terça-feira, 27 de novembro de 2018

José e Maria indo para Belém.







O individualismo político como grande paradoxo do mundo globalizado nos mostra que a proposta de uma aumento da liberdade no domínio do capitalismo não passa de uma ideia abstrata e falaciosa. Quanto mais se advoga liberdade, mais se vê o recuo do sujeito contemporâneo alheio a qualquer forma de empatia para com o próximo.  Este cenário se tipifica de maneira visível no excesso de protecionismo econômico e no excesso de muros que cada vez mais cercam os territórios como forma de proteção contra o próximo visto como ameaça. É neste contexto que se coloca a questão dos imigrantes na Europa, a questão mexicana nos Estados Unidos, os Venezuelanos no Brasil e vários outros exemplos mundo afora. 

Talvez aqui esteja o cerne da proposta de Jesus tipificada nos evangelhos, uma liberdade que não passa pelo individualismo contemporâneo, mas uma liberdade que tem na comunidade a sua única condição de possibilidade. É talvez por isso que podemos dizer sem sombra de dúvida que a proposta comunitária de Jesus e dos discípulos no início do cristianismo vai na contramão da proposta do capitalismo tardio do individualismo exacerbado. Trava-se uma luta entre uma visão comunitária do humano e uma visão individualista em que nada além do sujeito importa. O que fica claro para nós é que esta dinâmica são totalmente relacionadas.  De um lado a aposta em uma possibilidade da vida comunitária para além da lógica do capital, do outro lado o individualismo como resposta última que esvazia o sujeito de todo vínculo para além de si. Claramente uma se coloca como grande antítese da outra, em que a primeira é esvaziada em seu núcleo mais íntimo e o que sobra seria apenas a sua face performática tipificada nas novas agremiações, pseudo-pautas, etc.  

Neste contexto podemos perceber porque hoje os novos espiritualismos chegam com força no nosso meio, pois eles apenas reforçam o individualismo numa busca incessante de reforçamento do eu e um esquecimento do outro.  Da mesma forma percebemos porque o discurso neopentecostal encontra grande repercussão social, pois ele apenas reflete de maneira material aquilo que os espiritualismos contemporâneos manifestam do ponto de vista majoritariamente performático.  A lógica da performance é a lógica do capitalismo tardio, e por isso que é fácil de perceber como que as duas facetas que mais crescem na religião contemporânea são facetas também performáticas, afinal essa  é a lógica defendida pelo capitalismo tardio da produção incessante. O que se produz incessantemente neste contexto é a busca de si, a visão econômica, quantitativa, performática do sujeito em que ele é avaliado pela própria dinâmica da produção incessante de si, da busca incessante do "mistério", do "novo", etc. 

Não dizemos mais que a religião é o "ópio do povo" ou "o suspiro da criatura oprimida" como Marx gostava de falar, mas dizemos que hoje a religião (pelo menos a institucionalizada) [sobre esta diferenciação crucial, leia aqui] é o sintoma do sujeito desbussolado dominado pelo capitalismo tardio. Restaurar o núcleo duro da religião talvez seja a tarefa mais árdua para os dias atuais, pois uma religião que se alia ao poder advindo do modo de produção já perdeu em grande medida a sua condição de possibilidade de alterar o status quo. O que resta para ela é apenas a reprodução cega da desigualdade, ou medidas paliativas que em nada atingem a estrutura social.  E aqui percebemos de forma fundamental a falácia do discurso da liberdade. De certa forma se é livre para se adequar ao modo de produção, mas nunca para o subverter. A partir do momento que a própria religião institucionalizada funciona como modo de perpetuação dessa dinâmica, percebemos claramente como que uma coisa se une a outra na contemporaneidade. 

Se observarmos os evangelhos percebemos que Jesus nos ensina a construir casas, nos ensina a plantar, nos ensina a dividir, mas em hora nenhuma ele propõe a construção de muros, pois a proposta cristã em seu núcleo mais íntimo nunca foi a proposta da segregação, da separação, do "nós contra eles", mas sempre foi a do acolhimento, da hospitalidade e do amor para com o próximo. Este é talvez o núcleo esquecido do cristianismo que, quando relembrado, poderá restaurar a sua importância em um mundo secularizado. 


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