quinta-feira, 8 de março de 2018

"Nós lutaremos até vencer!"




Dia 08 de março se comemora o dia internacional da mulher; é um dia para lembrar as lutas de várias mulheres do passado e ainda lembrar que há muito para ser conquistado no presente em relação a direitos, oportunidades, etc. Neste sentido que a tônica contemporânea de celebração desse dia deixou de ser a mera felicitação pelo dia das mulheres, mas a constante lembrança de que é preciso urgentemente mudar a forma como as mulheres são tratadas dentro de uma sociedade machista. Obviamente que já podemos perceber alguns avanços, que mesmo sendo extremamente parcos do ponto de vista do todo ainda assim acredito que devam ser celebrados como um trilhar ainda modesto em direção a um outro tipo de sociedade. 

A meu ver, algo interessante a se notar é que como já notaram diversas pessoas, a crítica à sociedade machista deve necessariamente incluir uma crítica às condições materiais de existência que fundamenta uma sociedade machista. Neste sentido é bem óbvio para todos nós que o capitalismo em suas diversas acepções é extremamente machista, e mais que isso, se pauta por uma lógica machista da totalidade, do Todo. Aqui seria interessantíssimo pensar como que a própria noção de "Capital" remete à essa dimensão de totalidade ao colocar tudo em função de si, o que gera uma articulação espectral interessante entre o mundo das coisas e uma espécie de "totalidade onipresente do capital". Algo que a psicanálise lacaniana nos ajuda a entender é exatamente essa diferenciação na relação do sujeito com o mundo que é submetido em última instância à dinâmica da sexuação. Lacan vai propor aquilo que ficou conhecido como "tábua da sexuação" que nada mais é que tentar explicar como se daria a sexuação em homens e mulheres para além de uma questão meramente biológica. A ideia é que a sexuação masculina, por orbitar o falo (o falo aqui entendido não como o órgão masculino, mas como significante que organiza a relação do sujeito com o mundo) se pautaria pela noção de totalidade, ou seja, se pautaria pela tentativa constante de apreender a totalidade e organizar o mundo a partir dessa noção. No caso da sexuação masculina "Existe pelo menos um homem para quem a função fálica não incide", ou seja, esse é o Pai de Totem e Tabu que não está submetido a nenhuma lei. É neste sentido que dizemos que a lógica masculina seria a lógica do todo. 

Do lado feminino a sexuação se daria pela lógica inversa, ou seja, a lógica do Não-Todo. Neste sentido que Lacan é capaz de dizer que a Mulher é não-Toda, e até mesmo que "A mulher não existe", ou seja, se pelo lado masculino haveria a figura do pai primordial, o pai que funciona como espécie de "modelo" para a ação, para quem a lei da castração não incide; já do lado da Mulher não existe uma Mulher primeva a quem a castração não incide; Ou seja, não existe uma mulher ideal, e isso inviabiliza falar de "todas as mulheres".  A mulher neste sentido é sempre construída individualmente, sem nenhuma ponte que a liga à mulher ideal-não-castrada-exceção-à-regra. Neste sentido que dizemos que a Mulher é não-Toda, ou seja, a lógica feminina é a lógica da individualidade e não da totalidade. 

Neste sentido, a partir da tábua da sexuação de Lacan, é interessante pensar que algumas demandas tipicamente do universo feminista tem em sua prerrogativa aquilo que chamamos de "lógica masculina".  Os conceitos como "sororidade", "direitos fundamentais", etc. partem do pressuposto de que é possível pensar uma espécie de "mulher ideal" ou até mesmo "direitos ideais" que deveriam valer para "todas as mulheres". O que está por trás disso é aqui uma lógica da totalidade, ou seja, uma lógica tipicamente masculina. A partir do momento que se assume que a mulher se constitui sempre na individualidade, que a mulher é sempre uma construção caso-a-caso as noções de "sororidade" e "direitos fundamentais" necessitam serem repensados para que possam entrar como ponto de insurgência contra a estrutura que gera o machismo e não meramente a sua reprodução sob uma ótica feminina. O alcance dessa lógica feminina é enorme, pois ela inverte noções caras ao ocidente e possibilita um reconfigurar da própria estruturação social. As noções de "Deus", "religião", "direito" e vários outros que sustentam uma sociedade de lógica machista, quando repensados sob uma ótica feminina se reconfiguram drasticamente. É neste sentido que penso que as pautas feministas se tornam uma arma importantíssima de crítica social, pois tocaria na estrutura que gera uma lógica machista sendo capaz de inverter isso a partir de dentro, ou seja, a partir da própria constituição que possibilita uma lógica machista. Sem dúvida alguma a revolução, a instauração de uma nova ordem mais justa deverá necessariamente ser feminina.

O dia internacional da mulher mostra-se como um símbolo de que é possível inverter uma lógica que se pauta pela totalidade, é possível, partindo da especificidade de cada mulher, propor uma mudança na estrutura social que seja capaz de reconstruir um mundo em que as mulheres não sejam exploradas, subjugadas, diminuídas, estigmatizadas, etc. Neste dia de luta que possamos lembrar de que cabe não apenas às mulheres a transformação da sociedade, mas cabe a todos nós lutarmos por uma sociedade mais justa e digna. Claro que às mulheres, enquanto parte que mais sofre, cabe o protagonismo pela mudança, no entanto, não nos esqueçamos que em prol de uma causa justa, todo tipo de ajuda se torna bem vinda e estabelecer divisões ao invés de ajuntamentos pode levar a exatamente o oposto do que se visa. 

Tenho o privilégio de ter sido criado por uma mulher maravilhosa, exemplo de luta, ser rodeadas de mulheres maravilhosas, exemplos de luta, de construção de um mundo melhor, de resignificações, mulheres que fazem a diferença por onde passam e que mostram a cada dia que é possível no caso a caso construir um mundo melhor, mais justo, mais pleno, um mundo mais igualitário para todos. A estas mulheres, a estas que na sua individualidade mudam e reestruturam o mundo são a quem dedico este texto. Que sirva como uma singela homenagem e um ponto de reflexão para a luta que é árdua, que é diária, mas por isso mesmo trará vitórias cada vez mais expressivas. Como diz o cartaz da foto "Nós lutaremos até vencer!"

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