quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Aspectos de Deus em um texto de Leibiniz





Um texto de 10 anos atrás encontrado nos escombros do computador. 

O problema de Deus em Leibniz é um problema extenso e não pretendo aqui esgotar o assunto. O que eu pretendo aqui é fazer uma pequena reflexão sobre o papel de Deus na metafísica de Leibniz.
Em seu texto intitulado “Uma Definição de Deus, ou, de um Ser Independente.”(Definitio Dei Seu Entis A Se), de 1676, Leibniz afirma que Deus é um ser de cuja possibilidade (ou, de cuja essência) segue-se Sua existência. Se um Deus, definido de tal modo, é possível, segue-se que Ele existe. 
O tema da metafísica de Leibniz é a pergunta de como deve ser o mundo, se temos a noção de Deus ? Para Leibniz, Deus é o criador de todas as coisas e é absolutamente perfeito, e uma vez que Ele é um ser perfeito, a sua criação será a mais perfeita possível. Leibniz afirma que a coisa é boa e por isso que Deus faz, e não que Deus faz algo ser bom ou não. A potência máxima para Leibniz não é criar a razão, mas sim, criar de acordo com a razão. Isso segundo ele é o que é ser livre.
Leibniz tem a idéia dos mundos possíveis. Segundo ele, Deus contempla todos os mundos e cria o melhor dos mundos possíveis . Deus age desta forma porque Ele não pode ferir o princípio da não contradição. Criar o melhor dos mundos possíveis é agir de acordo com a razão. A posição de Leibniz se assemelha com a visão medieval que afirmava que Deus não pode fazer contradições lógicas. Deus está também sujeito aos princípios lógicos.
Essa sujeição de Deus a esse princípio no entanto, não limita o poder de Deus. Deus tem todo o poder para fazer todas as coisas, Ele não faz porque se fizesse, implicaria em contradição à sua obra, e uma vez que Deus é perfeito, ele não pode cair em contradição. Por exemplo: Deus não pode criar um mundo onde não existisse o princípio da não contradição, isso porque seria inconsistente ele contemplar um mundo melhor e criar um mundo pior.
Deus também é um ser onisciente. Ele já criou todas as coisas com tudo pré-determinado para elas. As substancias já contem em si tudo que lhe aconteceu, acontece e acontecerá. Só que a substância não sabe disso. Somente Deus sabe de todas essas coisas. Essa onisciência de Deus faz com que Ele tenha a noção completa da substância com todos os seu acidentes. Havia um posição escolástica que defendia que Deus sabe as coisas que a substância fará pelos futuros contingentes. Leibniz no entanto discorda dessa visão e afirma que Deus não pode prever algo que é livre e indeterminado, ao contrário ele já cria a substancia com tudo o que vai acontecer a ela.
Segundo Leibniz, o melhor sempre implica em perfeição, e Deus escolhe sempre o melhor. Leibniz em sua metafísica, quer explicar o problema do mal, e Leibniz resolve este problema pela teoria dos mundos possíveis. O mundo sem o mal, seria contra o princípio de não contradição. Para ele, o mal veio ao mundo para que Deus pudesse colocar neste um bem. A queda de Adão para Leibniz comprova que o melhor mundo possível seria aquele em que Deus se fizesse presente fisicamente nele, e por isso a queda do homem.
Leibniz afirma que o pecado é necessário para um bem maior, pois sem ele, não haveria como implantar a justiça, uma vez que a justiça precisa do pecado para existir. Deus não poderia criar um mundo justo, se não existisse o pecado.
Leibniz não questiona a necessidade de um mundo sem justiça, ou sem pecado. Para ele isso seria possível, uma vez que não havendo pecado, não haveria a necessidade da justiça. Isso não implica em contradição, portanto é possível pensar em um mundo assim.
Deus sendo onisciente e conhecendo todas as coisas, o homem como emanação de Deus, também é um ser livre e age livremente. Leibniz enfrenta um problema que é o de tentar conciliar a graça de Deus com um certo “determinismo” da parte de Deus. A discussão não é própria de Leibniz e remonta a autores medievais que discutiram largamente essas questões.
Segundo Leibniz, o homem peca porque age precipitadamente, mas esse acidente já fazia parte de sua composição. Leibniz resolve o problema da liberdade afirmando que ser livre é agir de acordo com a razão. Deus não determina que alguém vai pecar, o homem peca livremente. E peca livremente porque era possível que ele não pecasse. Segundo Leibniz, o homem pecou porque agiu precipitadamente, mas esse pecado é necessário para um bem maior.
Deus em Leibniz assume um papel central, uma vez que dependemos de Deus para viver e para todas as outra coisas. Ao dizer que o homem é uma emanação de Deus, Leibniz dá ao homem um status de criatura prima de Deus.
Há uma passagem bíblica que diz que os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento as obras de suas mãos. (Salmos 19:1). Leibniz afirma a mesma coisa ao dizer que olhando para o mundo conseguimos enxergar o criador. Essa idéia de Leibniz acerca desse vislumbramento do mundo reflete a perfeição da obra divina em todos os seus detalhes.
Concluindo: Leibniz com os seus mundos possíveis resolve um problema até então insolucionável que é o problema de como deve ser o mundo. O Deus perfeito de Leibniz cria todas as coisas com uma harmonia pré-estabelecida e dá aos homens tudo o que é necessário para que eles vivam bem. Infelizmente agimos precipitadamente, e segundo Leibniz, é por isso que pecamos, mas a graça de Deus faz com que esses nossos erros se convertam no melhor possível para nós.


