Uma das modas atuais no mundo acadêmico é o chamado "Pós-Doutorado". Acho importante explicar para quem não sabe o que é isso. Um Pós-Doutorado nada mais é que um estágio; Isso mesmo, um estágio específico em que alguém que terminou o doutorado se propõe a continuar a sua pesquisa sendo supervisionado por algum outro professor vinculado a um departamento de alguma Universidade/Faculdade. Nada mais que isso. Pós-Doutorado não é título acadêmico, mas apenas um estágio. Tanto que o nome oficial é "Estágio Pós-Doutoral".
Se pensarmos bem, a noção de Pós-Doutorado é uma noção extremamente contemporânea para tentar dar conta do excesso de doutores que se formam sem conseguir inserção no mercado de trabalho. Embora a prática de pesquisa pós-doutorais seja algo que aconteça desde sempre nas universidades contemporâneas, a ideia de transformar isso em uma prática "em massa" no meio acadêmico é extremamente recente. Até algum tempo atrás era bastante comum entrar como professor efetivo em alguma universidade possuindo apenas o título de Mestre. (Aqui devo ressaltar que falo especificamente da área de humanas que é a grande área da minha formação. Tenho plena consciência de que em algumas áreas como "saúde", "engenharias" e outras isso nem sempre se aplique por uma questão meramente mercadológica.)
Na área de humanas hoje em dia é praticamente impossível o sujeito conseguir entrar em alguma universidade possuindo apenas o título de mestre, embora saibamos que aconteça. Talvez a grande exceção nessa área de humanas seja a pedagogia em que várias vagas são ofertadas dado o excesso de oferta de cursos em faculdades e universidades. Nas outras áreas das humanas a situação é completamente diferente. Como o mercado para a área de humanas se restringe basicamente às licenciaturas nas quais os salários são baixíssimos (O piso salarial dos professores para 2018 está previsto para ser R$ 2.455,35) e as condições de trabalho nem sempre são das melhores, a maioria das pessoas que formam nessas áreas preferem seguir a pesquisa acadêmica no mestrado, e caso ainda haja fôlego seguir para a pesquisa no doutorado. Do ponto de vista econômico na área de humanas, a promessa de um salário melhor ensinando nas universidades cria a ilusão de que compensa investir 6 anos a mais de estudo (2 anos de mestrado e 4 de doutorado). Neste sentido há um estudo muito interessante que associa a vida acadêmica ao mundo das drogas publicado por Alexandre Afonso no site da LSE (London School of Economics).
Apenas a título de comparação basta vermos quanto que um médico, um engenheiro ganha assim que forma na graduação. Se pegarmos o exemplo da engenharia, no site do SENGE é possível ver que o piso salarial para o engenheiro formado na graduação deveria ser o correspondente a 8,5 salários mínimos, o que em 2016 daria, em uma jornada de 8h diárias, o valor de R$ 7480,00. Para o caso da medicina a questão ainda é mais assustadora, pois como pode ser consultado no site da FENAM o piso pleiteado para 2017 era de R$ 13.847,93 para 20h semanais. Estes pisos salariais nos dão a dimensão do quão mais escassa é a procura por pós-graduações, mestrados, doutorados nessas áreas. Venhamos e convenhamos, para que alguém que com uma graduação ganha no mínimo R$ 7480,00 ou R$ 13.847,93 vai se dedicar a mais 6 anos de estudo (2 anos de mestrado mais 4 de doutorado) para pleitear uma vaga como professor universitário cujo salário inicial é de R$ 9.585,67 para 40h semanais? A não ser que seja um desejo particularíssimo do sujeito dessas áreas, do ponto de vista econômico não faz nenhum sentido investir na pós-graduação nessas áreas.
É importante ressaltar que dentro da própria academia se parte de uma espécie de homogeneização em que em vários momentos parte-se do pressuposto que "Todos devem fazer mestrado e doutorado" de forma que até mesmo a graduação é transformada em algo "menor", de "valor nenhum" dentro da academia. Nesse discurso velado (mas nem sempre tão velado assim) se esconde uma opressão enorme sobre os estudantes que várias vezes entram no caminho da pesquisa e isso se torna algo extremamente sofrido. É interessante observar como que o nível de stress, depressões, crises são bastante comuns entre os estudantes de pós-graduação. Chego a arriscar que muitos entram na pós-graduação por conta dessa opressão velada que sentem já durante a graduação e várias vezes tem pouca coisa a ver com o desejo do sujeito. Entre diversos professores é visto esse desprezo com a graduação como algo "menor", pois as aulas na graduação não pontuam no currículo Lattes e por isso "atrapalham" a produção de artigos, capítulos de livros, etc. que são cruciais para o professor caso queira solicitar uma bolsa de pesquisa junto às agências de fomento, etc. Dedicar-se à graduação acaba se tornando uma espécie de "fardo" para diversos professores universitários que prefeririam pesquisar ou lecionar na pós-graduação em que a chance de produção de artigos sobe vertiginosamente, o que propiciaria para ele mais pontuação no currículo, o que geraria mais dinheiro, mais renda, etc.
