domingo, 14 de julho de 2019

Venezuela - Estivemos lá






Recentemente eu e Priscila estivemos visitando o norte do país, a cidade de Boa Vista em Roraima e aproveitamos para conhecer dois novos países da América Latina. Guiana e Venezuela.
A experiência foi belíssima e realmente o Brasil possui muitos lugares impressionantes. Sem dúvida a parte mais interessante da viagem foi a nossa presença na Venezuela.

Qualquer pessoa minimamente informada sabe que a situação venezuelana não está muito boa, a crise se aferra por lá há algum tempo e tem havido um êxodo muito grande de venezuelanos por meio das fronteiras com a Colômbia e com o Brasil. Essa situação tem trazido muito sofrimento para diversos venezuelanos e isso gera um monte de informações desconexas que são passadas pela mídia (que todo mundo sabe possui interesses específicos, visam gerar lucro para grupos específicos, etc.).

Uma preocupação que tive quando estava na Venezuela foi conversar com os diversos trabalhadores com quem encontrava durante a estadia. Conversamos com os garçons, atendentes do hotel, motoristas, e qualquer pessoa que estivesse disposta a dialogar sobre a situação do país para tentarmos entender como que, in loco, as pessoas que estavam submetidas à situação viam o problema de seu país. Acreditamos que isso possui uma dimensão muito mais ampla que qualquer "notícia" dada na grande mídia.

A primeira noção que ficou muito clara para nós e foi dito pelo garçom Ariel do hotel em que trabalhávamos é que até mesmo a classe trabalhadora sabe que o que há na Venezuela não tem absolutamente nada a ver com socialismo ou comunismo. Nas palavras do próprio Ariel:

"- Ueh, mas o socialismo não seria dividir as riquezas com todos? Aqui não há socialismo!" 

O que Ariel na sua simplicidade é capaz de colocar evidencia o núcleo duro da proposta comunista que é a igualdade entre todos e o direito a todos a todas as coisas. Para além da visão tacanha das épocas das redes sociais, o socialismo não existe na Venezuela, isso o próprio Ariel nos disse, demonstrando uma leitura muito atenta da situação.

Da mesma forma o motorista da Van que nos levou pelo passeio à Gran Sabana demonstrou um excelente conhecimento da situação do seu país e me deu uma aula sobre o período de Hugo Chávez e o movimento de transição para Maduro. O motorista sabia exatamente onde se encontrava o problema, reconhecia o avanço que Chávez trouxe à Venezuela, mas já era capaz de dizer que o grande problema do Chavismo foi o problema de qualquer governo dentro do capitalismo, ou seja, a corrupção.

Não era um problema do "sistema de governo", mas sim da própria dinâmica de qualquer governo que não consegue levar à cabo sua proposta que o levou ao poder, mas sucumbe facilmente às dinâmicas do capital. A corrupção faz parte do sistema capitalista de maneira estrutural. Não existe capitalismo sem corrupção, de forma que a agenda neoliberal com seu discurso moralizante toda hora se mostra permeada e sustentada pela corrupção.

Infelizmente em nossa época de pós-verdade pouquíssimas pessoas tem uma preocupação séria em debater os conceitos e preferem ficar presos à definições rasas, propostas de redes sociais que demonizam facilmente qualquer coisa ao invés de procurar uma literatura especializada para tratar das questões mais sérias. Às vezes são pessoas muito bem intencionadas, mas que por conta de diversos fatores (que não podemos excluir a má-fé deles) preferem utilizar de definições rasas e com isso corroboram a demonização de questões estruturais da república como "justiça social", "distribuição de renda", etc. Quando se demonizam questões que deveriam ser defendidas por todos o que se percebe é a perda da noção de sociedade e o avanço do individualismo como tônica para pensar as relações contemporâneas.

O capitalismo contemporâneo é individualista; por isso que todo tipo de pensamento que tem como foco o social é logo acusado de "socialismo", "comunismo" como forma de demonizar um pensamento social e com isso manter a estrutura segregacionista do próprio capital. O mais curioso é quando esse discurso vem dos setores cristãos, pois o cerne da própria Bíblia sempre foi social, sempre foi pensando na noção de povo, quer se leia o Antigo Testamento, quer se leia o Novo Testamento. São inúmeras as referências bíblicas possíveis para mostrar que a Bíblia é um livro que preza pela justiça social, condena o acúmulo de riqueza, preza pela solidariedade, etc. Esse tipo de "esquecimento" do texto é muito sintomático de uma época em que o individualismo se torna a tônica. Esquecer o caráter social do texto bíblico é não ter entendido uma linha do que o texto se propõe.


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