Althusser , em
sua última filosofia, faz uma crítica a vários conceitos do
materialismo dialético entre eles o conceito de “origem-fim”. Althusser critica esse conceito
afirmando que o tipo de materialismo que isso visa não passaria de
um idealismo. A filosofia de Althusser não parte de problemas
filosóficos, mas pretende eliminar esses problemas para começar de
um vazio filosófico.
Para Althusser, um materialismo que
visa uma teleologia, no final não passaria de um idealismo, uma vez
que a própria origem será vista já visando um fim. A origem é
construída a partir de um fim. A crítica de Althusser parte de um
vazio filosófico para poder a partir daí construir algo que não
seja um idealismo. É preciso portanto desconstruir o conceito de
origem-fim para que se possa entender o mundo como um processo
aleatório.
O filósofo desloca portanto a ideia de
mundo necessário e coloca em seu lugar a contingência. A
contingência não seria apenas uma modalidade ou uma exceção
dentro de um mundo necessário, mas o necessário é constituído a
partir de encontros de contingentes. Os acontecimentos contingentes é que
geram o que se torna necessário e não o contrário. O mundo
portanto nada mais é do que encontros aleatórios que geram
necessidades a partir disso. O mundo não é conseqüência de um
princípio-ordem, uma ordenação, um logos do mundo. Ele é apenas
um fruto de uma conjuntura-acontecimento (Nessa mesma linha desloca a filosofia de Badiou em "Ser e evento" tentando mostrar como se daria a "lógica do mundo" a partir da noção de "acontecimento).
O mundo nesse sentido continua sendo
objetivo e independente em relação ao sujeito, no entanto ele não
é assim por causa de um princípio que ordena as coisas, mas ele é
fruto de um encontro que poderia ter acontecido de outra forma. Segundo Althusser, todo estado do
mundo pode ser mudado de maneira imprevisível acrescendo ou
subtraindo algum elemento no mundo. Não tem como estabelecer leis da
história, o máximo que podemos fazer será apenas extrair do mundo
algumas constantes e tendências pelo hábito que temos de ver as
coisas acontecendo como acontecem. Althusser portanto caminha na
contramão de uma filosofia idealista. Não há um fim nas coisas. Há
apenas acontecimento-conjunção em uma formalidade vazia.
Algo que fica claro na proposta de Althusser é que, para ele, o materialismo do encontro não critica
apenas o fato do idealismo ser regido pelo principio da razão. Este
seria um instrumento de poder político, de imposição de suas
verdades, e que a tradição racionalista da filosofia mascara como
sendo o poder da “Verdade”. A filosofia reconhece a realidade
exterior, mas estabelece com esta uma relação de apropriação. O
conceito se impõe à prática, tenta colocar a verdade da filosofia
(suas ideologias política, religiosa, moral e estética) como sendo
sua verdade. A realidade é tragada e reformulada segundo este
princípio da razão sem que sua natureza própria seja levada em
conta. Pelo contrário, é preciso corrompê-la para que o domínio
da verdade da filosofia se efetive.
O materialismo aleatório não exerce
sobre as práticas uma “violência do
conceito”. Elas são justamente aquilo que pode questionar a
filosofia, seu outro, algo que está aberto a contingência do
acontecimento e da experimentação, indeterminado em relação a um
objetivo último. A crítica da filosofia idealista e do princípio
da razão tem por objetivo livrar os campos filosófico e histórico
da submissão que as categorias filosóficas (princípio de razão,
como conceito-verdade, e as noções de Sentido, de Sujeito, de
Substância e de Origem-Fim) impõem às práticas sociais dos
homens. A partir da desconstrução que
materialismo do encontro faz da maneira idealista de pensar, seus
elementos teóricos tornam-se como os átomos que caem no vazio do
clínamem,
instâncias passíveis de novos encontros e combinações. O
materialismo aleatório promove a abertura do acontecimento, a
possibilidade de outros mundos filosóficos.
A proposta althusseriana se mostra extremamente interessante para pensarmos as relações humanas e a própria relação do homem com a religião. Obviamente que Althusser não era um religioso, e sua proposta materialista de cara já elimina qualquer proposta metafísica por parte dele relegando qualquer adepto de sua teoria ao ateísmo. No entanto, a sua proposta de um encontro aleatório para além de uma noção de origem-fim é uma proposta vigorosa na nossa época contemporânea ausente de referenciais teóricos. A ausência de um princípio organizador e a ausência de um télos no mundo coloca o indivíduo diante de um grande vazio que clamará por algum tipo de preenchimento, mesmo que parco. Neste sentido a própria filosofia poderá se colocar como uma tentativa desse preenchimento, mas não no sentido de "organizar o mundo conceitualmente", mas tendo como tarefa abraçar toda a aleatoriedade do mundo. No entanto, talvez haja outras saídas para além das filosóficas para tentar lidar com a aleatoriedade e é exatamente essa a proposta instigante que Althusser nos relega.
Será que a religião seria capaz de oferecer algum tipo de resposta à aleatoriedade sem ter como meta eliminar tal aleatoriedade? Como seria uma religião que abarcaria a aleatoriedade althusseriana? E o conceito de "Deus"? Como ele seria pensado a partir dessa proposta? Resta a ele apenas sair de cena em um materialismo cego, ou será que há a possibilidade de pensar tal conceito a partir da noção de aleatoriedade? Essas são perguntas obviamente sem respostas ainda, mas que instigam o nosso pensamento.