Os tempos atuais não são dos melhores no Brasil. Os constantes desmantelamentos dos direitos, as perdas constantes de conquistas seculares dos trabalhadores e tudo isso regado com extremo cinismo por parte do congresso e por parte do governo ilegítimo que usurpou a presidência da frágil república brasileira.
Na minha opinião, depois das inúmeras tentativas de diálogo sem sentido, depois das inúmeras manifestações pacíficas que tomaram conta das ruas de todo o Brasil , depois de inúmeras análises feitas por sociólogos, filósofos, cientistas políticos todas elas sem nenhum efeito, a única forma viável de se conquistar, ou melhor não perder mais direitos e reconquistar os já perdidos será a luta armada encabeçada pelos trabalhadores que partirão novamente para as ruas, mas agora não mais pacificamente, mas dispostos a enfrentar diretamente um poder que não mais os representam.
A democracia representacional, pelo menos no Brasil, tem se mostrado extremamente frágil e muito pouco representativa dos interesses da maioria dos trabalhadores brasileiros. O que se vê é um congresso cada vez mais se colocando contra o povo votando diversas medidas que prejudicam de forma acintosa a dignidade dos trabalhadores. Os exemplos mais recentes são a reforma da previdência e recentemente a lei da terceirização que precariza ainda mais as relações de trabalho e literalmente "rasga" a CLT em nome da agenda neoliberal.
Diante de um quadro de completa desesperança em que a única coisa que se vê é a perda constante de direitos, apenas um último grito de esperança por meio da ação efetiva se coloca como opção para os trabalhadores em tempos tão hostis. No entanto, é óbvio que a classe trabalhadora não se coloca como uma classe homogênea. Os trabalhadores são muitos, são vários, são diversos e uma pauta geral que englobaria a todos eles seria extremamente difícil de ser adquirida, no entanto, penso que o momento não seja o da polarização estúpida que se vê incessantemente nas redes sociais, mas um momento de união dos trabalhadores em nome da luta que favorecerá a todos. Desde o trabalhador mais qualificado ao menos qualificado. A consciência de classe (da qual tanto falava Marx) se faz cada vez mais necessária em nossos dias. Afinal, é somente a partir dela que uma luta organizada e de peso pode surgir. Enquanto essa mobilização não se der de forma mais organizada os direitos dos trabalhadores continuarão sendo tomados.
Dentro da ala cristã há sempre uma ressalva em se apelar para a violência, pois guarda-se ainda a ideia de que o "povo de Deus" deve se manter sempre pacífico, lutando apenas em esferas metafísicas, ou quando muito lutando de forma a evitar a violência em todas as suas esferas. No entanto essa posição tipicamente "cristã" se esquece que esse caráter agressivo faz parte da própria natureza humana e várias vezes ela será extravasada de diversas formas. Negar a agressividade do homem é negar a ele uma parte constitutiva de sua natureza. Dessa forma deve-se levar em conta a agressividade humana na hora de pensar a forma que esse sujeito deveria agir.
Há um exemplo bíblico muito conhecido da passagem em que Jesus expulsa os cambistas do templo de Jerusalém os acusando de ter tornado a casa de Deus em um covil de salteadores. (Mt 21,12-13 e Jo 2,13-17) Algo que salta aos olhos nessa passagem é o fato de que Jesus faz um grande uso da violência em nome de uma causa que, em sua concepção, merecia que a violência fosse aplicada. Algo que esse episódio nos mostra é que às vezes o recurso à violência é legítimo quando o que está em jogo é um motivo maior que esteja sendo ameaçado. No exemplo de Jesus o "zelo da casa de Deus o consumia"( Sl 69,10) como relata João, de forma que em nome desse zelo a violência se mostrou legítima. Ao expulsar os vendedores de pombas, os cambistas do templo a violência que estava embutida no ato trazia consigo um grito pela restauração do sentido do templo no contexto judaico. Não foi uma ação destituída de sentido, mas um gesto de luta em favor dos que estavam sendo prejudicados pelo comércio exploratório que se fazia ali.
A violência demonstrada por Jesus vai totalmente contra esse ideal pacifista adotado pelos cristãos em todas as situações. O que Jesus mostra é que em alguns momentos a violência é sim uma arma que deve ser usada, e no caso do texto em questão, ela foi usada quando a dignidade do outro estava em risco. Os cambistas no templo cobravam um valor absurdo para a compra dos animais que eram exigidos para os que iam sacrificar no templo e com isso exploravam os mais humildes em nome do "cumprimento da lei" por parte do pobre. Os vendedores do templo feriam a dignidade do pobre que iria ofertar o imputando um comércio em um lugar em que se deveria existir a misericórdia. Jesus indignado com tal situação se pôs a agir por meio da violência, pois apenas ela naquele momento seria capaz de resolver a situação. Jesus não tentou dialogar com os cambistas, não tentou negociar com eles uma forma para que eles diminuíssem o preço dos produtos, ou seja, não adotou uma postura pacífica e dialogal naquele momento, mas passou para o uso da violência derrubando as barracas e expulsando os cambistas. Esse ato de Jesus estranhou enormemente os líderes do templo que se perguntavam com que autoridade ele fazia aquilo, e Jesus prontamente respondeu em forma de parábolas afirmando que ele seria aquele que destruiria o templo e em três dias o reconstruiria, já apontando para a sua morte e ressurreição que aconteceria em breve e que refaria a estrutura do templo.
A busca por uma teologia da violência se mostra talvez mais que necessária em nossa época no Brasil. Nós, cristãos, somos chamados a lutar contra todo aquele que visa ferir a dignidade humana, visa privar o homem da sua humanidade, visa diminuí-lo da sua condição de liberdade, e várias vezes isso deverá ser feito por meio da violência. O cristão não deve temer a violência quando a causa assim o exigir. Como dito acima, a agressividade é uma dimensão natural do ser humano e não pode ser esquecida em nome de uma postura que nada diz e nada faz enquanto tudo se perde no caminho.
Jesus se coloca novamente como um paradigma de que às vezes a violência se faz necessária para que o reino de Deus que é justiça, paz, misericórdia, dignidade se faça presente entre nós. A consciência de classe da qual Marx fala se alia aqui à consciência cristã que se conscientiza de que a violência é sim um caminho legítimo (talvez o último a ser utilizado) para que o homem se mantenha humano.
Jesus no templo tipifica o homem contra a estrutura social já estabelecida, tipifica a luta para que a dignidade humana seja restabelecida. Ali Jesus mostra que nenhuma instituição está acima da dignidade humana, nenhuma ordem social se coloca acima do valor do homem em sua integridade e que em nome desse valor do homem a instituição deve ser destruída, se preciso for, por meio da violência. A proposta de Jesus no nosso exemplo está longe do pacifismo, está longe da proposta dialogal, pois naquele momento isso não é mais possível. A partir do momento que o status quo se coloca de forma inexorável contra a humanidade do homem, contra aquilo que o compõe enquanto humano, tal status quo deve ser combatido. A crítica de Jesus é radical, a proposta de Jesus neste episódio é o uso da violência e ele a usa sem medo, o que nos indica que também nós devemos ser capazes de utilizá-la quando a situação assim exigir.
Que haja luta sempre. E que não nos esquivemos do uso da violência quando ela se fizer necessária. No meu modo de ver, o momento exige isso de nós, os trabalhadores.