quinta-feira, 14 de maio de 2015

Pseudo-proximidade





O Facebook  - e porque não as redes sociais em geral -  é uma coisa bem interessante né? Lá todos dizem o que querem, postam suas fotos, conversam com seus amigos, conhecidos, familiares, etc. Um mundo de opções diante de todos a apenas alguns cliques. O universo do "share", "like" "comments" é realmente fantástico. Lá eu posso curtir apenas o que eu quiser, comentar o que eu quiser, compartilhar o que eu quiser. 

Se eu não gostar de algum comentário eu simplesmente apago, se eu não gostar de uma foto que alguém me marcou eu simplesmente desmarco, e tenho todos os facilitadores para que a minha imagem cibernética fique exatamente da forma que eu deseje. A construção deste personagem "facebookico" é realmente uma dádiva do reino da internet. No entanto, há aqui uma face muito perversa dessa dinâmica que pode aparecer, pois se esse mundo das redes sociais apenas mostra esses sujeitos ideais, interessantes, engajados, esportistas, antenados, etc. tudo se mostra como um convite a querer ser como fulano ou ciclano, já que sempre essa vida mostrada aparece como ideal sempre. Por mais que saibamos que provavelmente toda essa propaganda das redes sociais seja falsa, não raras vezes é possível identificar tal "querência" por parte de muitos em ser igual a tal ou tal imagem. 

Algo bastante curioso é que por mais que eu queira ser o mais honesto possível no Facebook, o próprio site me diz para não sê-lo. Afinal, com as novas ferramentas da rede social, aquilo que aparece para os outros depende muito do que é curtido, ou comentado, ou seja, coisas que as pessoas não curtem somem rapidamente da sua Timeline, de forma que apenas o que é apreciado "coletivamente" permanece. Daí que como todos já sabem, todo mundo no Facebook é feliz, é de esquerda, é a favor das minorias, etc. Ser contra o que todo mundo é a favor (pelo menos no FB) é pedir para cair no esquecimento, e obviamente que o que as pessoas menos querem - por mais que digam o contrário - é cair no esquecimento.

A meu ver a coisa mais curiosa do FB, Twitter e outras redes sociais é a criação de uma pseudo-proximidade. É realmente algo muito curioso o quanto as redes sociais criam a ilusão de que somos realmente próximos das pessoas por meio das ferramentas que ele nos proporciona. Curtimos, compartilhamos, comentamos coisas dos outros, temos diálogos "profundos" sobre a existência, a política, a vida com pessoas que conhecemos apenas pela internet e nos sentimos realmente próximos a elas. Somos "melhores amigos da internet". Este fato é o que estou chamando de pseudo-proximidade. 

É algo extremamente interessante o fato de que em várias vezes encontrei com pessoas com quem mantinha contato apenas pelo FB ou Twitter, reconhecer a pessoa, e não fui capaz de cumprimentar porque por mais que tenhamos conversado por meios online tal pessoa era uma completa estranha para mim. 

Essa pseudo-proximidade acaba por ressaltar para mim uma dinâmica muito hipermoderna desse "homem mônada" que se isola cada vez mais dos outros humanos mantendo contato restrito apenas com um grupo cada vez mais seleto (tendência essa já chamada por alguns de "tribalismo") visando apenas um vínculo específico em torno de objetivos extremamente específicos. Aquilo que Lipovetsky chamava de "nova ordem do dia para Narciso", ou seja, não se trataria mais de um isolamento tout court do sujeito, mas trataria mais de vinculá-lo aos pequenos grupos, de forma que em um  "engajamento qualquer" esse Narciso se veja ancorado de alguma forma a alguma coisa, por mais fluido que tal engajamento ou tal ancoramento possa ser. 

