quinta-feira, 4 de julho de 2019

Resposta teológica à uma questão difícil





"Uma pergunta ao teólogo: qual a sua visão teológica sobre o suicídio?"

Esta é uma pergunta extremamente sutil e dentro do meio cristão fonte de inúmeras controversas e várias vezes fonte de inúmeras culpas por parte daqueles que ficam. Não sem motivo Camus afirmava que a questão do suicídio era o maior enigma da filosofia, que essa questão deveria ser a questão fundamental da filosofia, pois ali estaria toda a questão de saber se a vida tem ou não sentido. 
Durante muito tempo (e até hoje em grande parte da população cristã) a questão do suicídio sempre foi encarada como sendo uma espécie de "pecado capital", ou seja, um "pecado sem perdão" em que aquele que comete tal ato, por não ter como pedir perdão por ele, estaria de forma quase que automática, condenado à perdição eterna. No meio católico muito se pensa na ideia de um purgatório que seria um pouco mais "difícil" para pessoas que teriam cometido tal ato. Embora essas visões façam parte do senso comum e sejam bastante divulgadas, a meu ver elas fazem muito pouco sentido se considerarmos a questão do ponto de vista teológico. 

Sabemos que a visão que temos de Deus, a forma como o compreendemos altera drasticamente a forma como lidamos com as questões do mundo à nossa volta. Se compreendemos Deus como uma espécie de "dono do armazém" que contabiliza nossos erros e acertos para nos dar uma recompensa posterior acabamos entrando em uma espécie de dinâmica contabilizadora quantitativa e qualitativamente sobre os nossos atos, e isso sem sombra de dúvida nos leva à uma espécie de "escalonamento teológico dos pecados", de forma que pensaríamos em "pecados maiores" e "pecados menores", de forma que evitaríamos os pecados maiores e veríamos os pecados menores como "inevitáveis". A meu ver é esse escalonamentos de pecados baseados nessa visão de Deus que gera a grande hipocrisia cristã de condenar de maneira veemente alguns pecados e simplesmente não se importar com outros. 

Para mim a questão do suicídio se liga diretamente à questão do livre-arbítrio, ou seja, ela no final das contas acaba sendo um ato livre de um sujeito que por algum motivo acredita que aquela é a melhor saída para a situação vivenciada. Nunca teremos como saber se seria um ato de coragem ou um ato de covardia do sujeito, pois apenas o sujeito ali, no momento da decisão, é capaz de dizer do que se trata. Dessa forma é impossível generalizar (como geralmente se faz) sobre a questão. Cada caso é um caso, cada situação uma situação.
Sendo fruto do livre-arbítrio do sujeito se liga diretamente à liberdade concedida por Deus e por isso tal ato deve ser entendido como um ato de escolha do sujeito em determinada situação. Dar cabo da sua vida em determinado momento é sempre uma atitude última, uma tentativa de resposta última à questão do sentido da vida para si.

Dentro do cenário cristão a pergunta sobre a salvação do sujeito sempre aparece. Para mim a graça de Deus é radical e a salvação independe das nossas ações, das nossas atitudes, das nossas intenções, pois a salvação é fruto da graça que é fruto do amor de Deus que a todos alcança. A pessoa que comete suicídio também é alcançada pela graça radical de Deus e dessa forma é salva por Ele, pois Deus não deseja que nenhum de seus filhos se perca.
Pelo que pontuei acima já deve ter ficado claro que para mim o suicídio não é um pecado, não é um "ato contra Deus", não é algo que Deus não perdoa "porque o sujeito não tem como pedir perdão"; muito pelo contrário, para mim, o Deus em que acredito é um Deus que sempre é amor, e por isso sempre quer que seus filhos estejam juntos de si. Se entendemos a questão da salvação como fruto da graça de Deus, e exclusivamente da graça de Deus que é amor, penso que isso pode nos servir de consolo no momento da precariedade que a morte revela.

O momento é de extrema dor, o consolo parece impossível, mas aquilo que cremos, o "como" cremos pode nos ajudar a passar pela fase difícil de maneira um pouco mais inteiros.

Triste momento esse que vivemos nesses dias em que um querido amigo se foi. Compartilhamos a dor daqueles que são mais próximos e sofremos muito com eles. Nessas horas não tem muito o que podemos dizer para consolar os que ficam. Apenas podemos oferecer o nosso carinho, o nosso cuidado, as nossas lágrimas, compartilhar a dor, se fazer presente para o que for necessário, mas nunca haverá palavras no mundo capaz de dizer o que sentimos nessas horas. 

Para os que são mais próximos a dor dilacerante é muito maior, a ausência de norte é muito maior, a busca pelo sentido de tudo se mostra muito mais veemente e a dor se mostra várias vezes insuportável. Nessas horas não há manuais a seguir, não há regras a serem cumpridas, há apenas indívíduos que precisam lidar com a perda e reorganizar a vida sabendo que a partir de agora as configurações serão outras, os desafios serão outros. Acredito que se compartilharmos a dor o fardo será mais fácil de ser carregado e a nós enquanto amigos não há outro lugar que queremos estar senão ao lado de vocês. 


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