quarta-feira, 21 de março de 2012

Alguns apontamentos sobre protestantes e evangélicos






Algo interessante que já foi falado por Weber há algum tempo atrás de como o espírito protestante favoreceu o desenvolvimento do capitalismo. Uma vez que o calvinismo não precisava ter preocupações quanto ao destino da alma, da salvação, ou qualquer coisa que viesse de Deus, uma vez que pela doutrina da predestinação, esse problema já estava resolvido, era possível que os protestantes se desenvolvessem em outras áreas. Aliado a isso o fato de que a riqueza financeira seria sinônimo da graça e da benção de Deus, o protestante então se empenhava de todo coração, alma e corpo na busca desta satisfação que o capitalismo proporcionava.
Nesse processo a sociedade ia se desenvolvendo e várias coisas iam sendo feitas para que tal desenvolvimento fosse algo visível.

A aliança entre protestantismo e capitalismo sofreu uma mudança de paradigma a partir do neo-pentecostalismo e a teologia da prosperidade. Se no protestantismo analisado por Weber ainda havia um interesse em um "desenvolvimento social" proporcionado pelo protestantismo, hoje em dia a linha evangélica está longe desse ideal.

Particularmente proponho uma divisão entre protestantes e evangélicos. Penso que atualmente não se pode colocar ambos como sinônimos, afinal as perspectivas atualmente são bem destoantes.

Cabe ressaltar que atualmente é bem difícil afirmar que existe um protestantismo único. Há diversas igrejas protestantes e o número delas cresce a cada dia. Da mesma forma há várias igrejas evangélicas e nesse grupo específico a coesão se torna algo praticamente impossível.  No entanto, mesmo com tais ressalvas, acredito que seja possível traçar alguma diferença entre o que entendo por "evangelicalismo" e o que entendo por protestantismo. (Uso o termo evangelicalismo entre aspas no texto para que não se confunda com o evangelicalismo como entendido no meio teológico) Não acredito que tais termos possam ser tomados por sinônimos, nem mesmo penso que um seja desenvolvimento do outro, como geralmente se assume.

Como é sabido, o protestantismo nasce como protesto contra a igreja católica naquilo que na visão de Lutero, destoava dos ensinamentos bíblicos. Claro que houve significantes modificações de interpretações desde a época de Lutero até os dias atuais, mas acredito o cerne do protestantismo é o protesto. Nesse sentido, não há uma assimilação direta entre protestantismo e igrejas históricas, uma vez que várias igrejas históricas se manifestam altamente conservadoras e a preocupação com a alteração do "status quo" é a última coisa que visam.

A igreja evangélica é algo mais recente que a igreja protestante no Brasil. Fruto das missões advindas dos países do norte, principalmente os Estados Unidos, a igreja evangélica se fixa em solo brasileiro com um cunho muito mais focado na "propagação da boa nova". O evangelho de missão traz consigo a ideia de que é preciso converter o maior número de pessoas o mais rápido possível, pois o fim estaria próximo.  Nesse primeiro momento já começamos a identificar algumas diferenças entre os "protestantes" (frutos direto da reforma) e os "evangélicos" (preocupados em espalhar as boas novas).

Algo interessante a ressaltar é que a tônica do movimento evangélico em solo brasileiro além da propagação da "boa nova" é a ênfase grande nas "manifestações visíveis dos dons do espírito" e daí os textos do livro de Atos dos apóstolos serem tão utilizados em diversos momentos. A ênfase nos textos que relatam o pentecostes dos apóstolos é o que dá a esse grupo o nome de "pentecostais", ou seja, é um grupo que quer ver se manifestando no meio da sociedade os dons do Espírito Santo , (entendidos obviamente de maneira mais espiritualista) assim como descritos no livro de Atos. A associação se torna quase que direta entre evangélico e pentecostal de forma que o pentecostalismo se torna quase sinônimo do que se entende no Brasil por "evangélicos" nesse primeiro momento. 

A partir da década de 60, com a chegada da teologia da prosperidade em solo brasileiro começa o movimento chamado neo-pentecostalismo em que há uma diferenciação ainda maior dentro do próprio cenário evangélico. No Brasil passa a se falar em três formas de compreensão desse setor cristão. Temos agora os protestantes (advindos da reforma, como por exemplo, os metodistas, luteranos, presbiterianos), os evangélicos pentecostais (Algumas Assembléia de Deus, algumas igrejas Batistas, Igreja Deus é amor, etc.) e os evangélicos neo-pentecostais (Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça,). Basicamente o que marca a diferença entre os pentecostais e os neo-pentecostais é a adesão ou não à teologia da prosperidade. Igrejas como Batista da Lagoinha, Batista Getsêmani que advém de igrejas de vinculação pentecostal (convenção Batista) se separam de tal movimento e adotam nos últimos anos discursos mais vinculados à Teologia da prosperidade.  

