segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Os evangélicos neopentecostais e a política, ou como Cabo Daciolo não passa da face performática do discurso de ódio de Bolsonaro







Uma coisa interessante sobre as eleições de 2018 tem a ver com a população evangélica e principalmente a população evangélica neopentecostal. (Caso queira ver a divisão entre os diversos evangélicos, clique aqui) O povo neopentecostal (e aqui uso o termo como "qualquer denominação que aceita a teologia da prosperidade, quer seja de maneira soft, ou mais hard, ou seja, desde uma Batista Getsêmani, Batista da Lagoinha até uma Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja da Graça, etc.) conta com um candidato que exemplifica de maneira extremamente crua a sua forma de se relacionar com o mundo e com a política que é o Cabo Daciolo. 

Cabo Daciolo não faz questão nenhuma de esconder a sua filiação neopentecostal, usa os mesmos discursos que seriam feitos em qualquer culto neopentecostal, fala em línguas, canta mantras evangélicos "ad infinitum" durante vídeos, acredita piamente que o solução para o Brasil é a evangelização de todos, para que todos aceitem a palavra de Deus como única palavra de salvação, etc. Cabo Daciolo também acusa o diabo por diversos males que acometem o Brasil e acredita que por meio da oração e por meio de um jejum no monte ele fortalecerá a sua campanha e fará com que Deus o ajude para se tornar o presidente do Brasil e limpar o Brasil de todo o pecado por meio da disseminação da palavra de Deus. Cabo Daciolo tem visões, é profeta, pastor, preside uma igreja, enfim, faz tudo o que uma pessoa neopentecostal em posição de liderança é chamado para fazer.

Qualquer pessoa minimamente familiarizado e frequentador de uma igreja com o discurso neopentecostal deveria encontrar no cabo Daciolo a sua legitimação mais óbvia, ou seja, deveria ver nele uma espécie de "enviado de Deus", um "profeta levantado pelo Senhor" para fazer a obra de salvação do país. No entanto, assim como o grande problema da classe média brasileira é não se reconhecer como pobre e explorada, assim também um grande problema para o povo neopentecostal é não se reconhecer como neopentecostal. Talvez para muitos que leem esse texto agora não há simplesmente nenhuma aproximação entre a sua crença e as do neopentecostais. Muitos nem mesmo se consideram neopentecostais, pois pensam que neopentecostais são apenas as igrejas mais eufóricas, no entanto mantém a mesma prática, e em grande medida as mesmas crenças, tais quais as descritas acima. 

O que salta aos olhos, no entanto, é que vários evangélicos neopentecostais (e alguns não tão neopentecostais também) tem se manifestado de forma veemente a favor da candidatura de Bolsonaro, um candidato que, dentre outras coisas, defende tudo o que um cristão não deveria defender, como por exemplo, "tortura", "homofobia", "violência", "ditadura", "torturadores", etc. (O fato de ainda ter que explicar isso para alguns evangélicos se torna algo extremamente surreal na época em que temos inúmeras informações e vídeos disponíveis, acesso ao texto bíblico, dentre outras coisas) Para além desse caráter extremamente óbvio do porquê alguém que se diz cristão não deveria apoiar um sujeito com um proposta tão violenta e cega como a do Bolsonaro, chega a ser extremamente curiosa a preferência dos evangélicos neopentecostais pelo discurso violento do Bolsonaro, ao invés do discurso mais "profético" do Cabo Daciolo. 

Cabo Daciolo é visto como motivo de chacota para vários evangélicos (que acreditam basicamente nas mesmas coisas que Cabo Daciolo) de forma que apoiar tal candidato seria demonstração da mais pura loucura. Ou seja, do ponto de vista prático os próprios neopentecostais vêem que esse discurso que eles mesmos propagam se tornam extremamente bizarro, no entanto, ao apoiar um discurso como de Bolsonaro, os mesmos evangélicos não percebem que o que defendem é o mesmo discurso extremista de Cabo Daciolo, só que de maneira muito mais violenta e menos velada. Esse tipo de adesão só é possível porque a grosso modo a população evangélica neopentecostal se identifica em sua instância mais íntima com o discurso violento de Bolsonaro do que o discurso espiritual de Cabo Daciolo.  