A pseudo-proximidade se mostra então como uma dessas frágeis âncoras para o sujeito hipermoderno- cibernético que, por mais conectado que esteja, cada vez mais se encontra condenado ao ostracismo uma vez que o excesso de contato online acaba mitigando cada vez mais também os contatos offline para várias pessoas. Dessa forma, preso em seu computador se conecta ao mundo todo, mas desconhece provavelmente o nome do seu vizinho. E assim segue Narciso, pseudo-próximo de vários, extremamente antenado em si mesmo, mas sem se conhecer, e longe do outro que poderia tirá-lo do mundo das pseudo-relações.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Duas boas conversas (Pequeno relato sem profundidade)




Há um tempo atrás conversando com uma amiga minha comentava com ela que sempre desconfio de vidas perfeitas online. Aquele casal que só posta fotos bonitinhas, que não briga, que estão sempre juntos, com declarações épicas de amor de um para o outro, aquele cara que só fala a favor do politicamente correto, que em outro texto chamei de "homo criticus" , aquela pessoa que só mostra o quanto correu, o quanto viajou, o que comeu, etc. Como se tudo fosse o mais perfeito possível. 

Comentava com ela que sempre fico na torcida para que o relacionamento realmente seja saudável, para que realmente a vida seja pelo menos 60% de tudo aquilo que parece ser, mas que duvidava muito de que realmente fosse aquilo tudo que parecia. Talvez eu seja cético demais em relação às redes sociais, mas várias coisas já vi nessa vida e não é novidade para ninguém que as redes sociais estão longe de dizer a verdade sobre qualquer coisa né? 

A coisa ainda fica muito mais estranha quando você conhece de perto a vida das pessoas supostamente perfeitas. Geralmente o que mais falta à essas pessoas é a perfeição apregoada e compartilhada; muito pelo contrário, resta várias vezes exatamente o oposto do que se apregoa. 

Conversando ainda outro dia, só que agora com outra amiga, comentávamos o quanto às vezes essa imagem que os outros tem de nós não depende tanto de nós mesmos, embora não possamos nos eximir daquilo que queremos que os outros pensem de nós, e o quanto corroborarmos em grande parte para essa pretensa imagem perfeita sobre nós mesmos. 

Comentávamos que em vários momentos até gostaríamos de passar uma imagem de fraqueza, ou de desilusão com determinada situação, mas de alguma forma os outros transformavam tais fatos em uma visão "positiva" a respeito de nós, de forma que parece ser impossível não parecer bem, ou se for o caso de parecer mal, parecer apenas parcamente, mas como aquele que sempre mantém a esperança em algo. 

Diante dessa suposta perfeição (criada por mim ou pelos outros) parece haver pouca solução que não uma angústia terrível de não estar sendo o que o outro é, ou de não estar conseguindo o que outro mais novo que eu já adquiriu de forma que a corrida na busca de um ideal impossível se torna uma obsessão. Coisa do tipo um "nossa, como queria ser como ela que faz tudo isso ou aquilo", "como queria viajar tanto como ela viaja, parece que a vida dela é tão boa", ou "como gostaria que o meu relacionamento fosse tão bom quanto o daquele casal, eles parecem perfeitos em tudo, combinam, riem, pensam até as mesmas coisas" e assim ad nauseam.

Curioso que por mais que saibamos que as redes sociais dizem muito mais da fantasia do que propriamente da realidade insistimos em pautar nossas idealizações nessas fantasias apresentadas a nós como se fossem verdades.  E olha que aqui nem coloquei o caso da idealização em relação a pessoas famosas, artistas, cantores, etc. mas apenas em relação a pessoas tais como nós mesmos; meros trabalhadores que precisam pagar suas contas e etcs. Se considerarmos esse mundo da fama então aí que a coisa tem a tendencia a ficar bizarra, pois além da idealização criada pela própria mídia ainda tem-se uma espécie de idealização da idealização das redes sociais, e aqui a chamada "sociedade do espetáculo" do Debord atinge níveis astronômicos. 

Não sei que tipo de satisfação há nesse martírio que várias vezes impomos a nós mesmos, mas que é um fato corriqueiro entre nós isso é inegável. 

Foram duas boas conversas !

