quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sobre a liderança evangélica atual




Foi-me proposto um “comentário” sobre a liderança evangélica atual. Escrevi este pequeno texto com o propósito mais de “abrir questões” que fechá-las. Segue o comentário:

Os problemas evidenciados na atual liderança evangélica são vários e seria impossível abarcar tudo em um pequeno texto como este. No entanto, algo que salta aos olhos é primeiramente um afastamento dos preceitos bíblicos. Este distanciamento talvez provocado por uma ignorancia em relação ao texto, por uma formção que prima mais pelo quantidade que pela qualidade. Se consideramos que o número de seminários e faculdades teológicas quase triplicou nos últimos anos segundo várias fontes de pesquisa. Era de se esperar que tal aumento, verificasse um aumento na qualidade do ensino, gerando com isso pastores mais preparados. No entanto, isto não aconteceu e não vem acontecendo.

Ao invés de serem ensinados nos preceitos bíblicos, os pastores são ensinados em "táticas de manipulação", "hermeneuticas escusas" que simplesmente favorecem uma leitura geralmente fundamentalista e paradoxalmente mal-fundamentada. Coisa que parece comum aos "fundamentalismos".

Tais táticas acabam por perverter ao grande publico a noção do que é ser "evangélico", tanto que o próprio termo já caiu em associações diretas a práticas evidenciadas em várias igrejas neo-pentecostais como "petição de dinheiro", "dízimo" "pagar o pastor", dentre outras.

Ao mesmo tempo, esta falta de preparo do líder gera uma completa dicotomia no seio do próprio meio evangélico. Afinal, não podemos tomar a parte pelo todo. Sabemos que há pastores e líderes evangélicos bastante compromissados com a propagação do reino e estes devem sim ser trazidos a tona. Talvez até mais que os que praticam coisas das quais o evangelho se envergonha.
Acompanhada da falta de preparo e talvez como consequencia direta dela, aparece o "abuso pastoral" que até onde podemos ver, se evidencia nos "psicopatas da fé". Este abuso se reveste de uma carapuça onto-teológica para se fundamentar.

O poder do pastor é tomado como "dádiva de Deus" que faz com que os membros destas igrejas se sintam quase que de volta aos terrores dos absolutismos europeus. A figura do líder exaltada a quase "segundo deus" favorece e fortalece o abuso evidenciado por tais líderes. Aliado a isso o baixo conhecimento teológico evidenciado na maioria dos membros das igrejas evangélicas, principalmente as neo-pentecostais (uma vez que a prática da reflexão bíblica é muito pouco incentivada nesse meio, dando-se uma ênfase enorme na "operação de milagres", "visões", "revelações", ou seja, um cunho extremamente estético) o cenário fica perfeito para a propagação de um "código de conduta" muito rígido para os membros, mas muito flexível para o líder.

Sob a égide de "ungido de Deus" se permite ao líder o fazer o que quiser sendo que várias vezes, apenas responderá pelo seus feitos diante dos tribunais dos homens, mas nunca diante da congregação.
A impunidade favorece e fortalece a prática. A onto-teologia a legitima. Com isto o membro se enfraquece e o líder se absolutiza.

Os vislumbres do líder então passam a ser adotados como "as visões de Deus para a congregação", a "vontade de Deus" e várias outras coisas das quais o líder nunca será o responsável.

Afinal, se o projeto der certo, fala-se que "Deus direcionou, e por isso deu certo", e junto a esta fala se promove o marketing pessoal do líder. Mas se o projeto der errado, a culpa é dos membros que são "homens de pequena fé" e por isso Jesus não operou o milagre. E como base para esta afirmação ainda utilizam textos bíblicos tais como Mt 13:58 "E não fez ali muitas maravilhas, por causa da incredulidade deles". A culpa do fracasso recai sobre o membro, mas a glória do sucesso recai sobre o líder.

Como podemos ver, o assunto é extremamente extenso e carece de muitas pesquisas para que possamos diagnosticar e principalmente mudar a prática evidenciada em várias igrejas que se dizem evangélicas. Existem várias pesquisas interessantes sobre o tema, várias delas em níveis de mestrado e doutorado. No entanto, é um ramo que exige ainda muita pesquisa.

Este pequeno texto é apenas uma tentativa de abrir a questão que merece e deve realmente ser bastante discutida se quisermos que o evangelho volte a ser "boa-nova".

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Sobre o pique-esconde e salvação





Conversando ontem com duas amigas, contávamos sobre as brincadeiras que fazíamos quando crianças. As diversas brincadeiras várias vezes sem sentido, mas permeadas de alegrias que só aqueles tempos tinham.