O evangélico é aquele que "anuncia a boa nova", no entanto, esta boa nova não é fruto da ação do próprio evangélico, mas vista como "ação de Deus". O evangélico dá uma ênfase muito maior na ação divina, que propriamente na ação humana. O discurso evangélico (evangélico aqui tomado nos seus moldes mais comuns, isto é, as igrejas pentecostais e neo-pentecostais) coloca Deus como o responsável pela mudança da sociedade. Se a situação não está boa, isto geralmente é entendido como "Deus querendo ensinar alguma coisa", ou "Deus está no controle da situação". (curiosamente, posição defendida por várias igrejas protestantes que acreditam na predestinação) O evangélico se coloca como passivo diante do mundo. Claro que não há uma "inércia permanente" no meio evangélico, mas há com certeza uma passividade diante dos acontecimentos.

Movimentos tipicamente evangélicos como a "marcha pra Jesus" possui um caráter de "ação", mas até mesmo nesses movimentos a ênfase na ação é jogada para Deus, e o papel do crente é orar para que Deus faça alguma coisa.

Tirando talvez uma linha mais liberal do protestantismo, (por liberal aqui entendo a linha protestante que dialoga com um criticismo literário do final do séc XIX e séc XX) tanto os evangélicos como os protestantes aceitam basicamente a mesma metafísica subjacente. A meu ver a diferença se dá na forma como cada um dos grupos se coloca diante da sua tarefa no mundo. Enquanto o protestante se coloca como ativo, o evangélico se coloca como passivo. Enquanto o protestante assume a responsabilidade da mudança, o evangélico joga o principal desta mudança em Deus.

Uma outra diferença que cabe ressaltar também é que no protestantismo há uma leitura mais assídua do texto bíblico de uma forma mais sistemática que na igreja evangélica. (o que em várias igrejas históricas leva a uma postura mais fundamentalista) Na igreja evangélica a leitura bíblica é mais "instrumental", ou seja, ela é feita por alguém no culto para embasar uma preleção, ou como introdução a um cântico no louvor, etc. Dentro das igrejas evangélicas neopentecostais a bíblia geralmente não é lida.

O protestantismo atualmente acredito pode ser visto mais presente em algumas igrejas históricas, embora como afirmado acima é difícil achar uma coesão completa entre as próprias igrejas protestantes, enquanto que o "evangelicalismo" pode ser visto mais nas igrejas pentecostais e neopentecostais.

O "evangelicalismo" hoje, muito por conta da teologia da prosperidade não tem mais uma preocupação social, mas apenas individual. A riqueza é vista como "benção de Deus", mas ela se torna um fim em si mesmo. O importante é o indivíduo adquirir aquilo que ele quer de Deus.

Algo curioso a se ressaltar é que Deus e instituição são tomadas como sinônimos nesta relação, mas apenas na hora do "sacrifício do membro". Afinal, quando se oferta, oferta-se para Deus e não para a instituição, embora saibamos que quem recebe e usa esse dinheiro (e as vezes usa-se muito mal) é a própria instituição na figura dos seus líderes. Agora, a própria instituição e seus líderes se eximem de providenciar aquilo que o membro pediu, afinal de contas, ele pediu e deu a oferta para Deus, então a "responsabilidade" para se conceder o "pedido" cabe a Deus, e não à instituição. A dinâmica portanto se mostra muito perversa para o membro e muito cômoda para o líder institucional.

Se o pedido do membro for atendido, a honra é do líder que incentivou o membro a ofertar, agora se o membro não adquire aquilo que pediu, o diagnóstico é sempre a falta de fé do membro. Ou seja, se der certo, mérito do líder, se der errado, culpa do membro.

Se, no princípio do protestantismo, como atestado por Weber, há um "ir pra fora" em um incentivo ao acúmulo de riqueza que impulsiona o capitalismo, no "evangelicalismo" esse "ir pra fora" é traduzido em um "vir para dentro", e a dinâmica do capital proporciona apenas um "bem-estar" ao líder da instituição e não se traduz em benesses sociais, a não ser quando estas beneficiam os próprios líderes destas instituições.

Casos comuns são os vistos hoje com a bancada evangélica no congresso brasileiro que apenas corrobora grande parte do que falamos aqui.

O assunto como pode ser visto é muito amplo e o que pretendemos aqui foi apenas um panorama da atual situação do protestantismo e do "evangelicalismo" brasileiro. Claro que tal panorama se dá aqui de forma limitada por se tratar de um blog, mas é algo que com certeza merece outros posts para trabalhar vários apontamentos dados aqui.

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