Este versículo é em si extremamente interessante e uma leitura muito interessante é a leitura que Mestre Eckhart faz desta passagem. Segundo Eckhart poderíamos distinguir dois tipos de pobreza. A primeira seria a pobreza externa e a segunda a pobreza interna. Neste primeiro tipo de pobreza fica muito óbvio que não é para isso onde o texto aponta principalmente, embora em diversos momentos da vida cristã se tenha enfatizado bastante esse ponto. É muito claro, no entanto, as admoestações que o texto bíblico faz sobre o acúmulo de riquezas e as condenações que diversas vezes Jesus fez para que não se acumulassem tesouros na Terra, mas que o interesse do cristão estivesse voltado para as coisas do reino.
No entanto, mestre Eckhart chama a atenção para aquilo que ele chama de "pobreza interna", ou seja, a pobreza que estaria no espírito dos homens e que o coloca como alguém que não se satisfaz com nada que Deus criou. Neste sentido, Mestre Eckhart extrapola essa noção e afirma que o homem pobre seria aquele que nada quer, nada sabe e nada tem.
No decorrer do seu sermão 52, Mestre Eckhart desenvolverá o que entende por "nada querer", "nada saber", e "nada ter.
Mestre Eckhart inicia o seu sermão afirmando que o homem que nada quer é aquele que não tem nem sequer a vontade de querer cumprir a vontade de Deus. Enquanto o homem conservasse alguma vontade dentro de si, ainda não teria sido capaz de alcançar a pobreza que o versículo propõe. O homem que quiser ter a verdadeira pobreza precisaria estar desligado das suas vontades, pois querer alguma coisa não é ser pobre como o versículo propõe, uma vez que o pobre nada quer.
Algo interessante notar é que Mestre Eckhart entende que a relação do homem com Deus é uma relação de co-pertença, ou seja, Deus só é Deus por causa da criatura e a criatura só é criatura porque está em Deus. Dessa forma, antes de existir criatura, Deus não era Deus, mas apenas era o que era, e quando as criaturas são criadas, Deus não é mais em si mesmo Deus, mas sim Deus nas criaturas. Essa noção de co-pertencimento entre Deus e homem é que permite a Mestre Eckhart propor a noção de pobreza enquanto nada querer, pois segundo Eckhart, "se o homem quiser ser pobre de vontade deverá querer e desejar tão pouco quanto queria e desejava quando não era. É dessa maneira que é pobre o ser humano que não quer nada." (Sermão 52)
Partindo do mesmo pressuposto Mestre Eckhart mostrará que o pobre é também aquele que nada sabe, ou seja, o homem que nada sabe deve viver de tal maneira que nem saiba que não está vivendo nem para si nem para a verdade, nem para Deus, mas deve estar desligado de todo saber que não conhece e nem sente que Deus vive nele, pois quando o homem estava no ser eterno de Deus, não vivia nele nenhuma coisa, mas apenas o próprio homem. Sendo assim falta-lhe o conhecimento de que Deus age nele, pois ele mesmo frui a si mesmo à maneira de Deus. Por este motivo que a pobreza que propõe o versículo também seria uma pobreza que não sabe nada, pois não deseja conhecer nada, nem das criaturas, nem mesmo de Deus.
Em terceiro lugar, Mestre Eckhart nos dirá que o pobre seria aquele que não tem nada, ou seja, ele não possui nenhum desejo, nenhum saber e além disso nada tem; ele é, portanto, desligado de sua própria vontade e da vontade de Deus como quando ainda não era. Dessa forma o homem tão desligado de Deus e de todas as suas obras abre espaço para que Deus aja na alma do homem e o homem sofre a ação de Deus como o próprio lugar de suas obras, pois Deus agiria em si mesmo. É neste sentido que Mestre Eckhart entende a noção de graça de Deus que permite que Deus esteja em nós plenamente, pois não haveria um "lugar" em que Deus agiria, mas agiria livremente. Segundo Mestre Eckhart, onde há um lugar, há diferenciação. Por isso ele pedia que Deus o desligasse de Deus, pois o seu ser essencial estaria acima de Deus. Este ponto da proposta de Mestre Eckhart é extremamente interessante e dá a noção de co-pertencimento uma dinâmica muito própria.
Segundo Mestre Eckhart, o ser que se é está acima de Deus desde que consideremos Deus como origem das criaturas, e naquele ser de Deus em que Deus está acima de todo ser e de toda diferença o homem também esteve, também se quis e se conheceu para se fazer ser humano. Segundo o próprio ser, o homem é eterno, mas possui um ser de acordo com a nascença que é perecível. Esta cisão estaria no cerne da humanidade do homem. Segundo Eckhart
"Com o meu nascimento nasceram todas as coisas e eu era a causa de mim mesmo e de todas as coisas; e, se eu quisesse, não seria nem eu nem seriam todas as coisas; e, se eu não fosse, tampouco seria "Deus. Eu sou uma causa de Deus ser "Deus"; porque, se eu não fosse, Deus não seria "Deus"."
Mestre Eckhart deixa bastante nítida neste terceiro ponto a sua noção de co-pertencimento entre o homem e Deus em uma espécie de vinculação íntima entre Deus em seu ser e o homem em seu ser. Para Eckhart o homem é ao mesmo tempo uma emanação de Deus e uma irrupção Dele. Na emanação de Deus, todas as coisas apontam para o fato de que Deus é, mas ao afirmar isso eu me reconheço como criatura; no entanto, na irrupção, quando se está desligado da própria vontade, da vontade de Deus, de todas as obras e até do próprio Deus, se está acima de toas as criaturas e neste momento não se é nem Deus, nem criatura, antes é apenas aquilo que se era e que se continuará sendo. Na irrupção é dado ao homem ser um com Deus. ("Eu e o pai somos um" (Jo 10,30)). Neste sentido, Deus não encontra lugar no ser humano para se manifestar, pois com essa pobreza o homem alcança aquilo que era desde sempre. Deus é um com o espírito sendo essa a pobreza máxima que se pode encontrar.
Dessa forma é que Mestre Eckhart entende a noção de que os pobres em espírito são bem-aventurados, pois ao não querer nada, não saber nada, e não ter nada, permitem-se serem um com Deus, e não há maior bem aventurança do que ser um com Ele.