quarta-feira, 20 de julho de 2011

Enquanto se espera



Ele chega e espera, e enquanto espera nada mais faz que pensar.
Pensa na vida, pega um livro, folheia, pega outro, folheia novamente
Assuntos do seu interesse, nada que interessaria muitas pessoas.
Entra na livraria e encontra um livro do Paulo Brabo, começa a ler e gosta.
Fica ali um bom tempo se deleitando e se indentificando com o autor.
Boa escrita, bom tema e as horas passam rapidamente.

Na mesma sessão encontra um livro do Ratzinger. Folheia e percebe que há um diálogo ecumenico proposto pelo papa na introdução do seu livro. Desfaz algumas visões que ainda persistiam sobre o papa.

Encontra um livro sobre 4 livros apócrifos, inclusive o livro de Enoch. Folheia também e isso lhe faz pensar também.

Reflete sobre várias coisas enquanto espera. Pega um livro que estava na sua mochila, levado para o diálogo e começa de onde havia parado da última vez que abriu o livro. O livro é sobre Freud e a religião. Ele gosta do que lê, afinal, é a área que estudou com mais afinco.

Tudo isso enquanto espera.


E as horas passam, e a espera continua. A pessoa esperada não chega.
Aconteceu alguma coisa, mas infelizmente ninguém sabe o que houve. Apenas se sabe que a pessoa esperada também espera uma pessoa que não chega. E o que será que ela, que espera, terá feito em sua casa?
Será que lá também pensou em várias coisas assim como quem a esperava pensou em várias coisas?
Sobre o que pensou?
Será que abriu algum livro e folheou enquanto esperava? Será que comeu algo, viu alguma coisa?

Várias coisas podem acontecer enquanto se espera.

No final, ambos esperaram. Ele, depois de muito esperar, foi embora triste por não ter dialogado com a pessoa querida em um dia especial. Coincidentemente era o dia do amigo, mas a amiga não apareceu, pois quem ela esperava nao chegou a tempo.

E quando será que dialogarão?
Será que algum dia isso sucederá?
As duas últimas tentativas não deram certo, ficaram apenas no campo das idéias sem efetividade material.
A esperança persiste, e por enquanto é a única coisa que eles tem em comum além da vontade de que o diálogo finalmente aconteça depois de 1 ano de espera.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Despedidas







Às vezes são os outros que vão, às vezes somos nós que temos que ir.
Em toda despedida tem um quê de alegria e um quê de tristeza.

Alegria por estar indo, descobrir novas coisas, experimentar novos desafios, avançar em algum sentido, mudar para outros horizontes, criar a expectativa que o novo será melhor.

Tristeza por ter que deixar os laços criados, as amizades feitas, o cotidiano ao lado das pessoas, a cumplicidade adquirida. Saber que não mais verá aquela pessoa especial que foi e é tão importante em nossa vida.

As chegadas e partidas acabam por fazer o que nós somos. Temos que lidar com elas se quisermos amadurecer como humanos. No entanto, penso que também devemos "sofrê-las". Evidenciar que algo está mudando, sentir a perda dos momentos que não mais se repetirão.
Colocar marcos para lembrarmos. Marcos estes que nos farão olhar para trás e saber que naquele momento algo de importante aconteceu conosco. Uma nova fase se iniciou, um novo percurso foi iniciado e as coisas não foram mais como elas eram...

Sob o adágio: "é a vida", não se pode colocar todas as coisas. Afinal, por trás deste adágio se encontra toda uma dinâmica de resignação que não deve ser incentivada. Claro que tem coisas que "a vida" é responsável, mas para a maioria das outras, nós o somos.

O adágio "é a vida" talvez seja uma tentativa para que não soframos. Colocamos as coisas sobre uma dimensão maior, personificamos "a vida" de forma que ela aparece como algo que "sabe o que está fazendo". Mas a proposta aqui é para que soframos com os momentos de tristeza e alegremos com os momentos de alegria. A proposta bíblica já diz isso. Alegremos com os que se alegram e choremos com os que choram.

A proposta não é esconder a dor, tentar "animar", tentar fazer com que o momento seja menos doloroso do que se é, não é isto. A proposta é para que aprendamos que há momentos em que se deve "chorar com os que choram", viver as experiencias tristes com a mesma intensidade dos momentos alegres. Sem sofrer demais ao ponto de parecer auto-comiseração, nem fingir que a dor não existe. Virtude esta que só aprendemos com a prática.

Os marcos se tornam importantes por este motivo. Para colocarmos tais marcos é preciso esforço, é preciso empenho, e com isso os momentos ficarão guardados. Sem contar que os mesmos marcos nos darão "direções" caso tenhamos que passar pelo mesmo caminho outra vez.

