Às vezes o caminho será árduo, vislumbraremos apenas pequenos raios de luz. A neblina encobrirá o nosso caminho, e cada passo que tentarmos dar será sempre um ato de fé. Nesses momentos é preciso muito mais que confiança em nós mesmos, é preciso que para além da confiança em nós haja um algo a mais, uma força que nos permitirá agir de forma que cada passo se transforme não apenas em uma continuação da caminhada, mas sim uma decisão.
O lugar para onde caminhamos será sempre incerto. Quem dera de antemão tivéssemos a ciência do exato lugar para onde iríamos. Várias vezes isso pode ser considerado uma benção, mas não raras vezes ficamos como os ciclopes enganados por Zeus vislumbrando apenas o dia da nossa morte, o futuro que se abriria para a esperança se fecha para o fim de todos em um vislumbre que é pura ilusão sem sentido. Não seria isso uma forma interessante de idealização? Não estaria no cerne de toda idealização apenas o vislumbrar da morte da própria idealização impossível na crueza da realidade? Nós, os hipermodernos, que não acreditamos em mais nada ainda mantemos em nós diversas idealizações sobre as nossas realizações.
Idealizamos o trabalho como o lugar em que de alguma forma eu serei reconhecido, farei algo útil, darei sentido à minha vida e a dos outros. Idealizamos o nosso relacionamento afetivo na esperança que ele seja sempre o melhor relacionamento possível, de que seremos capazes de sobreviver a qualquer tormenta, contando que exista amor entre as partes. Idealizamos um mundo em que não haja a necessidade da guerra, da desordem, mas que tudo se harmonize dentro da melhor concepção de mundo possível. Em última instância podemos dizer que todos nós idealizamos as coisas. Aquele que caminha vislumbra que quando chegar até à sua casa estará a salvo de todas as intempéries, e por isso segue caminhando mesmo contra toda a prova. O risco que ele corre é enorme, afinal, não há nenhuma garantia que dentro da casa haverá o conforto que ele procura, nem mesmo se a casa resistirá às intempéries que lhe serão acometidas. No entanto, a única coisa que se pode fazer é caminhar em direção à casa e torcer que tudo dê certo.
O mundo contemporâneo acaba demandando de nós que tenhamos todo o controle sobre todas as coisas o tempo todo, no entanto, essa demanda se mostra impossível pela própria condição do homem e a condição da natureza que se mostra alheia a toda tentativa de padronização. Neste sentido o mesmo mundo que gera em nós a tara pela idealização, pelas causas que "podem ser diferentes" provoca em nós a culpa por não podermos atingi-las. Nesta espiral crescente cada vez mais o sujeito se sente como quem anda sozinho, como que em meio às suas relativizações constantes o único abrigo que encontra é a si mesmo. Quem dera, no entanto, que esse sujeito fosse pelo menos "senhor na sua própria casa" (para usar a expressão de Freud), se se sentisse de fato no controle de suas ações, mas nem isso hoje mais é acreditado pelo sujeito contemporâneo esclarecido. Curiosamente em uma sociedade em que cada vez mais a noção de responsabilidade é alargada (responsabilidade pelo que come, pelo que veste, pelo que fala, pelo a forma como deve agir, etc.), mais o sujeito se mostra na tentativa de se eximir de tal responsabilização por meio de constantes determinismos a que se impõe (social, econômico, teológico, etc.). Neste tortuoso caminho em direção a um lugar onde possa descansar, o sujeito não sabe mais o que o espera.
Um triste diagnóstico desse homem que caminha sozinho em meio a neblina na esperança de alcançar um lugar seguro. Às vezes é hora de aceitar o fato de que não existe mais lugar seguro, não existe mais um meta-relato que sustentará o seu mundo, não existe mais um discurso totalizador que organizará tudo em um universo de sentido, mas o que existe é apenas um caminhar, um ato, uma decisão do sujeito que insiste em criar diariamente o seu caminho em meio à neblina; e nesse caminho vai se descobrindo e descobrindo outros que assim como ele caminha na busca de um lugar onde possa se abrigar para resistir às intempéries. Quem sabe não encontrará um sentido provisório naquela casa que tanto visa alcançar?
A foto que ilustra esse texto foi tirada por um meteorologista russo que viveu em uma expedição no Ártico por 30 anos. Dele não se sabe o nome, não se sabe onde está. Se sabe apenas das fotos. Não seria ele o protótipo do funcionário padrão da atualidade em que a única coisa que importa é o seu produto e nunca a sua identidade?