Voltando ao Pós-Doutorado, penso que já fica claro onde se encontra a questão. De um lado temos um excesso de novos doutores se formando todos os anos nas áreas de humanas sem ter onde trabalhar, pois os concursos para essas áreas são cada vez mais escassas. Por outro lado temos diversos professores efetivos que não estão muito afim de darem aula nas graduações pelos motivos expostos acima nesse texto. Dessa forma podemos entender porque atualmente os estágios pós-doutorais estão em alta não só nas universidades brasileiras, mas no mundo todo.
Via de regra um Pós-Doutorado, para quem já está contratado em alguma universidade/Faculdade, é uma boa oportunidade para dar um tempo no trabalho e focar em alguma pesquisa que queira, além de geralmente ser uma boa oportunidade para viajar e conhecer outros lugares, conhecer outros pesquisadores, etc. Para quem ainda não está contratado em alguma universidade/Faculdade o Pós-Doutorado é uma forma de se manter vinculado à universidade/Faculdade e tentar fazer algum network para alguma vaga de trabalho. Além de ser várias vezes A ÚNICA fonte de renda do recém-formado Doutor.
Na maioria das vezes os alunos de Doutorado recebem bolsa de pesquisa durante o doutorado como forma de se dedicar "exclusivamente" à pesquisa. O valor da bolsa de doutorado hoje é de R$ 2.200,00. O bolsista, para receber a bolsa, não pode possuir vínculo empregatício (salvo raríssimas exceções) e deve se dedicar exclusivamente à vida acadêmica participando de simpósios, dando aulas, etc. Quando termina o doutorado a bolsa de pesquisa acaba e o sujeito agora está sem nenhuma renda e sem nenhuma perspectiva de trabalho na sua área. O que resta para ele? Buscar uma bolsa de Pós-Doutorado para conseguir se manter ou iniciar algum trabalho que não tem nada a ver com sua área de formação para se sustentar.
Neste sentido percebemos que o Pós-Doutorado se torna algo extremamente interessante para os dois lados envolvidos. O Recém-Doutor desempregado e a Universidade. Para a Universidade é um negócio excelente porque ela terá uma mão de obra super qualificada (afinal o sujeito é um doutor em sua área de conhecimento) fazendo basicamente o mesmo trabalho que um professor efetivo, mas recebendo metade do valor e sem vínculo empregatício (O valor da bolsa hoje é R$ 4100,00 enquanto o salário inicial de professor Adjunto nas universidades federais é de 9.585,67 ) e para o pós-doutorando também é um negócio relativamente viável, pois em sua maioria ele terminou o seu doutorado e agora não tem mais renda alguma, uma vez que a bolsa das agências de fomento se encerraram e as vagas para trabalhar como professor em alguma universidade/faculdade simplesmente não aparecem.
Assim podemos entender o porquê dos pós-doutorados estarem em moda. Ele acaba se tornando a única forma de um Recém-Doutor obter renda, além de ser uma boa oportunidade para viajar (sem gastar nada) para quem já está empregado em alguma universidade. Obviamente que o discurso de ambos os lados se torna extremamente ideológico, pois justificam isso a partir de noções como "amor à pesquisa", "disseminar o conhecimento", "contribuir com o avanço da área", etc., no entanto, no fundo da questão o que realmente está em jogo é uma questão financeira totalmente aliado à dinâmica do capital. A produção acadêmica na maior parte das vezes tem muito pouco a ver com conhecimento e muito mais a ver em como tal conhecimento gerará dinheiro para quem produz esse conhecimento. De alguma forma isso é triste, mas não podemos ser ingênuos acreditando ainda em uma espécie de "pureza" da busca pelo conhecimento. A lógica da produção acadêmica é mercadológica; o que está em jogo em última instância é apenas a dinâmica do capital na sua forma ideológica mais pura, no entanto o produto vendido e oferecido é "conhecimento" e a máscara ideológica utilizada é a ideia de "produção de conhecimento".