O que amo quando te amo, ó Deus? já se perguntava Agostinho em suas Confissões. Santo Agostinho direciona essa pergunta a si mesmo em relação a Deus, mas podemos direcionar essa pergunta em relação a nós mesmos e o outro. E realmente a resposta é bem complicada assim como era complicada para Agostinho. A belíssima resposta agostiniana expressa lá no livro X das Confissões é algo que deve ser lido por todos nós sempre que a pergunta nos vier.
O que amo quando te amo? O que amamos quando amamos o outro? Com certeza não amamos apenas a beleza ou a companhia, ou o fato de estarmos juntos a tanto ou pouco tempo e sermos tão cúmplices ou tão parecidos, não amamos simplesmente o perfume, os gestos, etc. Embora amamos tudo isso não é isso o que amamos quando amamos. Se amássemos apenas isso teríamos que concordar um pouco mais com Freud para o qual o amor ao outro é em última instância uma espécie de amor por mim mesmo no outro. É claro que há sempre um caráter narcísico no amor, mas isso está longe de definir de maneira mínima a complexidade do amor. Amamos mais que isso, pois amamos aquilo que não pode se nomear. Amamos aquilo que falta. E por isso amamos a poucos.
Recalcati já nos dizia que amar é dar aquilo que não se tem. É reconhecer-se como detentor de uma falta, de um desejo, e por causa disso, estar disposto a doar esse desejo àquele outro que, longe de ser aquele que tamponará a falta, acolherá tal desejo e o responderá. Da mesma forma Lacan nos dizia que o amor é sempre um amor pelo nome. Amamos o nome como significante único que coloca o sujeito como insubstituível. Nesse sentido que digo que amo aquilo que não se pode nomear, mesmo que o nome próprio do sujeito aponte para a sua singularidade há sempre algo ali que escapa. O real do sujeito é impossível de se nomear e talvez aí se encontre essa doação a que se remete o amor. Dar o que não se tem, abrir mão de se mostrar como perfeito, abrir mão de tentar ser aquele que suprirá a falta do outro, mas manter o esforço de estar sempre próximo mesmo na precariedade.
Nessa falta da qual falávamos não estaria uma possível resposta à questão agostiniana? Uma compreensão possível da definição de João que afirmava que "Deus é amor"? Esse Deus-amor que se mostra como falta não se apresenta ao sujeito como um grande vazio e que por ser vazio permite que o próprio amor circule e habite entre nós? Não estaria a experiência mística ancorada sobre essa mesma compreensão de Deus como vazio? Visto dessa forma, Deus deixa de ser visto como um "Deus da necessidade", ou seja, um Deus que se coloca como resposta possível para toda a falta que o sujeito possa ter, e passa a ser visto como "Deus do desejo", ou seja, um Deus que surge da aceitação da própria carência, visto como esse grande vazio que longe de querer tamponar a falta do sujeito se coloca como um possível horizonte para ele. E por ser horizonte, se mostra sempre em um constante devir, mas sempre presente.
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