Foi-me proposto um “comentário” sobre a liderança evangélica atual. Escrevi este pequeno texto com o propósito mais de “abrir questões” que fechá-las. Segue o comentário:
Os problemas evidenciados na atual liderança evangélica são vários e seria impossível abarcar tudo em um pequeno texto como este. No entanto, algo que salta aos olhos é primeiramente um afastamento dos preceitos bíblicos. Este distanciamento talvez provocado por uma ignorancia em relação ao texto, por uma formção que prima mais pelo quantidade que pela qualidade. Se consideramos que o número de seminários e faculdades teológicas quase triplicou nos últimos anos segundo várias fontes de pesquisa. Era de se esperar que tal aumento, verificasse um aumento na qualidade do ensino, gerando com isso pastores mais preparados. No entanto, isto não aconteceu e não vem acontecendo.
Ao invés de serem ensinados nos preceitos bíblicos, os pastores são ensinados em "táticas de manipulação", "hermeneuticas escusas" que simplesmente favorecem uma leitura geralmente fundamentalista e paradoxalmente mal-fundamentada. Coisa que parece comum aos "fundamentalismos".
Tais táticas acabam por perverter ao grande publico a noção do que é ser "evangélico", tanto que o próprio termo já caiu em associações diretas a práticas evidenciadas em várias igrejas neo-pentecostais como "petição de dinheiro", "dízimo" "pagar o pastor", dentre outras.
Ao mesmo tempo, esta falta de preparo do líder gera uma completa dicotomia no seio do próprio meio evangélico. Afinal, não podemos tomar a parte pelo todo. Sabemos que há pastores e líderes evangélicos bastante compromissados com a propagação do reino e estes devem sim ser trazidos a tona. Talvez até mais que os que praticam coisas das quais o evangelho se envergonha.
Acompanhada da falta de preparo e talvez como consequencia direta dela, aparece o "abuso pastoral" que até onde podemos ver, se evidencia nos "psicopatas da fé". Este abuso se reveste de uma carapuça onto-teológica para se fundamentar.
O poder do pastor é tomado como "dádiva de Deus" que faz com que os membros destas igrejas se sintam quase que de volta aos terrores dos absolutismos europeus. A figura do líder exaltada a quase "segundo deus" favorece e fortalece o abuso evidenciado por tais líderes. Aliado a isso o baixo conhecimento teológico evidenciado na maioria dos membros das igrejas evangélicas, principalmente as neo-pentecostais (uma vez que a prática da reflexão bíblica é muito pouco incentivada nesse meio, dando-se uma ênfase enorme na "operação de milagres", "visões", "revelações", ou seja, um cunho extremamente estético) o cenário fica perfeito para a propagação de um "código de conduta" muito rígido para os membros, mas muito flexível para o líder.
Sob a égide de "ungido de Deus" se permite ao líder o fazer o que quiser sendo que várias vezes, apenas responderá pelo seus feitos diante dos tribunais dos homens, mas nunca diante da congregação.
A impunidade favorece e fortalece a prática. A onto-teologia a legitima. Com isto o membro se enfraquece e o líder se absolutiza.
Os vislumbres do líder então passam a ser adotados como "as visões de Deus para a congregação", a "vontade de Deus" e várias outras coisas das quais o líder nunca será o responsável.
Afinal, se o projeto der certo, fala-se que "Deus direcionou, e por isso deu certo", e junto a esta fala se promove o marketing pessoal do líder. Mas se o projeto der errado, a culpa é dos membros que são "homens de pequena fé" e por isso Jesus não operou o milagre. E como base para esta afirmação ainda utilizam textos bíblicos tais como Mt 13:58 "E não fez ali muitas maravilhas, por causa da incredulidade deles". A culpa do fracasso recai sobre o membro, mas a glória do sucesso recai sobre o líder.
Como podemos ver, o assunto é extremamente extenso e carece de muitas pesquisas para que possamos diagnosticar e principalmente mudar a prática evidenciada em várias igrejas que se dizem evangélicas. Existem várias pesquisas interessantes sobre o tema, várias delas em níveis de mestrado e doutorado. No entanto, é um ramo que exige ainda muita pesquisa.
Este pequeno texto é apenas uma tentativa de abrir a questão que merece e deve realmente ser bastante discutida se quisermos que o evangelho volte a ser "boa-nova".