O dia não era um dos melhores. Nem mesmo a natureza resolveu cooperar e trouxe um dia triste, de muita chuva, nublado, e por mais que apreciasse tal clima, ainda assim aquilo trazia uma espécie de tristeza, pois acostumamos socialmente a dizer que os dias de sol são dias felizes e os dias nublados são dias tristes. Meras manias sociais adquiridas.
O dia lá fora aparecia naquele momento apenas um grande reflexo do dia interior. Sei lá, um dia em que a própria visão sobre nós aparece deturpada, onde nos sentimos não tão bons assim, não tão estimados assim, não tão belos assim. E nessas horas há sempre a chance de que nos convençamos de tais mentiras que contamos para nós mesmos. Curiosamente acreditamos muito mais facilmente nas mentiras que contamos para nós do que nas verdades sobre nós.
Nessas horas gostaríamos de ter aquele espelho da Branca de Neve que diz para nós a verdade que insistimos em não ver. Mas sabemos que espelhos mágicos habitados por espíritos são dificílimos de serem arranjados, e talvez por isso teríamos que contar apenas com o nosso próprio reflexo para dizer coisas que insistimos em não ver. O nosso reflexo ali nos diria a verdade sobre nós mesmos, mostraria para nós a nossa beleza esquecida diante dos inúmeros tormentos, medos, angústias da vida. Naquele momento ali de frente do espelho não nos veríamos como os piores, os mais exigentes, os imperfeitos, os que não alcançaram suas metas, os que se esforçam sem sentido, os fracassados, mas nos veríamos como pessoas belas, amáveis, cuidadoras, que se importam, que fascinam, que lutam, etc. Veríamos as nossas qualidades sobressaltadas à nossa vista.
Ali diante de nós mesmos nos veríamos com a justa medida do que somos. Não precisaríamos criar para nós a ilusão de que devemos fazer algo a mais para sermos amados, não precisaríamos criar para nós a ilusão de que precisamos estar maquiados, penteados, arrumados para sermos lindos diante do mundo. A experiência do nosso reflexo traria para nós a verdade simples de que somos os mais belos que podemos ser, de que amamos com todas as nossas forças, de que somos amados pelos que nos amam do jeito que somos, de que nossa beleza não depende da validação externa de ninguém, de que somos pessoas agradáveis, etc.
O nosso reflexo seria como aquele bom senso esquecido; seria como aquele que estende a mão e a coloca por debaixo da nossa e diz: "É apenas um mal dia! Isso também passará! Da próxima vez que nos olharmos você estará melhor!" E ali naquele momento nos sentiríamos confortados, com uma visão melhor sobre nós mesmos; Mas não porque aquilo veio de fora, mas porque olhamos para nós mesmos e percebemos que somos muito melhores do que várias vezes nos achamos.
E depois disso perceberíamos que mesmo que lá fora ainda chova, aqui dentro agora surge um pequeno raio de sol, uma pequena luz que se colocada no lugar correto iluminará todo o nosso interior. A esperança renasce.
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