O tema do infinito é por si só muito
grande para ser tratado de uma forma geral, e acredito que nós como
seres finitos, não poderemos nunca ter uma concepção certa a
respeito deste tema. A discussão sobre o infinito é um tema
bastante antigo e vemos a referencia a este tema desde os poemas de
Homero e Hesíodo. Alguns
filósofos também trabalharam a questão do infinito em seus
escritos, e todos eles buscaram conceber a ideia de infinito dentro
de um contexto que lhes eram inerentes.
Vemos
que o tema do infinito permeia toda a história da filosofia; desde
os primeiros escritores gregos até os dias de hoje. No entanto a
concepção de infinito que mais perdurou foi a ideia Aristotélica
de que o infinito coincidiria com o vácuo. “Tudo aquilo que existe
tem um lugar” afirmava Aristóteles. Portanto a concepção de algo
pudesse existir sem ter em si um lugar era algo inconcebível dentro
do contexto do renascimento. A visão que perdurava era a de que o
universo era algo que continha todas as coisas e que não era contido
por nada. Seria portanto como um vaso que contém várias coisas
dentro dele, mas ele mesmo não é contido por nada.
Durante
o renascimento o tema do infinito também gerou muita discussão, e
levou vários filósofos à morte, dos quais o mais conhecido é
Giordano Bruno. Giordano Bruno apresenta uma dura crítica à posição
Aristotélica sobre o infinito. Tentarei neste pequeno texto expor
as idéias de Giordano sobre o infinito e considerar em que aspectos
ela se difere da posição Aristotélica.
Giordano,
começa seu texto sobre o infinito colocando as posições que
estavam em discussão em seu tempo. Como que o universo pode ser
infinito ou finito? Por meio de quatro amigos que irão discutir o
assunto Giordano coloca a sua posição sobre o infinito.Giordano
acreditava que o infinito existia, ao contrário do que pensava
Aristóteles, mas ele não poderia ser percebido pelos sentidos mas
somente pela razão; os sentidos serviriam apenas para estimular a
razão pois a verdade não está nos sentidos. Segundo Aristóteles,
o mundo se encontra em si mesmo, e não em algum lugar, sendo assim,
o mundo se encontra em lugar nenhum.
Giordano
acreditava que fora do convexo do primeiro céu, deveria haver alguma
coisa aonde o mundo estaria subsistindo. Giordano coloca que, se o
mundo se encontra em Deus, fica da mesma forma difícil de explicar
como que uma coisa que não é dimensionada pode estar contida em
algo não dimensionado. É interessante, que a questão que se coloca
aqui, é uma concepção aristotélica de que aquilo que existe tem
obrigatoriamente que ter um lugar, escapando assim da noção de
vácuo. O que Giordano coloca em questão é que o mundo não
necessariamente precisa estar contido em algum lugar, supondo a
existência de um vácuo, onde esse mundo estaria existindo.
“É
ridículo afirmar que alem do céu não exista nada, e que o céu
existe por si mesmo.” ².
Essa frase expõe a posição de Giordano
sobre o a condição do mundo; O problema exposto por Giordano
consiste no fato de que provar o que está dentro, não prova que não
exista nada do lado de fora. Giordano coloca a questão do vácuo em
xeque quando coloca que ao admitir que além do convexo do primeiro
céu não há nada, isso implica em aceitar um vácuo que seja
informe e limitado deste lado em que se encontra o universo. Cai-se
no mesmo problema, pois como que o vazio pode conter um corpo
continente?
Essa
pergunta se refere ao conceito aristotélico, de que aquilo que
existe, só existe se estiver em algum lugar. O que Giordano coloca é
que se eu afirmo que fora do mundo existe o nada, e no nada, qualquer
coisa pode existir, pode haver outros planetas iguais ao nosso. O
que Giordano diz nesta altura do diálogo é que o vácuo não tem
como repelir nem receber um planeta, sendo assim a nossa razão tem
como conceber a ideia de um universo infinito com outros planetas
que lhes são subjacentes. A discussão agora se coloca na questão
da plenitude do universo. Se assumirmos que ele é auto-suficiente
pelo fato de fazer o que precisa, é bastante razoável que o
universo seja pleno. “Onde não existe nada, nada lhe pode ser
contrário” ³ . Giordano coloca aqui, que esse mesmo mundo que
existe neste espaço o qual estamos chamando de perfeito, poderia
existir em outro espaço, que se fosse o qual, também o chamaríamos
de perfeito. O nada portanto dá essa amplitude de poder colocar tudo
dentro dele. Sendo assim Giordano conclui que “O universo será de
dimensão infinita e os mundos serão inumeráveis”.