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A insistência no sentido - Gideão




Uma das coisas interessantes sobre o texto bíblico é a sua insistência na não ausência de sentido do sofrimento. É como se o texto bíblico ousasse sempre afirmar que por mais tenso que possa parecer o momento enfrentado pelo  protagonista da história, sempre haverá um sentido para além do mero ocorrido. Podemos ressaltar diversos personagens, desde o principal deles, Jesus, até alguns outros como Gideão, Davi, Salomão, Raabe, Judas, João, etc. em todas essas histórias a insistência em afirmar o sentido para além do aparente sem sentido do sofrimento se faz presente.

Uma característica dessa insistência no sentido do texto bíblico é a de nos mostrar que, mesmo diante da dor mais forte, há sempre a possibilidade de esperança e nunca a opção do abandono. Quem não se lembrará do próprio Jesus na cruz clamando "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste" como um grito que aponta para uma suposta ausência de sentido em todo aquele sofrimento, mas que no final revela que o salto da fé ainda pode ser dado confiando o seu espírito a quem nunca o abandonou?

Paulo nos dizia que a paz de Cristo excede a todo entendimento e ao mesmo tempo o Eclesiastes nos afirma que há tempo para todo propósito debaixo do sol. A paz que excede o entendimento e a temporalidade que nos cerca parece nos remeter a uma dimensão curiosa da nossa relação com Deus. O Deus que nos transcende e que por mais que tentemos explicá-lo acabaremos apenas falando um pouco mais de nós mesmos e nossas convicções é o mesmo que só pode ser experienciado "debaixo do sol", ou seja, na temporalidade, na nossa finitude, na nossa existência no mundo. O sentido do aparente paradoxo se mostra para além da mera dicotomia entre transcendência e temporalidade. É como se em última instância só pudéssemos vislumbrar um sentido oculto quando percebemos que há algo que não entendemos. De alguma forma é como se o pensamento apressado fosse o que insistisse na ausência de sentido, enquanto o olhar detido buscasse incessantemente tal sentido. 

Um exemplo interessante é o das "provas de Gideão" para saber se Deus o havia escolhido mesmo para a tarefa descrito no livro de Juízes capítulo 6. A situação em Israel estava péssima, pois eles estavam sob domínio dos midianitas. Nesse contexto Gideão recebe a visita de um "anjo do Senhor" que afirma que Deus livraria Israel dos midianitas por intermédio de Gideão. Na história Gideão se mostra muito cético quanto a proposta do anjo e pede então um sinal para ter certeza de que Deus lhe enviara para derrotar os midianitas. Depois das duas provas serem satisfeitas por Deus, Gideão acredita e passa a guerrear para livrar Israel dos midianitas. 

A história de Gideão nos mostra um pouco disso que estamos falando sobre a insistência de sentido que o texto bíblico nos aponta. Aparentemente as provas de Gideão se mostram como infundadas, afinal, é um enviado de Deus que já realizou um milagre na sua frente quem está falando com ele; já está mais que "provado" que Deus estaria enviando Gideão de forma que pedir "mais duas provas" soa algo que nenhum ser humano faria diante de Deus. No entanto, a insistência de sentido se mostra no fato de que é a partir das provas que a temporalidade é capaz de transcorrer e Gideão é capaz de aceitar a tarefa que lhe tinha sido designada. Gideão precisa de tempo para assimilar a tarefa, e as provas dão a ele algo além da mera prova, mas dá a ele um tempo para pensar, refletir e finalmente se encorajar para a tarefa.O tempo é capaz de nos tornar corajosos e sábios para perceber qual a nossa tarefa e o quanto estamos preparados ou não para executá-la. 

Para além disso há o fato de que Gideão não passa do "menor na casa de seu pai", ou seja, é uma "escolha de Deus" extremamente sem sentido para um comandante de um exército no contexto bíblico. A suposta ausência de sentido se mostra também nesse fato de uma escolha pelo menos óbvio, pelo último, pelo fraco, mas nessa escolha o texto visa mostrar um sentido que aponta para o fato de que Deus é capaz de capacitar até o mais fraco, no momento mais difícil, no contexto mais desfavorável. A escolha de Deus e as provas de Gideão nos mostram essa insistência de sentido que aludimos mais acima.