terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Apóio o diferente, mas tem que ser igual a mim





Que o Facebook e as diversas redes sociais são um convite para nos mostrarmos como não somos já virou clichê afirmar. Provavelmente já tem até algum post ou alguma imagem no próprio Facebook ou no próprio Twitter afirmando isso. Uma espécie de “crítica interna” à ferramenta utilizada para tal crítica. Paradoxo extremamente curioso.
Algo que sempre achei extremamente interessante é que parece haver uma espécie de “ética” envolvida no uso das redes sociais, que por mais que exacerbe o sujeito “fake”, ele sempre convida a fazer um discurso politicamente correto, ou então, no caso mais mainstream, fazer uma crítica ao discurso politicamente correto demonstrando em que medida tal discurso não é nada além de uma imposição aceita passivamente pelo senso comum.

Posso afirmar que na minha timeline o segundo grupo é o mais constante. Isso acaba gerando aquilo que em outro texto chamei de “homo críticus”. Esse discurso desta suposta “ética” se manifesta de diversas formas, mas uma que acho extremamente interessante é o discurso que vem envolvido em um suposto “apoio ao diferente”.

Curiosamente a pregação de "apoio ao diferente" só vale quando os meus próximos aprovam os supostos diferentes que eu mesmo aprovo. A partir do momento que os meus próximos aprovam os diferentes que eu não aprovo eles devem "deixar de apoiar" o diferente que apoiam para que eu possa querer estar por perto. Se o sujeito apoia alguém como Bolsonaro, ou orgulho de qualquer coisa, ou qualquer coisa que lembre a direita, então ele não é digno de me ter como amigo, afinal, ele apoia algo que eu não aprovo, mas mesmo assim eu tenho que manter o discurso de que se deve apoiar as diferenças.

É mais ou menos como se eu quisesse "facebookicamente próximo" apenas aqueles que pensam iguais a mim, afinal, pra que respeitar o que pensa diferente de mim em um lugar que posso excluir qualquer diferente a qualquer momento? Mas claro que eu excluo o diferente para que eu possa manter o discurso de que se deve apoiar os diferentes.

Na realidade, parece que o que se quer realmente são pessoas que pensem iguais a mim sem ser possível tolerar nenhuma diferença no pensamento. Narcisismo na vida real, narcisismo na vida cibernética. Indiferença na vida real, indiferença na vida cibernética, mas claro que mantendo um discurso inclusivista em relação a todos os diferentes.

(Obviamente que aqui não estamos defendendo o chamado "discurso de ódio" que geralmente aparece muito inflamado quando alguns assuntos são tocados. Claro que não devemos tolerar os intolerantes, afinal isso constituiria o fim de toda a tolerância, no entanto aponto aqui que várias vezes a linha é muito tênue entre o discurso intolerante e o discurso "diferente do meu". Não raras vezes tomamos um pelo outro por não sabermos lidar com isso que aqui chamo de "diferente".)

A meu ver, isso esconde uma dinâmica bastante hipermoderna que trato nesse pequeno texto. Uma intolerância em lidar com essas posturas diferentes, que longe de demonstrar uma "indisposição meramente no nível das ideias", demonstra mais uma intolerância em relação a qualquer um que pense diferente de mim. Obviamente que quando o portador do discurso sou eu, posso chamar isso de meramente uma "indisposição", mas quando o portador é o outro, eu chamo de intolerância. Mas venhamos e convenhamos: qual a medida do "intolerante de verdade" e a "minha indisposição"? Por que que no meu caso é uma "indisposição" e no caso do diferente é uma "intolerância"? A meu ver esse tipo de postura apenas marca a cultura da indiferença e a grande dificuldade em lidar com o diferente. 

Lembremos que na mesma dinâmica da suposta "aceitação de tudo e de todos" o que se pretende é nada além de uma homogeneização das formas de pensar, e isso a meu ver, é evidencia cabal da nossa dificuldade atual de lidar com o diferente. Isso demonstra uma cultura da indiferença tipicamente hipermoderna, onde a dimensão do Outro só entra quando de alguma forma corrobora a mim mesmo. Um narcisismo levado às últimas consequências, ou melhor (na expressão da Colette Soler), um narcinismo.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

8 anos de casados !



"Coloque marcos e ponha sinais nas estradas, Preste atenção no caminho que você trilhou" Jeremias 31:21


Dizem que aos 8 anos de casamento se comemoram bodas de cobre. Sempre achei meio sem sentido essas bodas, mas se alguém teve o trabalho de catalogar e criar o sistema de bodas ele pode até ter algum valor. O que acho interessante é que o sistema de bodas serve para colocar marcos no caminho.

Os marcos servem como pequenos lembretes para nós do caminho percorrido ao longo dos tempos, daí a grande importância que o texto bíblico dá aos marcos. O texto de Jeremias que abre esse post já aponta para isso e talvez as datas comemorativas sirvam exatamente para contemplarmos novamente esses marcos que colocamos no caminho. Pensando assim as bodas podem até fazer algum sentido, embora os objetos escolhidos para elas sejam altamente duvidosos, tais como lã, papel, cobre, etc.

Nesse sentido acho que hoje é dia de “prestar atenção” no caminho trilhado nesses 8 anos. Tem sido um caminho muito prazeroso, cheio de aventuras, alegrias, bons momentos, mas obviamente sem faltar os problemas, as desavenças, etc. como faz parte de toda grande jornada.

Lembrando de onde saímos e pensando onde estamos agora realmente dá muito orgulho dessa pequena jornada até o momento. Jornada esta que tem como melhor de tudo o poder trilhar o caminho junto com outra pessoa que também visa o mesmo objetivo que você. Que também caminha junto mesmo quando os momentos são difíceis.

