Uma das coisas que acho muito interessante em qualquer viagem que faço é conhecer o modo de vida das pessoas que residem no local. Sempre dou preferência por andar de ônibus, metrô, a pé, ou seja, experienciar a cidade em que estou e tentar viver ao máximo como se fosse um residente daquela cidade. Dessa forma, procuro ir aos lugares onde as pessoas vão para almoçar, passear e etc. Obviamente que quando vou a turismo acho interessante visitar os pontos centrais das cidades, mas procuro sempre fazer isso da maneira mais "local" possível. Esse tipo de experiência é muito interessante e, pelo menos para mim, faz com que a cidade pareça mais verossímil do que simplesmente entrar em um táxi ou uma van e sair de um lugar diretamente para outro sem perceber as vivências sociais, pessoais, etc.
A mesma ideia caminha comigo quando vou em algum restaurante, mercado, ou coisas do gênero. Sempre procuro conversar com a pessoa que está executando determinado serviço para saber sobre a sua satisfação em fazer determinada coisa, saber se o valor que recebe de salário é um valor que lhe agrada, saber se a pessoa se sente bem fazendo o que faz, se as leis trabalhistas são cumpridas quanto a jornada de trabalho, valores recebidos, etc. Acho muito bom ouvir as pessoas sobre essas questões e é algo que se tornou bastante natural para mim. Sempre faço esse tipo de coisa e várias vezes é uma experiência muito interessante. Lembro de certa vez que reparei que as atendentes de uma determinada loja na praça de alimentação de um shopping não tinham lugar para sentar em seu balcão e daí perguntei se lá dentro havia algum lugar para descansarem e elas me responderam que não, que elas tinham que ficar em pé durante todo o turno de trabalho sendo que uma delas até comentou com a outra para não comentar nada sobre o assunto. Fiz uma reclamação com o gerente no dia e depois ainda mandei um email para a rede de alimentos relatando o fato. Dias depois passei lá e vi que já tinham colocado um banco para as funcionárias sentarem durante o expediente. (Obviamente que não sei dizer se minha denúncia cooperou ou não para isso, mas pelo menos o problema se resolveu aparentemente)
Outra experiência interessante que tive foi durante a visita ao templo de Salomão em SP no final de 2015. Dentro do templo encontramos o pastor R. que muito gentilmente nos conduziu pelo templo e nos explicou diversas coisas sobre o funcionamento do local. Durante nossas andanças pelo templo com ele lhe perguntei sobre a sua formação, se residia ali em SP, se estava gostando da experiência de ser pastor na Universal e ele me disse que aquilo era tudo que ele sempre quis fazer. Ele me contou que se converteu ainda adolescente na Universal da Paraíba e desde a sua conversão queria se tornar pastor da igreja, pois achava aquela função algo muito bonito e se totalmente se via exercendo tal função. Depois da conversão o pastor R. passou a frequentar os cultos e sempre com o desejo de se tornar pastor. Ao atingir uma idade maior o pastor R. entrou para o seminário de formação de pastores da igreja Universal e fez o curso para se tornar pastor ainda na Paraíba. Segundo ele, aquele primeiro passo era o início da realização de um sonho.
Quando ficou sabendo da construção do templo de Salomão, o pastor R. colocou em sua cabeça o sonho de ser um dos pastores no templo. Aquele era o seu novo sonho e ele nos contou que fez tudo o que podia para ajudar na construção do templo. Ele se recorda até com certo orgulho que ele mesmo contribuiu com o valor de 1 cadeira para o templo (O valor de cada cadeira do templo, segundo ele, é de R$ 2842,00) e que quando da inauguração do templo ele fez questão de viajar para SP e estar presente. Segundo ele a sua experiência ali foi maravilhosa e ele até hoje não consegue explicar a forma como foi parar como um dos pastores do templo de Salomão, mas se sente extremamente realizado por estar ali "cooperando" com o serviço exercido ali.
O pastor R. em toda a sua simplicidade e dedicação estava realmente convencido de que no templo de Salomão havia algo "diferente" que levava todos a se "aproximar de Deus" de forma que nos explicou o porquê da proibição de celulares e câmeras dentro do templo como aquilo que atrapalharia uma experiência genuína e quebraria a ambientação propícia para tal experiência.
O pastor R. em toda a sua simplicidade e dedicação estava realmente convencido de que no templo de Salomão havia algo "diferente" que levava todos a se "aproximar de Deus" de forma que nos explicou o porquê da proibição de celulares e câmeras dentro do templo como aquilo que atrapalharia uma experiência genuína e quebraria a ambientação propícia para tal experiência.