As despedidas marcam sempre o fim de uma etapa, e com este fim abre-se a esperança de um novo recomeço. Se será melhor ou pior não podemos dizer, podemos apenas confiar que o futuro será melhor que o passado.

Recentemente vivi as duas experiências. Me despedi e despedi de alguém, em ambos os momentos, as experiencias foram tristes, mas a esperança de que o futuro será melhor persistiu.

Sofri e sofro como quem perde o contato com pessoas maravilhosas, que gostaria que sempre estivessem ao meu lado, que gostaria que nunca ficassem longe, ou fossem para longe.

Não direi que é a vida. Sofrerei como quem sofre a despedida, mas quero confiar que os que vão encontrarão algo melhor.

Sofrerei também como aquele que partiu e deixou pessoas a quem amava. E para elas, fica o meu desejo de um futuro melhor. Sei que elas sofrem também pela minha partida, assim como eu sofro por aqueles que partem.

Fiquem em paz, queridos alunos do Elite de Ipatinga. (Aqueles que ficaram)
Vá em paz, querida Ana. (Aquela que partiu)

Fabiano Veliq (Aquele que partiu, e aquele que ficou)


terça-feira, 5 de julho de 2011

A culpa cantada




E de repente, os olhos se elevam, a boca começa a emitr sons melódicos, mas seus sons revelam uma culpa inescrutável. A tentativa de alcançar um outro se perde e fica-se sozinho, tendo apenas a si mesmo e um ser que será nada além que um juiz cruel ...


Outro dia fui no culto na igreja que costumava ir todos os dias e agora, por uma série de motivos não vou mais com tanta frequencia. Reparei algo curioso e comecei a reparar isto em todo o meio evangélico.
A relação entre as músicas que são cantadas na igreja e o discurso que é pregado. Algo interessante a se notar em várias músicas cantadas é a sua extrema filiação à dinamica do antigo testamento. Não é pouco frequente vermos as músicas fazendo alusão ao "templo", "santos dos santos" falando de um afastamento quase que intransponível entre o homem e Deus. Percebe-se um esquecimento de todo o sacrifício do Cristo em virtude de romper com as "estruturas" do templo.
A divisão entre Deus e o povo que era mediado pelo sacerdote fica representada nas músicas. Os "sacrifícios", mas neste caso "de louvor" são incentivados. A separação onde Deus está lá no céu e o homem aqui na terra é ressaltado em várias músicas. Agora, é sintomático o porque este evento acontece.

Foi pra liberdade que Cristo nos libertou já nos dizia Paulo. No entanto, o cristão não consegue ser livre, mas procura remeter sempre sua prática à estrutura do Antigo Testamento.

É como se tal postura o desse uma proteção mais proeminente do que a proposta do Cristo. Tem uma música específica que me veio a memória que tipifica isto que estou querendo dizer:

"Senhor leva-me aos teus átrios, ao lugar santo, ao altar de bronze, senhor teu rosto quero ver.
Tira-me da multidão, leva-me onde o sacerdote canta. Tenho fome e sede de justiça e só encontro em um lugar.
Leva-me ao lugar santíssimo, pelo sangue do cordeiro redentor, toca-me, limpa-me, eis-me aqui".

É claríssima nesta letra a associação direta à estrutura do Antigo testamento.

A figura do templo, do sacerdote, do altar. No entanto, foi esta estrutura que foi rompida com o sacrifício do Cristo. Ele como sumo sacerdote rompe com esta necessidade tipificada na música. Sem contar que a estrutura que coloca um Deus distante também é rompida com a nova proposta do Cristo, que afirma que Deus habita em nós. Somos "templo" do espírito, mas não mais um templo feito com mãos humanas, mas um templo que se encontra no coração do homem.

Esta internalidade abre para a perspectiva da liberdade. Enquanto a estrutura do templo prendia o homem dentro de um "lugar específico", a proposta do Cristo abre para outra perspectiva.
Tal dinamica fica muito explícita com a Samaritana e sua inquietação quanto ao "lugar da adoração", que Jesus rapidamente dissolve. O Pai procura aqueles que o adoram em espírito e verdade.

Não há um "lugar para adorar". A liberdade se coloca como condição do humano para lidar com Deus. Mas se o homem se nega a relacionar com Deus em liberade, percebe-se uma deformação neste tipo de relacionamento. É como se houvesse sempre uma culpa pairando no ar que impede que a estrutura do templo seja desfeita na mente do evangélico. Há algo presente nesta relação que seria interessante ser estudado.