Esta companhia do caminho é que talvez faça toda a diferença no processo da caminhada. Para além de toda e qualquer idealização da companhia, tendo apenas a presença de um outro que também tem tantas falhas quanto você, posso dizer que o caminho percorrido até agora tem valido a pena.

Meu desejo é que continuemos seguindo, trilhando sempre um ao lado do outro para que quando um fraquejar o outro esteja ali presente para o sustentar e continuarmos olhando para frente e para trás. Vislumbrando o futuro, mas sem nunca esquecer do passado.

Memória e esperança ! E assim seguimos.


Te amo, Priscilinha ! Hoje muito mais que há 8 anos atrás. 

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

"Não é pelo muito falar que seremos ouvidos" - Um pouco de Gilles Lipovetsky





"Assim como a idade moderna foi obcecada pela produção e pela revolução, a idade pós-moderna é obcecada pela informação e pela expressão. Somos todos Djs, apresentadores e animadores. Democratização sem precedentes da palavra: todo mundo é incitado a ligar para a central telefônica , quer contar algo a partir da sua experiência íntima, ou pode se tornar um locutor e ser ouvido. Isso vale tanto nesse caso como no dos grafites nas paredes de escolas ou no dos inúmeros grupos artísticos: quanto mais a gente se expressa, menos há o que dizer; quanto mais a subjetividade é solicitada, mais o efeito é anônimo e vazio.

Esse paradoxo é reforçado também pelo fato de que ninguém no fundo, está interessado nessa profusão de expressões, como uma exceção que deve ser levada em conta: o próprio emitente ou criador. Isto é, exatamente, o narcisismo, a expressão sem retoques, a prioridade do ato de comunicação sobre a natureza do comunicado, a indiferença em relação aos conteúdos, a assimilação lúdica do sentido, a comunicação sem finalidade e sem público, o remetente transformado em seu principal destinatário. Daí essa pletora de espetáculos, de exposições, de entrevistas, de proposições totalmente insignificantes para qualquer pessoa e que não levam em conta nem mesmo a ambiência; outra coisa está em jogo: a possibilidade e o desejo de se expressar qualquer que seja a natureza da "mensagem", o direito e o prazer narcisista de se manifestar a respeito de nada, por si mesmo, mas retransmitido e amplificado por um meio de comunicação.

Comunicar por comunicar, expressar-se sem qualquer outra finalidade a não ser expressar-se e ser ouvido por um micropúblico, o narcisismo revela, tanto aqui quanto em outros aspectos, a sua conivência com a ausência de substância pós-moderna, com a lógica do vazio." (LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio. 1983 p. 24)



"A tese do "progresso" psicológico é insustentável diante da extensão e da generalização dos estados depressivos, outrora reservados em prioridade para as classes burguesas. Ninguém pode se vangloriar de escapar; a deserção social ocasionou uma democratização sem precedente da depressão, o tédio de viver, flagelo hoje em dia difundido e endêmico. Do mesmo modo, o homem "cool" não é mais sólido do que o homem do adestramento puritano ou disciplinar. Na verdade seria mais o inverso.

Num sistema descaracterizado basta um simples acontecimento, um nada, para que a indiferença se generalize e ganhe existência própria. Atravessando sozinho o deserto, levando a si mesmo sem qualquer apoio transcendental, o homem de hoje se caracteriza pela vulnerabilidade. A generalização da depressão deve ser levada em conta não das vicissitudes psicológicas de cada um ou das "dificuldades" da vida atual, mas, sim, da deserção da res pública que foi limpando o terreno até o advento do indivíduo puro, do Narciso em busca de si mesmo, obcecado por si mesmo e, assim sendo, suscetível de enfraquecer ou de desmoronar a qualquer momento diante da adversidade que enfrenta desarmado, sem força exterior.

O homem descontraído está desarmado. Os problemas pessoais assumem, assim, dimensões desmesuradas  e quanto mais os contemplamos, ajudados ou não pelos psi, menos os resolvemos. Aqui se inclui o problema existencial, o ensino ou a política: quanto mais submetidos a tratamento e auscultação mais os problemas se tornam insuperáveis. O que, hoje em dia, não está sujeito à dramatização e ao estresse? Envelhecer, engordar, enfear, dormir, educar os filhos, sair de férias... tudo se transforma em problema. As atividades elementares se tornaram impossíveis.

O tempo em que a solidão designava as almas poéticas e excepcionais terminou, aqui todos os personagens a conhecem com a mesma inércia. Nenhuma revolta, nenhuma vertigem mortífera a acompanha; a solidão se tornou um fato, uma banalidade com a mesma importância dos gestos cotidianos. As consciências não mais se definem pela dilaceração recíproca; o reconhecimento, a sensação de incomunicabilidade e o conflito deram lugar à apatia, e a própria inter-subjetividade se encontra relegada. Depois da deserção social dos valores e das instituições, é a relação com o Outro que, segundo a mesma lógica, sucumbe ao processo de desafeição. O Eu não habita mais num inferno povoado de outros egos, rivais ou desprezados, a relação se apaga sem gritos, sem motivo, em um deserto de uma autonomia e neutralidade asfixiantes.

A liberdade, a exemplo da guerra, propagou-se pelo deserto; já atomizado e separado, cada qual se torna agente ativo do deserto, amplia-o e escava-o, incapaz que é de "viver" o Outro. Não satisfeito em produzir o isolamento, o sistema engendra seu desejo, desejo impossível que, no instante em que é alcançado, revela-se intolerável: o indivíduo quer ser só, sempre e cada vez mais só, ao mesmo tempo em que não suporta a si mesmo estando só. a esta altura o deserto já não tem mais princípio ou fim. (Idem p 29,30)