Uma coisa que achei interessante no pastor R. é que ele falava como quem realmente acreditava que o seu papel estava sendo extremamente bem executado e que aquele era de fato o lugar que Deus planejou para ele. Toda a discrepância entre o templo, sua estrutura, seu funcionamento e aquilo que ele realmente ganhava era deixado de lado em nome desse objetivo que traçou para si e que via como quem fazia parte daquilo. O pastor R. parece demonstrar para nós algo muito comum na relação entre a igreja e o mundo que a circunda. É como se para dentro dos muros do templo nada mais importasse além da própria estrutura do templo. Toda a pobreza que circunda o templo, toda situação marginalizante é deixada do lado de fora para que das portas para dentro a coisa funcione. Algo muito parecido reparei na visita a Aparecida do Norte no início de 2015. Dos portões para dentro uma realidade muito diferente daquela que é vista dos portões para fora. Enquanto do lado de dentro reina a opulência, a beleza, do lado de fora reina a pobreza, a sujeira e é como se os dois mundos jamais se encontrassem.
O pastor R. parece alheio a essa divisão entre o seu papel dentro do templo e o seu lugar que deve ser exercido fora dele, ou seja, enquanto pastor que deve cuidar de todos aqueles que necessitam, quer esteja dentro ou fora do templo. A vida do pastor R. nos pareceu se resumir à sua função no templo, e aqui o conceito de alienação aparece na sua forma talvez mais crua. Longe do clichê da alienação religiosa vinculada a ignorância, pois aqui não parece se tratar disso, mas antes uma alienação muito mais perversa, ou seja, aquela que faz o ser humano ser reduzido à sua função como algo da qual não deve sair nunca. Ele passa a se definir por aquilo que faz e isso é muito mais comum do que às vezes imaginamos. O pastor R. em toda a sua dedicação à sua função parece apontar para nós aquilo que várias vezes queremos esconder, ou seja, que no mundo do capital nos definimos a partir daquilo que fazemos, que nos definimos a partir da nossa relação com o capital, e nada além disso importa, exceto que executemos a nossa função da "melhor maneira possível". Podemos até não aceitar que "Deus nos colocou em tal lugar", mas colocamos outros "deuses" como responsáveis por nosso papel social.
Diante dessas impressões acredito que o pastor R. seja um exemplo paradigmático tanto da relação entre igreja-mundo, em que o lado de dentro dos muros fica em grande parte alheio ao lado de fora, quanto da relação sujeito-igreja, em que o sujeito se mescla à sua função exercida remetendo à dimensão sujeito-mundo-dominado-pelo-capital em que o sujeito se define apenas por aquilo que realiza no mundo do trabalho, e aqui podemos perceber algo que já é sabido de vários que é a estrita relação atual entre igreja e capitalismo que se acentua de forma extremamente peculiar no meio neopentecostal da qual a IURD é símbolo.
O pastor R. parece alheio a essa divisão entre o seu papel dentro do templo e o seu lugar que deve ser exercido fora dele, ou seja, enquanto pastor que deve cuidar de todos aqueles que necessitam, quer esteja dentro ou fora do templo. A vida do pastor R. nos pareceu se resumir à sua função no templo, e aqui o conceito de alienação aparece na sua forma talvez mais crua. Longe do clichê da alienação religiosa vinculada a ignorância, pois aqui não parece se tratar disso, mas antes uma alienação muito mais perversa, ou seja, aquela que faz o ser humano ser reduzido à sua função como algo da qual não deve sair nunca. Ele passa a se definir por aquilo que faz e isso é muito mais comum do que às vezes imaginamos. O pastor R. em toda a sua dedicação à sua função parece apontar para nós aquilo que várias vezes queremos esconder, ou seja, que no mundo do capital nos definimos a partir daquilo que fazemos, que nos definimos a partir da nossa relação com o capital, e nada além disso importa, exceto que executemos a nossa função da "melhor maneira possível". Podemos até não aceitar que "Deus nos colocou em tal lugar", mas colocamos outros "deuses" como responsáveis por nosso papel social.
Diante dessas impressões acredito que o pastor R. seja um exemplo paradigmático tanto da relação entre igreja-mundo, em que o lado de dentro dos muros fica em grande parte alheio ao lado de fora, quanto da relação sujeito-igreja, em que o sujeito se mescla à sua função exercida remetendo à dimensão sujeito-mundo-dominado-pelo-capital em que o sujeito se define apenas por aquilo que realiza no mundo do trabalho, e aqui podemos perceber algo que já é sabido de vários que é a estrita relação atual entre igreja e capitalismo que se acentua de forma extremamente peculiar no meio neopentecostal da qual a IURD é símbolo.