Se a estrutura do templo continua viva nas canções, com certeza ela está viva na mente do homem. Esse Deus que é "adorado" por meio destas músicas se faz distante deste que o adora. Afinal, este Deus cantado habita "os altos céus", está "acima, nas nuvens".

Uma vez que tais músicas fazem parte da vivencia evangélica, é claro que elas interferem na forma como o cristão se relaciona com Deus e como ele se relaciona com o mundo. Um Deus distante, exige distancia do mundo para que ele seja encontrado. Um Deus longe exige que todo esforço do homem seja em buscá-lo com afinco. Um "separar-se" para que finalmente possa "habitar com Ele no céu". As músicas refletem esta relação de uma forma muito interessante.

Mas, o que fica evidenciado em todo este afã com que se cantam tais músicas? Dentre outras coisas, fica evidenciado a renúncia da vida em liberdade oferecida pelo Cristo. A tentativa de retorno às estruturas do antigo testamento, (o templo, o sacerdote, o sacrifício) acaba por se tornar uma tentativa desesperada de amparo diante de uma realidade onde tais estruturas não exercem mais a função que exerciam no antigo testamento. O autor de Hebreus já ilustrava estas figuras do antigo testamento como "sombras das coisas que viriam". No entanto, ao contrário do que se esperaria, a prática de um "afastamento na busca desse deus encontrado apenas distante" é incentivada em várias igrejas evangélicas. Não raras vezes ouvimos os ministros de louvores dizendo coisas do tipo: "Viemos aqui pra te buscar, Senhor", "Se revela a nós", "vem habitar conosco", "Leva-nos Senhor, ao santo dos santos para que possamos te adorar".... CDs são gravados repetindo esta tentativa de amparo a partir de uma estrutura que o próprio Cristo fez questão de romper.

Talvez a negação da liberdade seja um dos maiores problemas do mundo evangélico atual. E paradoxalmente esta dinamica acaba se evidenciando em uma postura "libertina". Abre-se mão de um relacionamento livre com Deus para vê-lo como "ser-que-vigia", "ser-que-pune", mas ao mesmo tempo, na esfera da vida pública é como se esse Deus não existisse. A ausencia de um relacionamento baseado na liberdade acaba por provocar a necessidade de uma constante "vigilancia" onde o crente precisa cuidar de tudo o que faz para que não seja punido por aquele ser distante que está sempre de olho.

Ao mesmo tempo que o universo metafísico traz o amparo e o consolo diante da realidade, coloca a culpa sobre o indivíduo que precisa sempre fazer coisas para que seus pecados sejam expiados. Esta dinamica foi muito bem analisada por Freud quando propõe uma análise da religião.

Cria-se com Deus uma relação infantil, onde Ele aparece como aquele que sempre livrará o homem dos terrores do mundo, fará com que ele "caminhe em vitória". O pai é desejado como amparo diante da realidade. E não é este o relacionamento com o pai proposto por Jesus. Este via o pai não como alguém que sempre estaria ali, muito pelo contrário, ele mesmo enfrentou o desamparo (Deus meu por que me desamparaste), e mesmo assim, Deus continuou sendo pai. A relação de Jesus com o pai se baseava na liberdade e talvez por isso escandalizasse tanto os doutores da época.

Há alguns que abordam a questão das músicas como "licença poética". Particularmente sou contra a idéia de transformar inconsistencias teológicas em licença poética, e penso que tal licença não seja desculpa para se formular músicas, que se analisadas, imprimem mais uma estrutura repressora do que propriamente um momento de aproximação com Deus.

Muito me preocupa tais músicas, afinal, a música alcança lugares onde a mera palavra não alcança, e o que se canta reflete o que se pensa, reflete a forma como se vê as coisas, como se vê o mundo.

A reforma foi cantada antes de ser pregada, e isto é importante, afinal, o protestantismo sempre se caracterizou por cantar os atos de Deus. Agora, quando estas músicas passam a refletir uma noção de culpa recalcada que desemboca em um Deus distante que tole a liberdade humana para se fazer deus, é preciso que algo seja feito.

Como o próprio Jesus já advertiu: "A boca fala do que está cheio o coração", se o coração do cantante está cheio de culpa, é porque de alguma forma isto habita o coração dele. E até que ponto não seriam as próprias músicas cantadas por ele que imprime nele a culpa que depois ele mesmo cantará tentando se aproximar desse deus que a própria música fez parecer distante?


Muito poderia ser dito aqui, mas o texto ficaria extremamente grande, talvez uma continuação em outro texto seja o mais apropriado... quem sabe?