Várias brincadeiras eram comuns e algumas outras variavam de região para região.

Uma que todos nós brincávamos era a de pique-esconde. Todos nós brincávamos desta quando pequenos e todos nós gostávamos.

A brincadeira era muito simples. Um contava de olhos fechados até 50 ou 100 enquanto os outros escondiam. No final da contagem, este que contava saía procurando os escondidos, e caso visse algum deles, tinha que correr até o pique (lugar onde se contava), bater, e falar o nome da pessoa encontrada.

Surgiu uma divergência sobre o "salve todos". Alguns achavam muito estranho brincar com a regra do "salve todos".

(Para quem não sabe, a regra do "salve todos" dizia que quando faltasse apenas um escondido, este poderia salvar a todos que tinham sido encontrados antes dele para que quem estivesse contando continuasse contando).

O primeiro a ser encontrado torcia para que o último não o fosse para que pudesse "salvar todos" no final.

A esperança da redenção se manifestava em todos os que foram pegos. A apreensão, a torcida por aquele último estava muito presente no final, quando apenas um faltava. Todos depositavam a confiança naquele único homem que poderia salvar a todos e fazer com que ninguém fosse punido e tivesse que ser aquele que procura.

A brincadeira muito ilustra a esperança da salvação proposta pelos evangelhos. Todos aguardando a redenção que vem através de um homem. Do ponto de vista de uma cristologia, Cristo é a redenção de Deus vinda aos homens e efetivada na cruz. Do ponto de vista escatológico, a questão da redenção final adquire várias posições.

A regra do "salve todos" tem até nome teológico e é fruto de inúmeros debates nesta área do conhecimento. Será que Deus salvará todos no final? Será que há salvação pra sempre? Será que "uma vez salvo, salvo para sempre"? Aquele que foi pego primeiro está condenado a ser o próximo a contar e procurar os outros? Ou há a esperança da redenção, do "salve todos"? O último poderia apenas "escolher" quem ele salvaria ou na ação dele de salvar a todos não há lugar para "escolhidos" ou "predestinados"? Será que a salvação é por mérito? Eu mesmo posso me salvar, ou dependo sempre em última instancia daquele que "salvará a todos no final" ? O "salve todos" serve apenas para quem não tem o mérito de se salvar sozinho, ou é válido para todos enquanto "possíveis-pessoas-encontradas"?

Questões teológicas fulcrais são presenciadas na brincadeira do pique-esconde, mas quando crianças não pensamos muito nisso, e talvez por isso podemos aproveitar a brincadeira de forma mais light, sem preoucupações desnecessárias. A brincadeira não precisa ter explicação, ela simplesmente está ali para ser brincada.

Algo a se aprender com o pique-esconde. Tanto ponderar sobre estes assuntos teológicos-existenciais, quanto também pensar na leveza com a qual a vida deve ser vivida. Se no final Deus resolver "salvar todos" ou não, isto não fará diferença para nossa vivência. Só fará diferença se pautarmos nossa vida nisso, um eterno "imperativo hipotético" um "fazer para ser salvo no final" que deveríamos saber, está longe da proposta do reino.

Talvez o prazer da brincadeira estivesse no fato de não termos que pautar a brincadeira pelo seu final, mas simplesmente brincar, sabendo que podemos mudar de brincadeira a qualquer momento. No texto Sejamos homo ludens falo um pouco sobre isso. E porque não mudar a regra do "salve todos"?

E a esperança não se manifestaria apenas na salvação do último, mas se manifestaria na mera brincadeira, tentando fazer dela momentos de eterna alegria enquanto o dia brilha e a noite não vem...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Reflexos e Reflexões







Reflexo e reflexões foi um novo nome que pensei para o blog e isto talvez por uma questão muito óbvia.
Todo escrito meu, por mais simples que seja, sempre tem um pouco dos dois. A reflexão que como todos sabem faz parte do trabalho do filósofo de maneira fulcral.

Não existe filosofia sem reflexão, embora o contrário seja bem comum.

E o reflexo talvez não se mostre com tanta obvieidade, mas permeia tudo o que fazemos.

Ao fazermos coisas refletimos o que nos foi ensinado em nossa própria existência. Na maior parte das vezes nossas ações não passam de reflexos, hora límpidos, hora turvos.

Claro que há um problema subjacente em agirmos como meros seres-que-refletem-coisas
que é o problema da identidade.
Se apenas refletimos, ficamos como grande espaço vazio, no entanto todas nossas ações sempre serão reflexos de nós mesmos.
Será que é possível vermos o mundo sem nossos olhos? Com olhos de outro?