De uma certa forma podemos entender que essa preferência dos evangélicos pelo discurso de Bolsonaro evidencia a face oculta daquilo que cabo Daciolo mostra, ou de maneira mais clara, aquilo que a prática evangélica neopentecostal mostra. Fica bastante claro para qualquer observador que essa performance evidenciada nos cultos neopentecostais e que cabo Daciolo expõe de forma nua e crua não passa exatamente disso, uma performance que esconde o discurso violento que Bolsonaro traz a tona. O "deus vivo" pregado pelos cultos neopentecostais não passa do "Deus violento", do "Deus que quer extirpar da face da Terra todos os que são contra as suas ideias", é aquele "Deus juiz severo" que para além de amor também é justiça. (Justiça essa que não passa de outro nome para ódio divino dentro do discurso neopentecostal). Essa performance neopentecostal, no entanto, só pode ser levada a sério, aparentemente, nos cultos, naquelas 2 horas em que o fiel se encontra no templo. Apenas naquele momento "somos todos irmãos", apenas naquelas horas do louvor que "somos corpo bem ajustados, totalmente ligados unidos em amor", mas no momento em que o culto acaba, no momento em que o êxtase travestido de "presença do espírito" passa, lá está novamente o evangélico padrão apoiando a tortura, defendendo "bandido bom é bandido morto", defendendo "violência se combate com violência", etc. 

O mesmo pastor que é capaz de gritar "santo, santo, santo" por 20 minutos durante uma música, que faz campanha de "não cortar a barba", que "prega o avivamento", que é líder de uma igreja que não vai cessar as 24 horas de oração por dia enquanto "Belo Horizonte não for do Senhor Jesus" é o mesmo que defende a candidatura de um candidato como Bolsonaro. Isso evidencia o que citamos mais acima, isto é, que cabo Daciolo é a face performática da violência que Bolsonaro evidencia, e Bolsonaro é a face oculta do que está por trás da performance do crente neopentecostal. 

Quando, por exemplo, André Valadão (pastor da igreja Batista da Lagoinha) vai de púlpito convidar a todos para ouvir uma palestra de Dallagnol e diz publicamente que apóia um candidato como Bolsonaro; quando Jorge Linhares (pastor da igreja Batista Getsêmani) apóia Bolsonaro e diz que "o conselho de pastores de Minas te abençoa", fica bastante claro que o que está em jogo é algo muito além do mero apoio político, mas o que está em jogo é como que a representatividade do ódio encontra morada dentro do próprio discurso neopentecostal. A performance neopentecostal oculta a sua própria face violenta daqueles que se sentem "mais próximos de Deus do que qualquer outra religião", daqueles que se sentem no direito de dizer "quem é, e quem não é de Deus", etc.  Essa violência nem aparece de forma tão velada assim, basta observarmos os famosos cânticos que essas igrejas entoam durante os cultos em que a face violenta do "senhor dos exércitos" se mostra nitidamente.

Do ponto de vista do discurso performático seria muito mais óbvio que a população evangélica neopentecostal (que é a maior no Brasil segundo censo do IBGE) apoiasse em massa a candidatura de Cabo Daciolo, afinal, ele se mostra um legítimo representante de toda uma categoria da sociedade, no entanto, a partir do momento que percebemos que Cabo Daciolo evidencia apenas uma performance e que a identificação do evangélico neopentecostal é com o discurso de ódio e violento de Bolsonaro, percebemos que o que está em jogo no discurso neopentecostal é apenas mais do mesmo, ou seja, um discurso violento, excludente, que simplesmente não percebeu a proposta dos evangelhos, mas se perde em êxtases narcísicos travestidas de "espiritualidade". 









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