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Um pouco mais sobre a esperança





Não podíamos dizer que os tempos eram fáceis, mas também não eram tão difíceis ao ponto da impossibilidade. Eram dias difíceis onde se exigia deles um pouco mais de atenção e um pouco mais de paciência para enfrentar as desavenças da vida. Muita coisa acontecendo, muitas demandas surgindo, muito trabalho no meio do caminho parecendo que tudo sempre ficava em segundo plano.

Um grande vazio os dominava de forma que tudo era visto como sem sentido. O trabalho, a vida, o relacionamento, os momentos felizes, os momentos tristes, tudo soava extremamente pesado e nada dava sinal de que iria melhorar em breve. 
Parecia que tudo se repetiria ad infinitum; tudo tendendo àquele caos indesejável. Não o caos dos modismos que só fazem sentido para quem mergulha de cabeça em uma nova "bad vibe" como forma de parecer cool, mas muito além disso. Aquele caos tinha tudo para os dominar e ninguém entendia porque tal caos não havia dominado a cena ainda. 

Era como se entre eles houvesse ainda uma pequena esperança pela melhora, esperança esta sempre contrariada pelos fatos do cotidiano. Uma espécie de esperança contra toda esperança como nos diz Paulo na carta aos Romanos que os impelia a prosseguir apesar das dificuldades que iam se amontoando.

Talvez esse olhar um pouco mais otimista para a vida seja uma boa tática diante dos males do cotidiano, pois nos incita a ver um lado cada vez mais esquecido das nossas vidas, um lado onde talvez o sol brilhe mesmo entre nuvens carregadas trazendo luz para caminhos que pareciam tortuosos demais para serem seguidos. Talvez o máximo que eles poderiam fazer naquele momento era apenas esse olhar desinteressado para um outro lugar, que por não esperar nada é capaz de crer para além de todo fato que diz não. 

Como novamente nos diz aquele fariseu tão duramente criticado por Nietzsche, "esperança que se vê não é esperança, porque o que alguém vê como esperará?" Talvez aqui esteja uma pequena possibilidade para eles que por não verem são capazes de manter firme a esperança. Mas da mesma forma que a esperança que não se vê não é esperança, esperança que não age também não pode ser esperança. Ela não apenas espera, mas vai em busca do que se espera para além de todo não. É como se insistisse em afirmar que o que é não pode ser verdade, como se insistisse em afirmar que o futuro será melhor que o passado, como se insistisse em afirmar que o estado das coisas não é definitivo. 
Como nos dizia aquele mineiro tão influenciado por aquele duro crítico do fariseu mencionado acima,

"Esperança é uma teoria da realidade: uma suspeita de que os valores, mesmo na sua não-existência fatual presente, são mais reais que os fatos imediatamente dados. Esperança é a suspeita de que o que é importante agora se revelará como poderoso no futuro. É uma rejeição do positivismo. Por isso o homem é capaz de enfrentar a dor e o sofrimento. Ele os vive como acidentes provisórios, a serem conquistados no futuro. Enquanto permanecer a esperança, a estrutura da personalidade permanecerá também. Quando, entretanto, a esperança entra em colapso, a personalidade se desintegra. Porque o colapso da esperança é o mesmo que reconhecer os valores como ilusões e a brutalidade dos fatos sem sentido como realidade. Só lhe resta então entregar-se às estruturas de poder do seu tempo-presente, que são a negação dela mesma. (ALVES, Rubem. O enigma da religião. 2007 p. 145)

Assim, portanto, se coloca a esperança como aquela que espera, mas que também age; como aquela que confia, mas também que sofre, como aquela que por ser paciente é capaz de suportar muitas coisas. Uma dimensão ativa se coloca para a esperança. Porque ama é capaz de crer e porque crê, age.  Ela é capaz de mudar o mundo não apenas do indivíduo, mas de vários ao seu redor e isso é algo digno de nota. Talvez fosse um pouco isso que Paulo nos propunha em I Cor. 13.

