujeito que é constantemente reprimida dentro do meio evangélico por meio das danças e coreografias feitas a partir das músicas. Não é preciso dizer que tal tipo de expressão corporal é visto como algo completamente inapropriado do ponto de vista evangélico. Pode-se até "aturar" o ritmo contando que as letras enfatizem o caráter moralizante do cristianismo, mas a expressão do corpo deve ser tolida de forma rigorosa, pois tal expressividade corporal apontaria para a lascívia da carne. O funkeiro gospel fica entre a palavra e a expressão. A primeira aceita por sintomatizar a relação problemática do discurso evangélico com o sexo, a segunda completamente tolida por apontar para o núcleo traumático do discurso evangélico que é a relação do sujeito com o seu corpo sexual. 

Obviamente que há algo de extremamente positivo nesse tipo de expressão, pois é uma forma de alguns jovens expressarem sua crença e se aproximarem de uma vivência cristã a partir dos seus gostos musicais, afinal, em diversos momentos os jovens dentro da igreja são tolidos em suas dimensões mais simples, como por exemplo o âmbito musical e a carência de ritmos diferentes dentro dos cultos. Ao se propor a expor a sua fé por meio de um ritmo de sua preferência o jovem pode se identificar melhor com a sua forma de crer e se sentir mais parte de uma determinada religião. O fato das letras das músicas assumirem um tom moralizante é apenas um sintoma que evidencia como o evangelho e os temas referentes à sexualidade são  ensinados dentro da igreja. 

A meu ver urge que a igreja evangélica brasileira converse mais sobre sexualidade dentro das instituições entre os jovens, adolescentes, e até mesmo entre os adultos, mas não no sentido de trazer uma visão limitante e limitadora do fenômeno sexual, mas para trazer a proposta cristã em relação ao sexo que deve ser pensada como uma relação Eu-Outro que deve se dar sempre em amor. Neste sentido não é o sexo fora do casamento, ou o sexo homo-afetivo que seria "pecado", mas sim o sexo sem amor, sem respeito em que o outro entra na relação apenas como objeto e não em sua singularidade. O sexo que transforma o outro em um objeto, que é feito sem amor, que é feito de maneira predatória, isso poderia ser chamado de "pecado" dentro de uma visão cristã sobre o sexo, pois fere de maneira íntima a singularidade do sujeito e o transforma em objeto a ser consumido. Tal sexo predatório, sem amor, consumista pode acontecer dentro do casamento e por isso que não é a instituição que garante o sexo dentro do modo cristão de pensar a questão, mas sim, o amor entre as partes envolvidas na relação sexual. 

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Sobre o Queermuseu e o fechamento pelo Santander





O assunto do fechamento de uma exposição de arte pelo Santander depois de protestos encabeçados pelo MBL realmente eh um assunto bem polêmico. Tanto da legitimidade da arte em "profanar" elementos religiosos quanto o fato do banco Santander fechar a exposição por conta do pedido de um falso moralismo do MBL.

Penso que a questão eh bem sutil e passa pelo propósito da arte em si e passa também pela onda neoconservadora pseudo-moralista que enfrentamos atualmente no mundo. É bem claro algo que vários sociólogos contemporâneos já apontaram que eh o fato do sujeito hipermoderno ser um sujeito desbussolado. Diante dessa situação qualquer proposta de enfrentamento eh visto por ele como ameaça. Nesse sentido a arte sempre foi confrontativa e por isso ela está respaldada na sua própria função. Freud já nos dizia no seu livro O futuro de uma ilusão (1927) que a arte é uma grande formação substitutiva para as renúncias mais profundas do indivíduo diante da civilização, ou seja, por meio da arte o sujeito sublima suas pulsões sexuais reprimidas dando à sociedade uma identificação proporcionando assim a partilha de experiências emocionais extremamente valorizadas. Essa expressão várias vezes se mostra de forma contestadora e traz para o sujeito algo de si mesmo que havia recalcado. A arte possui um caráter crítico e questionador e dessa forma é algo que várias vezes incomoda o sujeito. Este homem fragmentado, desbussolado, sem amarras da hipermodernidade não lida bem com o confronto, afinal, ele é ensinado para ser "cool", para que nada o destempere. Esse sujeito diante de uma arte questionadora está sempre em apuros.

O fato de símbolos religiosos supostamente terem sido profanados e esse fato servir de estopim para a revolta e critica apenas atesta a hipocrisia social que vive como se deus não existisse, mas "defende" os símbolos religiosos quando convém. Curioso o fato de que vários desses que defendem rigidamente a suposta santidade dos símbolos desconhecem o seu significado. Isso traz elementos interessantes para pensarmos a própria função da religião em uma sociedade hipermoderna. É bem visível para qualquer pessoa minimamente atenta que a religião está em voga nos nossos tempos. Quer sejam os movimentos tipo nova era, espiritualidades orientais, etc., quer seja pelo aumento surpreendente das igrejas neo-pentecostais e movimentos carismáticos católicos, sem contar o aumento de setores extremamente fundamentalistas das religiões católicas e das religiões islâmicas. Esta situação por si só mostra esse lugar espinhoso que a religião ocupa no nosso tempo, ou seja, ao mesmo tempo capaz de produzir vertentes extremamente fundamentalistas e vertentes extremamente lights de si mesma.

