segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Camarotização, Individualismo. De Lipovetsky de volta para Marx.





Para entendermos o tema da camarotização acho que seria muito legal pegar a ideia do Gilles Lipovetsky que ele trabalha no livro Felicidade paradoxal (2007) no qual ele define as três grandes fases do consumismo no ocidente.

A primeira fase seria aquela do início da revolução industrial em que apenas uma pequena parcela tinha acesso aos bens de consumo porque todos eram muito caros. É a época que segundo ele iria de 1870 a 1930, e se caracterizava pelo pequeno acesso da população aos bens do consumo.
A partir da década de 1930, Lipovetsky aponta que houve uma melhora na economia e pelo menos nos EUA o surgimento de um revitalizar econômico (que no brasil é o período de Getúlio e o ganho de renda e questões trabalhistas, se quiser contextualizar) que permitiu que mais pessoas pudessem consumir. Esse período iria dos anos 1930 a 1960 e caracterizaria a segunda fase do consumismo na visão de Lipovetsky. Nesse período há uma maior possibilidade de consumo por parte de uma camada maior da sociedade. Dessa época é que surgem os Wallmarts da vida e as grandes lojas de departamento para tentar dar conta das novas demandas das camadas mais baixas da população. O corolário desse processo é o conhecido “American way of life” típico das décadas de 1950 e 1960.

Após da década de 1970 com os movimentos contestatórios e a queda dos chamados metarrelatos (LYOTARD, 1984), o que se começa a perceber é que o consumismo começa a ganhar novas formas e novos produtos. Essa seria a terceira fase para Lipovetsky que culminaria naquilo que vivenciamos hoje de forma extremamente visível. Nesta fase, segundo ele, o que se consome é extremamente “tudo”, ou seja, o consumismo passou a dominar todas as esferas da vida, e isso se dá a partir do momento em que o que se almeja consumir não é mais apenas um produto, mas sim uma “experiência”. O que importa mais não é tanto a aquisição de uma mercadoria, mas muito mais a “experiência diferenciada” ao lidar com aquela mercadoria. E neste sentido, para além de querer uma mercadoria, o que se quer é em última instância a experiencia. Daí que hoje em dia estar em voga a aquisição de viagens, noites em spas, suítes personalizadas, voos em cabines executivas, etc.

É neste contexto que acho interessante colocar a camarotização. Ela só é possível com o avanço do capitalismo de forma que tudo vira objeto de consumo. Ao mesmo tempo em que se perde a noção de “comum”, uma vez que tudo passa a adquirir um preço em que apenas uma pequena parcela da população seria capaz de ter acesso. Na promessa da camarotização o que está em jogo é que se é possível comprar uma experiência diferenciada. Esta proposta só é possível dentro de um individualismo ferrenho em que vivemos na contemporaneidade. Neste sentido, uma das formas de sair disso é reinventar o conceito de algo “comum” (e aí a proposta do Pierre Dardot e do Christian Laval em seu livro com o título “Comum. Ensaio sobre a revolução no século XXI se torna extremamente interessante). Para esses autores é reinserindo no ocidente a noção de comunidade (quer seja de interesses, quer seja de afeições físicas, etc) que será possível sair da noção de que tudo pode ser objeto de consumo, sair da dinâmica individualista mortificadora do sujeito e restaurar a dimensão do “Bem público” como algo ao qual devemos zelar por ele.

O efeito da camarotização representa esse cenário de um individualismo crescente aliado à diferença estrutural que sempre houve no Brasil entre ricos e pobres. No entanto, percebemos a partir dos textos motivadores que isso não é uma questão meramente brasileira, mas mundial. À medida que o capitalismo avança (E isso é interessante uma vez que o capitalismo hoje não seria tanto de consumo, mas muito mais de especulação) a ideia de que será possível consumir de forma diferente atrai a elite na tentativa de se diferenciar das classes mais pobres. Neste sentido podemos encontrar vários fatores psicológicos envolvidos nessa tentativa de diferenciação por parte da elite. Se por um lado a camarotização aponta para uma questão social/estrutural no contexto brasileiro, ela também aponta para ausência de referências sólidas para o sujeito contemporâneo que acaba se definindo por sua posição social, ou acesso às coisas.

Aqui comprovamos o que Marx já colocava lá no seu “O capital” de que o fetichismo da mercadoria sempre traz consigo “artimanhas teológicas” de forma que se é enfeitiçado por elas constantemente, a sacralizando. Neste sentido evidenciamos que a era do capitalismo tardio (especulativo, do consumo desenfreado) é a época do fetichismo da mercadoria de forma extremamente sutil, mas poderosa.

Referencias:

Gilles lipovetsky - Felicidade paradoxal (2007)
Jean-Luc Lyotard - A condição pós-moderna (1984)
Pierre Dardot e Christian Laval - Comum. Ensaio sobre a revolução no século XXI (2017)
Slavoj Zizek - Em defesa das causas perdidas (2011)




Nenhum comentário:

Postar um comentário