Feito
essa asserção sobre o infinito das coisas corpóreas, começa-se a
discutir a noção de Deus, dentro desse contexto de infinito. É
importante ressaltar que a visão tomista de diferenciação entre
infinito, absoluto era aceita. Segundo o tomismo Deus não poderia
ser infinito pelo fato de no infinito sempre se pode acrescentar
algo, dando a ideia de uma coisa imperfeita; e em Deus não pode ser
concebida a ideia de imperfeição. Giordano afirma que é
necessário que para a forma divina haja um simulacro infinito no
qual todas as coisas infinitas existiriam nele. Há aqui um indício
da discussão que tomaria um rumo mais analítico no século XX, que
é a teoria dos conjuntos infinitos, que conteria infinitas coisas
dentro do sistema. Uma discussão interessante sobre o tema pode ser encontrado no livro "Lógica dos mundos" de Alain Badiou.
Giordano
afirma que assim como existem vários graus de perfeição para
explicar a excelência divina, assim também deve haver infinitos
animais, que para os conter seriam necessários infinitos mundos, e
como conseqüência um espaço que seja infinito, o qual é contido
dentro de um ser divino que também deve ser infinito. Percebe-se
assim uma teia onde ilustra um conjunto de conjuntos infinitos. Não
podemos dizer que esse mundo poderia ser considerado perfeito dentro
da esfera que ele mesmo alcança, pois possui uma certa perfeição
das coisas. Este conceito, Giordano afirma que podemos dizer, mas não
podemos provar, pois não temos conhecimento sobre os outros mundos,
para dizer que aquilo que temos aqui seja realmente o que há de
perfeito. Com essa argumentação Giordano acaba com a noção de
lugar como concebida por Aristóteles e seus discípulos. A noção
de mundo como algo que contém todas as coisas e não é contido por
nada é totalmente descartada por Giordano.
O
argumento de Giordano passa para a esfera do religioso, e a ideia de
Deus surge a partir desse ponto da discussão. O universo infinito é
tido aqui como fruto de um ser infinito que o fez assim pelo fato de
ser melhor do que faze-lo finito. O argumento de Giordano se pergunta por que Deus faria o universo finito sendo que ele poderia te-lo feito
infinito, uma vez que para a divina potência que pode fazer todas as
coisas, o fazer infinito ou finito é a mesma coisa. Por que Deus
preferiria limitar sua magnitude ao criar algo finito e não
expandi-la, mostrando assim ser um pai fecundo, gracioso e belo?
A
potência divina tem, portanto, a necessidade de criar novos mundos
para escapar do vácuo. O
que é infinito não pode fazer outra coisa senão aquilo que faz, e
isso que faz é infinitamente pré estabelecido. Após essa discussão
que foi brevemente tratada aqui, passo a discutir agora a noção de
primeiro princípio que move as coisas e que é uma discussão antiga
que vem desde os pré-socráticos e foi tratada também por
Aristóteles, o qual concebeu a idéia de primeiro motor.
Segundo
Aristóteles, esse primeiro motor seria aquilo que move o mundo e não
é movido por nada. O que Giordano coloca em questão é que o
primeiro motor não move o universo, mas sim que ele dá o poder ao
universo para que ele se mova pela sua própria alma. O universo
então possui dois princípios ativos de movimento: um que é finito
que age segundo a razão e o outro infinito que age segundo a razão
da alma do mundo.
Neste
pequeno esquema do texto de Giordano Bruno, podemos dizer que o
infinito como concebido por ele, é uma necessidade de ordem divina e
de ordem lógica, pois o universo finito seria uma afronta a ideia
de um Deus infinito que cria coisas conforme ele quer. Limitar o
universo é limitar o poder de Deus, o que é algo inconcebível
dentro do contexto social do renascimento onde Giordano está
inserido. Por causa dessa afirmação de outros mundos, universo
infinito, e demais coisas é que Giordano Bruno foi morto em 1600
pela igreja queimado em uma fogueira.
O texto de Giordano Bruno, caso queiram ler pode ser encontrado na seguinte edição:
BRUNO,
Giordano- Os Pensadores : Sobre o infinito, o universo e os mundos.
Pag. 17 Tradução de Helda Barraco, Nestor Deola, Aristides Lobo –
2ª edição- São Paulo – Abril Cultural, 1978.