quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O frágil sujeito contemporâneo e sua atividade passiva.





Não há nada mais frágil que o sujeito contemporâneo. Tudo o fragiliza, tudo é motivo para que ele se sinta ofendido, magoado, rejeitado, etc. É como se de alguma forma esse sujeito não se sentisse fixado a nada, como se ele estivesse sempre pairando sobre um vazio sem  nenhum tipo de apoio a não ser os micro-apoios que cria para si através de pautas cada vez mais genéricas, ("Vamos acabar com a fome no mundo". "Quero um mundo sem guerras") ou pautas ultra-específicas. ("Sou contra usar coleira em cachorro", "não podemos comer verduras porque elas pensam", etc.)

Curiosamente esse sujeito contemporâneo é o que mais assume para si "causas". Todo dia aparece alguém lutando por algum novo motivo urgente que PRECISA ser debatido, que precisa ser dialogado, que precisa ser "coletivizado". No entanto, uma dinâmica muito interessante é que na maioria das vezes não há nenhum tipo de ação efetiva no mundo para a mudança de absolutamente nada. Com o avanço das redes sociais, o que mais se vê é o já famoso "ativismo online" em que o sujeito se mostra super engajado (mas apenas nas redes sociais), super crítico (mas apenas nas redes sociais), disposto a refletir (mas apenas nas redes sociais) e tudo isso permeado de discursos, compartilhamentos de entrevistas, compartilhamento de outros compartilhamentos ad nauseam sem que isso altere em absolutamente nada a vida nem mesmo a vida do seu vizinho, quem dirá do mundo.

Por incrível que pareça, o sujeito contemporâneo totalmente aberto a tudo e a todos padece de um mal diagnosticado por Marx lá no século XIX ao criticar a esquerda hegeliana. Marx afirmava que a esquerda hegeliana tinha a ideia (ainda iluminista) de que à medida que as pessoas fossem esclarecidas dos seus problemas, esclarecidas do que estava acontecendo, elas mudariam a sua forma de viver, elas agiriam diferente, e só não agem porque desconhecem as coisas. E aí entraria o papel do filósofo, pois ele seria aquele que esclareceria o sujeito ignorante para que ele pudesse agir corretamente. Marx compara esse tipo de ideia a um homem que está se afogando e tenta se salvar se puxando pelos próprios cabelos. Ou seja, totalmente inútil essa atitude "esclarecedora" da esquerda hegeliana, e é nesse contexto que Marx diz a famosa frase "não é a consciência que determina o modo de existência, mas as condições materiais de existência que determinam a consciência." Se algo precisa ser mudado não é a forma de pensar das pessoas, mas sim as condições que fazem as pessoas pensarem como elas pensam. 

Essa crítica de Marx lá no século XIX pode ser transposta para os dias de hoje de maneira quase que direta, só que com um pequeno agravante; hoje não são os filósofos que pensam assim, mas basicamente todo mundo na era das redes sociais pensa assim, de forma que a única atitude vislumbrada por esse sujeito é o que? "Esclarecer os outros". A aposta ainda é algo como "fulano age assim porque não sabe isso ou aquilo, então, o meu papel como alguém que supostamente sabe algo é, na medida do possível, ajudá-lo para que ele saia da ignorância e aí ele vai agir diferente." Obviamente que em algumas situações esse "Approach" pode até ser interessante e profícuo, no entanto o que vemos é que via de regra o sujeito contemporâneo só está disposto a fazer isso mesmo. Tudo aquilo que extrapole o seu papel de "esclarecedor" está fora de cogitação, afinal, "o mundo é assim né? Fazer o quê?"

Neste sentido percebemos que o ativismo online funciona como um suporte ideológico muito grande para que no excesso de agito tudo continue exatamente do mesmo jeito. Na época dos "stories críticos", "stories elucidativos", "stories educativos", "stories reflexivos", o sujeito de fato acredita piamente que está mudando de alguma forma a vida de alguém, ou de fato lutando por alguma causa que considera justa, digna, etc. sendo que na realidade o que está sendo feito é apenas uma performance para que o outro o veja como alguém "elucidativo", "reflexivo", "educador", "crítico", etc. Claro que pode haver algum tipo de benefício nisso, e com certeza algumas pessoas podem de fato refletirem, se esclarecerem a partir dessa dinâmica, mas do ponto de vista da realidade nua e crua como ela é, esse tipo de dinâmica se mostra uma espécie de placebo para que nesse torpor o sujeito se sinta realizado sem fazer absolutamente nada. 

Essa nova relação com a "atividade" está no cerne da dinâmica do capitalismo tardio que pode continuar funcionando perfeitamente enquanto o agito online apenas faz barulho, mas impacta muito pouco na efetividade da vida das pessoas. É este o ponto que a meu ver acaba por fragilizar ainda mais o sujeito contemporâneo, pois na realidade esse sujeito não passa de uma grande performance, não disposto a se entregar por nada que não seja ele próprio. Até mesmo as grandes causas que sempre são debatidas como "racismos", "feminismos", "movimentos homoafetivos" entram nessa mesma dinâmica. Dificilmente a luta se dá de maneira efetiva, mas é diariamente performada nas redes sociais, mas sem que isso encontre raiz suficiente para que o sujeito se ancore em tais causas. 

Nesta atividade passiva o sujeito se angustia cada vez mais, pois o que ela performa online cria para ele ao mesmo tempo a demanda por ação maior, (o pensamento de que "eu devia estar fazendo mais", "olha como sou uma farsa", etc.) mas também o apazigua no mesmo instante (o pensamento de que "poxa, já estou fazendo o que posso", "eu tenho contas a pagar, não posso largar tudo e me dedicar a uma causa", "poxa, mas se cada um fizer um pouquinho a coisa melhora", etc.) e neste movimento pendular, como não se ancora em absolutamente nada, o sujeito vai se tornando cada vez mais perdido e oscilante em suas ponderações, criando cada vez mais para si pequenas micro-regras para o orientar, mas sem saber que com isso se perde cada vez mais. 

Triste a situação do sujeito contemporâneo oscilando de um lado para outro, de um extremo a outro, sem norte, desbussolado, tentando a todo custo encontrar algo pelo qual anima viver, mas ao mesmo tempo com medo de parecer "intransigente" se escolher um valor para si pelo qual a sua vida valha a pena. 

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