Mas e quando a dor é tamanha, a situação é calamitosa, a tragédia é iminente, as forças não mais existem e tudo que podíamos fazer se mostra como correr atrás do vento? Quando parece que toda esperança se foi, quando as sombras dominam e as trevas parecem a única possibilidade e nada nem ninguém parece nos ouvir, quando o "vale da sombra e da morte" se faz presente? Como dizer a esperança numa hora dessas? 

Talvez em alguns momentos a esperança parecerá não ser possível, se mostrará como apenas uma fagulha que mais parecerá uma ilusão do que uma realidade, mas ainda ali é possível "trazer à memória aquilo que traz esperança", mesmo que novamente seja crer contra toda esperança. Ainda ali haverá a possibilidade da dança e esta pequena atitude pode se apresentar como aquela pequena chama que quando colocada no alqueire iluminará toda a casa e isso é sempre também um motivo para que creiamos.

sábado, 2 de maio de 2015

Hegel e a encarnação - Extratos




"Ao mesmo tempo, deve ser aduzida essa precisa especificação, a saber, que a unidade da natureza divina e humana tem de aparecer apenas num ser humano. A humanidade em si mesma, como tal, é o universal, ou o pensamento da humanidade. A partir do presente ponto de vista, todavia, não se trata do pensamento da humanidade, mas de certeza sensível; portanto, é em apenas um único ser humano que essa unidade é vista - humanidade como singular, ou na determinação da singularidade e particularidade. Além disso, não se trata precisamente de singularidade em geral, pois singularidade em geral é, uma vez mais, algo universal. Mas, a partir do presente ponto de vista, a singularidade não é algo universal; singularidade universal é encontrada no pensamento abstrata como tal. Aqui, contudo, é questão de certeza da intuição e da sensibilidade. A unidade substancial [de Deus e humanidade] é o que a humanidade é implicitamente; por conseguinte, é alguma coisa que jaz para além da consciência imediata, para além da consciência e do conhecimento ordinários. Tem, portanto, que opor-se à consciência subjetiva, que se relaciona a si mesma como consciência ordinária e é definida enquanto tal. Por isso exatamente a unidade em questão tem de aparecer para outros como um ser humano singular, posto à parte; ela não está presente nos outros, mas somente em um de quem todos os outros estão excluídos (...)" (HEGEL, G.W.F, Lectures on the Philosophy of Religion. Berkeley, 1988 p. 454)

"Para Hegel, no Espírito do cristianismo e seu destino, Jesus foi confrontado com duas escolhas, dado o peso da tradição judaica e sua concepção de Deus. A concepção cristã do relacionamento entre o humano e o divino era ininteligível para os judeus. Era impossível reformar suas crenças religiosas a partir de seu interior; a alternativa foi desafiá-los do exterior, e isso foi o que ele fez mais e mais, e, como tal, sua mensagem foi puramente ideal e utópica. Isso significou que o sdiscípulos, que eram judeus, compreenderam a natureza de Deus e homem em Jesus ainda no contexto das idéias teísticas judaicas. Em vez de seguir Jesus, ensinando uma mensagem geral sobre a reconciliação entre o divino e o humano em toda a vida, essa reconciliação foi entendida como tendo se completado somente em Jesus. Desse modo, em de a Encarnação se tornar um símbolo no interior da Cristandade para uma completa reconciliação entre Deus e toda a humanidade, o divino e o humano foram entendidos como unidos apenas em uma única vida. " (PLANT, Raymond. Hegel: Sobre religião e filosofia. 2000 p 17)


"Essa representação, porém, é mal entendida, se for vista como um único evento singular, que é limitado ao próprio Jesus. A Encarnação é, antes, uma representação de como o mundo e a história humana são parte da natureza de Deus. Como diz Hans Küng, "Jesus é a revelação daquele Deus homem que é a oculta, verdadeira natureza de toda pessoa". (PLANT, Raymond. Hegel: Sobre religião e filosofia. 2000 p 45)

Coisas a se pensar...