Afinal, todo mundo visto por mim é o meu mundo.

Algumas vertentes místicas colocam como objetivo a quebra do vidro que gera o reflexo pelo qual vemos o mundo para contemplarmos a realidade das coisas sem o vidro que nos impede e nos reflete antes de vermos algo.
Mas será isto possível? Enquanto possibilidade isto aparece, talvez o problema seja a exequibilidade.

Esta dinâmica do ver já está presente em Platão. Algo muito interessante a notar é a diferença da ascesse à verdade entre o grego e o judeu. Enquanto para o primeiro o sentido mais louvado é a visão, para o segundo é o ouvido. ( A fé vem pelo ouvir, Maria engravida pela palavra). Até que ponto estas representações não estão condicionadas socialmente?

Sobre toda hermeneutica sempre há um ser-hermeneuta. Não há hermeneutica isenta, livre, e talvez aí resida todo fracasso de uma tentativa a encontrar a "verdade" escondida no texto, (típico de algumas posições fundamentalistas), ou até mesmo a proposta mística de uma verdade metafísica existente além de qualquer coisa.

Claro que com boas doses de metafísica, as duas posições são possíveis. Talvez o que algumas escolas místicas propõem como objetivo último do ser humano em nada difere da posição fundamentalista de encontrar a "verdade atemporal" descrita no texto. No entanto, a postura mística, já de saída assume sua metafísica, ao passo que várias posições fundamentalistas não o fazem, o que acaba colocando tal posição numa "falta de sinceridade epistemológica."

A posição que defendo é que nossas reflexões são sempre reflexos nossos, reflexos da nossa sociedade, reflexo do mundo que crescemos e vivemos. Claro que admito como possibilidade uma ascesse a algo para além do reflexo, no entanto penso ser uma via mais complicada de se defender epistemológicamente e talvez por isso tenho a tendencia de deixá-la em suspenso.

As vezes a contemplação mística seja a saída para tal impasse, no entanto, como sabemos tal contemplação se torna inefável, uma vez que as palavras não a consegue descrever. Chegamos quase que ao impasse de Górgias. Este afirmava que "nada existe, se existir não pode ser dito a ninguém, se puder ser dito, ninguém compreenderá", se ao invés do nada colocarmos o "sentido" ou "tudo" ficamos próximos das tentativas místicas, e o mesmo impasse permanece, só que agora não mais com a existencia de um nada, mas com a presença do todo que nos permeia no entanto nos escapa pois as palavras não o atinge. Condição humana por excelencia, o limbo entre o todo e o nada buscando, na corda bamba, achar um caminho para a morte feliz.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Palavras jogadas



Eu sempre achei que um bom sinal de saber
se vc tem um relacionamento bacana com outra
pessoa é vc conseguir ficar calado perto dela e
isso nao incomodar. alcancar a incomunicacao...
um silencio que nao incomoda é sinal de cumplicidade e isso demora muito para se conseguir.

Em um mundo onde tudo deve ser rapidamente comunicado, o silencio vira quase que um tesouro perdido.

E na maioria das vezes sobre o que falamos?

Falamos trivialidades, coisas corriqueiras, assuntos fúteis, besteiras que qualquer pessoa além de nós mesmos seria capaz de falar.

Na maioria das vezes nossas palavras não trazem vida a ninguém. Um todo fútil. Palavras jogadas ao vento e que nunca recolheremos nem mesmo as veremos produzindo algum fruto.

Desperdiçamos como quem tem de sobra, como quem não precisa dar contas das palavras que se dizem. Palavras contra palavras, nada além disso.

Palavras vaizas, mas que por algum motivo insistimos em dizer. Parece que há um senso comum em achar que o silêncio é sinal de fraqueza, que as pessoas devem sempre falar alguma coisa.

Não sou desta opinião. Valorizo o silêncio. Valorizo as palavras que edificam.

Se a boca fala do que está cheio o coração, como já dizia o cristo, e nosso falar remete apenas a futilidades, podemos dizer que nosso coração está cheio de futilidade. E se ao mesmo tempo, o nosso tesouro está onde está o nosso coração, podemos falar que o nosso tesouro está em futilidades. (Isto deduzido por mero silogismo)

talvez por isso falamos futilidades, gastamos com futilidades e a vida fútil vai seguindo como uma espécie de "dever-ser". Uma dinamica típica do capitalismo, da dinamica de consumo onde até mesmo as palavras se tornam futilidades.

A palavra cria e destrói mundos, mas também pode ser usada como nada além que palavras jogadas ao vento, e infelizmente é o que mais vemos hoje em dia.