Uma das inúmeras coisas que aprecio na igreja católica é a forma como se fala quando alguém morre. É algo muito comum ouvir de vários padres a fala : "Fulano realizou sua páscoa hoje", ou seja, esse alguém faleceu naquele dia, realizando assim sua Páscoa; sua passagem desta vida.
Essa pequena fala sempre me remete à Páscoa judaica, à "passagem do anjo" no Egito onde todos os primogênitos egípcios teriam sido mortos e os do povo judeu teriam sido poupados.
No cristianismo a Páscoa remete à ressurreição do Cristo, i.e, o mais importante não é a morte, mas a ressurreição; não mais a passagem, mas a esperança que o Cristo nos traz de que há algo para além da mera morte sem sentido, de que a vida pode sim superar todas as expectativas calculadas, de que há algo nela que escapa à determinação inexorável das coisas. A Páscoa nos faz lembrar não que a morte não significa nada; muito pelo contrário, ela nos lembra que até mesmo aquele que vários viam como salvador do mundo passa por ela, que ela se impõe a todos independente da sua missão, independente da sua visão de mundo. No entanto, a ressurreição do Cristo abre as portas para a esperança para além de toda esperança diante de um mundo onde cada vez menos se pode esperar algo de bom.
Para alguns a ressurreição é visto como uma negação da finitude humana, pois mostra que a morte significaria apenas realmente essa "passagem" para uma outra vida em que não haveria mais morte nem dor, mas apenas alegria e a vida seria eterna. Para mim o mérito da ressurreição celebrada na Páscoa não é esse, não é uma negação da finitude humana, mas exatamente o seu oposto, ou seja, a aceitação plena de que somos finitos, a aceitação plena de que a nossa vida adquire sentido a partir daquilo que nos é possibilitado desfrutar plenamente enquanto humanos. A ressurreição do Cristo se torna um símbolo dessa possibilidade de sentido. Ele abre para nós tal possibilidade e isso é realmente algo sem preço.
Dessa forma o mais importante não se torna o fato concreto da ressurreição de Jesus, (que obviamente se pode crer que tenha de fato ocorrido) mas muito mais o símbolo que tal discurso traz, a esperança que tal discurso carrega, a fé que tal discurso é capaz de mobilizar. Nesse sentido podemos dizer claramente que Jesus venceu a morte, pois rompeu para nós com a ideia de que ela seria o último discurso possível, de que nela todas as outras coisas se tornam vãs e abriu para nós a possibilidade de uma vida em abundância.
A Páscoa se mostra assim como uma grande virtude teologal, ou seja, como algo vindo de Deus para nós, como um remeter diretamente à esperança concedida como dom divino. Ao dizermos que Ele ressuscitou remetemos a essa esperança em nós e por isso somos capazes de crer que o futuro será melhor que o passado, de que a vida pode adquirir um sentido para além de todas as evidências do contrário. Como diz um cântico famoso na igreja protestante, "porque Ele vive posso crer no amanhã!" e isso é muita coisa.
Feliz Páscoa !
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