Ah, se ali atrás daquela serenidade fosse permitido ver todo o peso do mundo carregado sobre aqueles ombros caídos. Se diante dos outros pudesse aparecer as chagas de um coração várias vezes triste e desolado diante da falta de alegria do mundo. Não fossem os olhos, que alguns dizem ser a janela da alma, a denunciarem tamanha incompletude, ninguém diria que ali bate como um martelo uma dor dilacerante. Não fosse os pequenos sinais dados a conhecer a apenas alguns mais próximos, ninguém desconfiaria.
Como um Sísifo que vai subindo a montanha tendo a pedra sobre seus ombros; Empurra-a montanha acima como quem sabe ser a sua única tarefa. Empurra-a sobre seus ombros como quem está fadado a repetir ad infinitum tamanho desgosto. Mas até Sísifo por algum momento é capaz de esquecer a dor do mundo e a dor de ser quem se é. Até ele é capaz de se sentir orgulhoso por estar ali fazendo aquele trabalho sem sentido.
Naquele momento, ali quando se esquece, naquele segundo evanescente, é como se tudo se fizesse novo e até o peso da grande pedra é esquecido. Naquele momento a eternidade se faz presente, pois o que define o momento eterno nunca é a sua duração (inconsistência puramente lógica, mas de caráter poético), mas o desejo de que aquilo permaneça para sempre. Aquele segundo, por mais rápido que seja, alivia Sísifo que agora é capaz de voltar à sua labuta inglória.
"Num abrir e fechar de olhos" (I Cor 15,52) é a versão cristã do que chamamos acima de segundo evanescente, ou seja, em um mero ir e vir das pálpebras pode ser dita toda a esperança cristã até mesmo para o apóstolo Paulo, pois é em um segundo evanescente que, segundo o texto, seremos capazes de esquecer todo o sofrimento do mundo para adentrarmos na eternidade. O abrir e fechar dos olhos (que é um movimento involuntário do corpo) parece apontar para a curiosa teologia da graça cristã. Graça que a todos abarca. Ali, onde não temos domínio sobre o executar, ali ela se revela mostrando-se como salvação vinda de Deus, como dom imerecido dado a todo homem.
O segundo evanescente que nos faz esquecer do sofrimento diário é o momento buscado por nós todos os dias, o tempo todo, e que o conceito de "ressurreição" no cristianismo visa dar conta dessa busca de uma vez por todas. Assim como o piscar de olhos, o segundo evanescente de Sísifo também dura pouco, mas mesmo assim acredito que nunca nos cansaremos de esperar por ele, ou para os mais ativos, fazê-lo acontecer diante de nós. Como aquela árvore que Jó nos diz ser melhor que o próprio homem, pois com o cheiro das águas ela pode brotar, assim também aquilo que chamamos de segundo evanescente pode se colocar como aquele cheiro das águas que traz consigo a possibilidade do renovo diante de todo aparente absurdo do mundo.