A arte e a religião, via de regra sempre andaram juntas, pelo menos desde a idade medieval. Freud no mesmo livro citado acima, e também no seu famoso Mal-estar da civilização (1930) coloca a religião como uma possível formação substitutiva para o sujeito, embora mais calcada na ilusão do que em uma espécie de sublimação como a arte. Dessa forma podemos ver que arte e religião caminham juntas e estão entrelaçadas como criações humanas para de alguma forma lidar com seu desamparo estrutural (no caso de Freud), ou , se lembrarmos de Hegel, como forma de manifestação do espírito absoluto. Mas o que faz essa união de tanto tempo entre arte e religião quer seja de forma conciliadora como na época medieval, quer seja de forma contestadora como aparentemente foi a exposição do Santander gerar tamanha revolta por parte de setores conservadores em dias atuais?

Uma pista para entender essa revolta é um pouco do que comentamos mais acima, ou seja, o sujeito hipermoderno, esse sujeito "cool" não consegue lidar com nenhum tipo de contestação crítica, pois não se ancora em nada a não ser valores extremamente rasos e vazios que não são capazes de oferecer balizas para ele. Quando a crítica da arte aparece a primeira tendência desse sujeito é simplesmente manifestar o ódio diante da sua incapacidade de lidar com esse elemento contestador. Diante da impossibilidade de lidar com o confronto o sujeito nega a possibilidade da arte numa espécie de negação do seu próprio núcleo traumático que provoca mal-estar.

Uma segunda pista é o falso moralismo contemporâneo que se desenvolve rapidamente nos últimos anos como resposta ao mesmo "desbussolamento" do indivíduo que precisa de respostas rígidas para tentar se localizar diante do mundo. Neste sentido a religião acaba sendo o lugar privilegiado onde isso se manifesta uma vez que ela se reveste de um caráter divino e atemporal. Diante disso esse pseudo-moralista contemporâneo se sente como uma espécie de profeta do antigo testamento que anuncia a profanação da religião e para isso faz uso de todo o seu ódio em direção a obra de arte. Curiosamente a religião que se tem em vista aqui é a religião meramente institucionalizada, aquela das construções, dos símbolos fechados, ou seja, extremamente diferente daquela que Tiago (Tg 1,27) chama de "religião verdadeira", ou seja, cuidar dos órfãos, das viúvas, dos que não tem parte na terra, etc., em suma, uma religião de forte apelo social no sentido de mitigar as desigualdades advindas das configurações sociais.

Um outro elemento extremamente interessante é o fato do banco Santander fechar ter fechado a exposição diante dos protestos de um pequeno setor da sociedade representada pelo MBL. É importante não esquecer que o Santander é um dos maiores bancos privados do mundo e obviamente até o seu suposto patrocínio pela arte e cultura não tem nada além do lucro em mente. Longe de ser um propagador isento da cultura, o Santander evidencia diante da sua atitude de fechar a exposição todo o jogo político e econômico que se esconde por trás da chamada "cultura contemporânea". Obviamente que há elementos políticos importantíssimos envolvidos e acordos espúrios para que tal exposição possa ocorrer, de forma que quando uma exposição ferir o establishment a mesma deverá ser novamente fechada. O MBL, esse grupo neofacista composto de jovens de classe média, mas que tem conseguido adesão por parte de muitos cristãos, artistas, líderes empresariais que compartilham de suas ideias, mostra novamente a sua face ideológica ignorante diante dos temas caros à sociedade quando pede o fechamento da exposição e mostra ainda mais sua face ignorante quando propaga ideias violentas contra a exposição tais como pichação no museu, briga com seguranças, etc.

A arte dentro do capitalismo, na maior parte das vezes, não passa de um produto visando gerar lucro para grandes conglomerados econômicos que a patrocinam tentando mascarar para a população a própria noção de produto envolvida na própria divulgação da arte. Dessa forma procura-se vender não um produto, mas uma ideia de que há uma face boa no capitalismo, pois ele promoveria a divulgação da arte. Essa é a ideologia em uma das suas faces mais cruas. O evento em questão se torna extremamente ambíguo, pois um grupo que se auto denomina "liberal" (Movimento Brasil livre) se coloca de maneira extremamente conservadora diante da arte que, por excelência, manifesta a liberdade do espírito humano. Esse paradoxo é o paradoxo típico da nossa sociedade hipermoderna, pois os dois lados não se mostram como opostos, mas dialeticamente embricados em uma espécie de negação da negação incapaz de gerar uma síntese viável, mas sempre recaindo novamente em novos obscurantismos.